1. — A literatura contemporânea se impregna cada dia mais das ideias espíritas. Com efeito, nossa Doutrina é uma fonte fecunda para os trabalhos de imaginação; aí os escritores podem haurir descrições poéticas, quadros emocionantes e verossímeis, situações interessantes e completamente novas, que não poderiam fazer surgir do campo limitado e prosaico que lhes oferecem as doutrinas materialistas. Por isso os autores, mesmo materialistas, começam a explorar novos horizontes abertos ao pensamento pelo Espiritismo, tamanha é a necessidade que sentem de filar à alma e poetizar o caráter de seus personagens, se quiserem conquistar o interesse de seus leitores.
Muitas vezes a Revista já assinalou romances, novelas, obras teatrais, etc., que exploram os nossos ensinos e caracterizam a reação que começa a operar-se nas ideias. Continuaremos, de vez em quando, a registrar os fatos que entram no quadro do Espiritismo.
2.
O conde Otávio.
(Lenda do século XIX.)
Tal é o título de uma novela publicada no jornal Liberté, de 26, 27 e 28 de maio, pelo Sr. Victor Pavé, e que comporta a mais completa acepção das doutrina espíritas e o detalhe de uma história absolutamente fundada sobre a intervenção dos Espíritos.
Dois seres belos e inteligentes, que não habitam os mesmos lugares e jamais se viram, estão desesperados com a vida e só veem desordem no mundo e nas inteligências. São grandes demais para as mesquinharias que entreveem e estão prestes a suicidar-se: um moralmente, o outro efetivamente.
Dois Espíritos que os amam, atualmente desencarnados, mas que lhes foram unidos na Terra pelos laços do sangue, comprometem-se a salvá-los, agindo por inspiração sobre um encarnado, de que se apossam para operar o encontro e a união desses dois seres e, consequentemente, a sua salvação.
O autor, que muito certamente estudou com seriedade as obras espíritas, descreve de maneira interessante e verdadeira o modo de existência e de comunicação dos Espíritos e afirma por fatos o desprendimento e a independência do Espírito encarnado durante o sono do corpo. Julgamos por bem assinalar esta novela, interessante sob mais de um ponto de vista e publicada num grande jornal que se dirige a um número considerável de leitores. Possa o enredo desta breve história, emocionante e bem escrita, lhes inspirar salutares reflexões e os levar a apreciar judiciosa e seriamente os princípios da filosofia espírita.
3.
Pluralidade das existências.
Lemos no número 19 do Lien, jornal das igrejas reformadas, a seguinte passagem, concernente à pluralidade das existências, reproduzindo-a sem comentários:
“No que respeita à eternidade do Cristo, citam-nos este texto: “Agora, tu, meu pai, glorifica-me a mim em ti mesmo, com aquela glória que tive em ti, antes que o mundo fosse.” (João, XVII:5); e este: “Antes que Abrão fosse, eu sou.” (João, VIII:58). Mas, supondo que estas palavras sejam autênticas, não implicam de modo algum a ideia de eternidade absoluta, tal qual a concebe de Deus a nossa consciência, tal qual o próprio Cristo a contempla na Essência divina. Tudo quanto nos é permitido daí deduzir é a preexistência, uma existência anterior àquela que ele desfrutava cá embaixo, em nosso mundo, isto é, em nossa Terra. n Portanto, Jesus não quer dizer outra coisa senão que ele existia antes do mundo do qual fazemos parte. Aos nossos olhos, uma tal pretensão nada tem que não corresponda perfeitamente à natureza eminente e ao caráter único do Cristo, e os trinta a quarenta anos de sua carreira terrena não teriam sido suficientes para que ele realizasse os imensos progressos que notamos em sua pessoa. A hipótese da preexistência em si nada tem que choque a razão; ao contrário, é a única que pode dar conta de uma imensidade de fenômenos psicológicos e morais, cujas explicações em geral são pouco satisfatórias ou absolutamente contraditórias. Nós a admitimos, portanto, mesmo para os seres pessoais de todas as ordens, mas a título de suposição fortemente provável, projetando mais luz do que qualquer outra sobre a nossa situação presente e sobre o nosso eterno futuro. Que Jesus tenha tido consciência de uma vida anterior mergulhando nas mais longínquas profundezas do passado, nós o compreendemos perfeitamente, e é essa lembrança que o separava do comum dos homens e mesmo das almas de escol; mas, ainda uma vez, esta preexistência não é a eternidade absoluta.”
4.
Biografia de Allan Kardec.
Sob esse título o Sétifien de 20 e 27 de maio publica um artigo sobre a vida do Sr. Allan Kardec, do qual reproduzimos alguns extratos, felizes por reconhecermos que, se na imprensa há alguns órgãos sistematicamente hostis aos nossos princípios, outros há que sabem apreciar e honrar os homens de bem, seja qual for a bandeira filosófica a que pertençam.
Aliás, não é a primeira vez que o Sr. Armand Greslez sustenta abertamente as nossas doutrinas, e não podemos deixar de aproveitar a ocasião para lhe testemunhar toda a nossa gratidão.
“Se fosse preciso, diz ele, procurar um emblema, uma personificação da falsidade e da mentira, não se agiria mal tomando a Musa da História; porque se o homem, em geral, tem o amor e o sentimento do verdadeiro, também é arrastado pelos preconceitos, pelas inclinações e pelos interesses que quase sempre o fazem afastar-se da senda da verdade, quer se trate das coisas ou dos homens.
“Até o momento tem faltado um critério de certo valor às biografias dos falecidos: É o que impede os mortos de declinarem das honras imerecidas ou de repelirem as acusações injustas.
“Não nos surpreendamos, pois, que Allan Kardec não tenha podido escapar desta lei comum. Este destino, mais que outro, ele o experimentou ainda em vida, vítima que foi de odiosas calúnias e de extravagantes e impudentes difamações. Entretanto, há demonstrações reais de respeito de seus contemporâneos e da posteridade, que não poderiam ser contestadas sem que se cometesse injustiça.
“Primeiramente, ele publicou livros sobre uma doutrina que uns acolheram com indiferença, outros com ódio e desprezo; mas ele previu todas essas tribulações, pois lhe tinham sido reveladas previamente. Deste ponto de vista, deu provas de coragem e de abnegação.
“Jamais reivindicou o título de inventor ou de chefe de escola, pois seu papel se limitou a coligir e a centralizar documentos, escritos fora da sua influência e, por vezes, alheios às suas ideias pessoais. Restringiu-se a acompanhar esses documentos com os seus comentários e reflexões, pondo, em seguida, todos os seus cuidados em os vulgarizar. Para esta tarefa árdua e ingrata ele consagrou unicamente, plenamente, inteiramente, quinze anos de sua existência.
“Lutou contra os adversários, mas sempre com sucesso, porque tinha o bom-senso, a lógica, o conhecimento da verdade, aliados à sabedoria, à prudência, à habilidade e ao talento.
“A morte de Allan Kardec deu ensejo a um verdadeiro sucesso para o Espiritismo. Dentre os discursos que foram pronunciados junto ao seu túmulo, figura em primeira linha o de Camille Flammarion, que afirmou altiva e publicamente as verdades desta doutrina, explicando-as pelos dados da mais avançada Ciência.
“Para os que o ignoram, devo dizer que Camille Flammarion é um sábio oficial e um escritor de mérito incontestável, perfeitamente colocado na literatura; é uma autoridade que ninguém ousaria recusar. Declarou-se francamente espírita. Agora não é mais permitido tratar os espíritas de tolos ou de impostores, porquanto seria levantar uma acusação contra um homem de grande valor; hoje seria uma presunção ridícula.
“Por isso, os jornais que habitualmente atacavam o Espiritismo de maneira ridícula ou mordaz, se fecharam num prudente silêncio, já que deviam evitar o duplo escolho da retratação ou de uma crítica tornada perigosa pelo poderoso adversário que queriam combater, por mais indireta que fosse.
“Que seria, pois, se todos os que creem no Espiritismo se dessem a conhecer? Entre os crentes há pessoas de mérito excepcional e que ocupam as mais elevadas posições sociais. Desde que possam fazê-lo, tais pessoas confessarão suas crenças; então os antiespíritas ficarão envergonhados e escaparão por diversos subterfúgios ao embaraço de sua posição.”
Armand Greslez.
[1] Sabe-se que, em razão de suas imperfeitas noções astronômicas, os judeus confundiam a formação do Universo com a do nosso planeta, que, segundo eles, era o seu centro, a sua obra-prima; sendo assim, toda existência que dizem ter precedido esta formação, seria, necessariamente, uma existência divina.