O Caminho Escritura do Espiritismo Cristão.
Doutrina espírita - 1ª parte.

Índice |  Princípio  | Continuar

Revista espírita — Ano XII — Agosto de 1869.

(Idioma francês)

Aos espíritas.

Constituição da Sociedade Anônima sem fins lucrativos e de capital variável da Caixa Geral e Central do Espiritismo. n

(Sumário)


1. — Quando a morte feria tão cruelmente a grande família espírita na pessoa de seu chefe venerado, todos nós perdíamos um guia eminente e devotado, consagrando na prática os princípios tão sábia e solidamente elaborados durante quinze anos de assíduo trabalho. A Sra. Allan Kardec perdia ainda mais, porque era privada inopinadamente do companheiro de toda a sua vida, do amigo dedicado a quem devia toda a sua felicidade. Ferida em suas mais caras afeições, por certo nada podia preencher o imenso vazio cavado ao seu lado pela partida do mestre; mas, se havia alguma coisa capaz de fortalecer sua coragem e suavizar as amarguras de sua saudade, era, com toda certeza, as inúmeras e calorosas marcas de simpatia que lhe foram dadas por todos os espíritas, da França e do estrangeiro, e que a tocaram profundamente.

Na impossibilidade material de responder a todos, mais uma vez ela nos encarrega de lhes transmitir aqui a expressão de seu vivo reconhecimento e de toda a sua gratidão.

Os testemunhos de que foi objeto são, para ela, estímulos poderosos e bem doces compensações, e que lhe ajudam a suportar as dificuldades e as fadigas de toda natureza, inseparáveis da pesada tarefa a que se impôs. Ninguém duvida de que, se ela só tivesse dado ouvidos aos seus interesses pessoais, poderia facilmente garantir a sua tranquilidade e o seu repouso, deixando as coisas seguir por si mesmas e se mantendo à margem; mas, colocando-se de um ponto de vista mais elevado e, aliás, guiada pela certeza de que podia contar com o Sr. Allan Kardec, para continuar a via traçada, a obra moralizadora que foi o objeto de toda a sua solicitude durante os últimos anos de sua vida, ela não hesitou um só instante. Profundamente convicta da verdade dos ensinos espíritas, não poderia, diz ela, melhor empregar o tempo que ainda deve passar na Terra, antes de reunir-se no espaço com o coordenador por excelência da nossa consoladora filosofia, senão assegurando a vitalidade do Espiritismo no futuro.

Aliás, nas circunstâncias atuais, é evidente que lhe cabe, mais do que a qualquer outro, realizar material e moralmente, na medida do possível, os planos do Sr. Allan Kardec, pois só ela dispõe dos elementos indispensáveis para determinar solidamente as suas bases constitutivas.

Aos que se admirassem da aparente lentidão com que foram elaborados os seus planos, lembraríamos que a Sra. Allan Kardec teve que suportar as numerosas formalidades a que dão lugar as sucessões; que devia, assim como seus conselheiros, estudar com cuidado o espírito desses planos e se prender especialmente à execução das partes atualmente praticáveis, contando com o futuro para a sua realização integral, à medida que surgissem novas necessidades. Deixamos à apreciação de todos que têm o hábito dos negócios, a atividade real que ela precisou desdobrar para, em meio a dificuldades de toda ordem, elaborar um projeto que o Sr. Allan Kardec tencionava executar ao longo do tempo, com recursos intelectuais que nenhum de nós poderia dispor.

Decidida a agir, a Sra. Allan Kardec apressou-se em comunicar suas ideias a vários espíritas de Paris  †  e da província, escolhidos entre os mais conceituados em Espiritismo, por seus atos e por seus dons, ou que tinham sido designados especialmente pelo Sr. Allan Kardec para o auxiliarem em seu trabalho quotidiano, a fim de constituírem a organização primitiva que ele desejara fundar pessoalmente.

É esta decisão, tomada em conjunto com aqueles senhores, que a Sra. Allan Kardec vem hoje tornar pública aos espíritas.


2. — Após madura e séria deliberação, foi decidido que era mais urgente formar uma base de associação comercial, como o único meio legal possível para se conseguir fundar qualquer coisa durável.

Em consequência, ela estabeleceu, com o concurso de seis outros espíritas, uma sociedade anônima de capital variável, com duração de 99 anos, em conformidade com as previsões do Sr. Allan Kardec, que há pouco se exprimia a respeito, nos seguintes termos (Revista de dezembro de 1868): “Para dar a esta instituição uma existência legal, ao abrigo de toda contestação, dar-lhe, além disso, o direito de adquirir, receber e possuir, ela será constituída, se for julgado necessário, por ato autêntico, sob forma de sociedade comercial anônima, por noventa e nove anos, prorrogável indefinidamente, com todas as estipulações necessárias para que jamais possa afastar-se de seu objetivo, e que os fundos não possam ser desviados de sua destinação.”

“Pág. 390. – A administração pode, no começo, organizar-se em menor escala; o número de membros da comissão poderá ser limitado provisoriamente a cinco ou seis, o pessoal e os gastos administrativos reduzidos ao mínimo possível, salvo para proporcionar o desenvolvimento pelo acréscimo dos recursos e das necessidades da causa.”

Se a Sra. Allan Kardec não propôs a um maior número de espíritas a fundação desta Sociedade, foi porque, salvo as razões enunciadas acima, a lei exige formalidades que implicam em deslocamentos e negociações sem número que, certamente, teriam retardado por longo tempo a sua constituição definitiva. Ela está certa de que, mais tarde, inúmeras adesões virão concorrer para a obra. Antes de tudo, era preciso estabelecer um centro de ligação, onde se pudessem reunir os recursos intelectuais e materiais espalhados no mundo inteiro. Estabelecido este centro, cabe aos que lhe compreenderem a urgência, e cujo ativo devotamento aos nossos princípios não pode ser posto em dúvida, assegurar o seu concurso em bases sólidas e indestrutíveis.

Estamos felizes por constatar que, longe dos milhões que teria adquirido com o Espiritismo, como tantas vezes o acusaram, foi com os seus próprios recursos, com o fruto dos seus labores e das suas vigílias, que o Sr. Allan Kardec proveu à maior parte das necessidades materiais de implantação do Espiritismo. A isso consagrou inteiramente o produto de suas obras, que, certamente, poderia dispor como justa remuneração por seus trabalhos, embora não desviasse nenhuma parcela em seu proveito pessoal. Os que o ajudaram a propagar as suas obras também contribuíram, indiretamente, para o desenvolvimento da Doutrina, já que o seu produto interessa ao Espiritismo, e não a um indivíduo.

Animada dos mesmos sentimentos e querendo concorrer pessoalmente para a obra, a Sra. Allan Kardec virá, por suas últimas disposições, aumentar ainda mais os recursos do fundo comum. Assim, ela terá dado nobremente o exemplo, cumprindo seu dever de espírita devotada e feliz por satisfazer aos desejos daquele cujos trabalhos e dificuldades ela compartilhou.

Com o fito de satisfazer ao legítimo desejo dos nossos leitores, julgamos um dever publicar na Revista diversos extratos do ato da Sociedade, visando, sobretudo, a tornar explicitas as cláusulas de interesse geral, de modo a não lhes deixar nenhuma dúvida quanto ao objetivo e à estabilidade da Sociedade.


Objetivo – Denominação – Duração – Sede da Sociedade

A Sociedade Anônima tem por objetivo tornar conhecido o Espiritismo por todos os meios autorizados pelas leis. Tem por base a continuação da Revista Espírita, fundada pelo Sr. Allan Kardec, a publicação das obras deste último, aí inclusas as suas obras póstumas e todas as obras que tratam do Espiritismo.

Ela toma a denominação de: Sociedade Anônima sem fins lucrativos e de capital variável da Caixa Geral e Central do Espiritismo.

A duração da Sociedade é fixada em noventa e nove anos, a contar de sua constituição definitiva, que deve ocorrer no corrente mês de agosto.

Atualmente a sede da Sociedade é: 7, rue de Lille.  † 

O fundo social, capital de fundação, é fixado em 40.000 francos. É susceptível de aumento, notadamente pela admissão de novos societários.

Esse capital, inteiramente subscrito a partir de hoje, está dividido em quarenta partes de 1000 francos cada uma.

A lei autoriza o aumento de capital na proporção de 200.000 francos por ano.

Em nenhum caso o fundo social poderá ser diminuído pela retomada total ou parcial das contribuições efetuadas.

Cada parte é indivisível, não reconhecendo a Sociedade senão um proprietário para cada uma delas.


Administração da Sociedade

A Sociedade é administrada por uma comissão de três membros, no mínimo, nomeados pela assembleia-geral dos associados e escolhidos entre estes.

Os administradores devem ser proprietários, durante toda a duração de seu mandato, de pelo menos duas cotas partes, oferecidas como garantia de sua gestão e inalienáveis até a apuração final de suas contas.

A comissão é nomeada por seis anos, revogável pela assembleia-geral e reelegível indefinidamente.

Os administradores terão um honorário fixo de 2.400 francos por ano, e uma parte nos benefícios.

Esta parte de benefícios, mais o honorário fixo, jamais devem exceder a 4.000 francos.


Dos comissários-fiscais

Anualmente é nomeada uma comissão de fiscais de no mínimo dois membros, entre os associados ou fora destes.

Eles comparecerão à sede social sempre que julgarem conveniente, tomando notas dos livros e dedicando-se ao exame das operações da Sociedade.

Eles convocam a assembleia-geral em caso de urgência. Os recrutados fora da Sociedade têm voz deliberativa, exercendo, numa palavra, a fiscalização e fazendo os contatos determinados por lei com a assembleia-geral.


Das assembleias gerais

A assembleia-geral regularmente constituída representa todos os associados.

Em julho se realiza uma assembleia-geral ordinária. – Ela delibera soberanamente sobre os interesses da Sociedade.

Conforme os casos, as deliberações são tomadas por unanimidade, ou por dois terços da maioria dos membros presentes.

O presidente e o secretário são escolhidos em cada sessão.

As deliberações são consignadas em atas e devidamente registradas.

A assembleia-geral delibera especialmente sobre os pedidos de admissão de novos associados, sobre as modificações estatutárias, sobre a nomeação ou a exoneração dos administradores e sobre a nomeação dos comissários fiscais.


Estados de situação – Inventário – Benefícios

O ano social começa em 1º de abril e termina em 31 de março.

A cada seis meses os administradores apresentam um resumo da situação ativa e passiva da Sociedade.

No final de cada ano social é feito um inventário, o qual é posto à disposição dos associados.

Sobre os benefícios líquidos, retêm-se:

1º – 1 /20 para o fundo de reserva legal;

2º – 3% do fundo social para ser pago a cada parte;

3º – 10% para os administradores assalariados, mas sem que esses 10%, reunidos ao honorário fixo, possam ultrapassar 4.000 francos;

4º – O excedente dos benefícios líquidos retorna ao fundo social.


Fundos de reserva

O fundo de reserva compõe-se:

1º – Da acumulação das somas retidas sobre os benefícios líquidos anuais;

2º – De todos os donativos legalmente feitos à Sociedade, seja a que título for.

Ele é destinado ao reembolso do capital nos casos previstos pelos estatutos.

Quando esses fundos de reserva atingirem a décima parte do fundo social, a retirada dos benefícios líquidos determinados em sua criação poderá deixar de lhe aproveitar e ser aplicado quer no aumento do capital, quer nas despesas no interesse do Espiritismo.

Somente a assembleia-geral poderá regular o emprego dos capitais pertencentes ao fundo de reserva.


Dissolução – Liquidação

Em caso de perda de três quartos do capital, qualquer associado poderá solicitar a dissolução da Sociedade perante os tribunais.

A Sociedade não se dissolverá pela morte, aposentadoria, interdição, falência ou insolvência de um dos associados, continuando a existir de pleno direito entre os demais associados.

Em razão da ocorrência de um uma dessas causas, o capital será reembolsado àqueles a quem por direito pertence alguma coisa, à taxa de 1.000 francos para cada parte, no curso de cinco anos a partir do dia da perda da qualidade de associado, com juro de 5%. Este reembolso será efetuado com os capitais do fundo de reserva.

Nenhum associado poderá retirar-se em vida da Sociedade, a menos que admita um cessionário para a assembleia-geral anual. – A resolução é tomada por unanimidade dos membros presentes.

A duração da Sociedade pode ser prorrogada além do termo de 99 anos.

Tais são os principais artigos dos estatutos da Sociedade. Temos certeza de que o desinteresse absoluto que dirigiu seus fundadores será apreciado em seu justo valor por todo observador consciencioso. Aliás, é fácil constatar-se, se nos reportarmos à constituição transitória do Espiritismo, publicada pelo Sr. Allan Kardec no número de dezembro de 1868, que a Sociedade deixou-se guiar unicamente e absolutamente pelo espírito dessa constituição. Limitou-se ao estritamente necessário, às necessidades urgentes, já que não esqueceu, conforme os preceitos do mestre, que em tudo é preciso pedir conselho às circunstâncias, e que querer apoiar prematuramente certas instituições especiais na Doutrina, seria expor-se a fracassos certos, cuja impressão seria desastrosa e que teriam como resultado provável, se não destruir uma filosofia imperecível, ao menos retardar por longo tempo a sua propagação definitiva. n Certamente, em casos semelhantes, os nossos adversários não deixariam de imputar à incapacidade da Doutrina um insucesso que, no entanto, resultaria apenas da imprevidência.


Por não saberem esperar, a fim de chegarem no momento exato, diz o Sr. Allan Kardec (Revista de dezembro de 1868), os muito apressados e os impacientes, em todos os tempos, hão comprometido as melhores causas.

“Não se pode pedir às coisas senão o que elas podem dar, à medida que se vão pondo em estado de produzir. Não se pode exigir de uma criança o que se pode esperar de um adulto, nem de uma árvore que acaba de ser plantada o que ela dará quando estiver em toda a sua pujança. O Espiritismo, em via de elaboração, somente resultados individuais podia dar; os resultados coletivos e gerais serão fruto do Espiritismo completo, que sucessivamente se desenvolverá.

Como é fácil notar, a base das operações da Sociedade será, antes de tudo, a livraria especialmente fundada com o objetivo de escoimar as obras fundamentais da Doutrina das condições onerosas do comércio ordinário, delas fazendo objeto de publicações populares de baixo custo. Este foi sempre o mais vivo desejo do Sr. Allan Kardec que, a respeito, se expressava nos seguintes termos:

“Muitas pessoas lamentam que as obras fundamentais da Doutrina tenham um preço tão elevado para grande número de leitores, e pensam, com razão, que se fossem feitas edições populares a baixo custo, estariam muito mais espalhadas, com o que ganharia a Doutrina.

“Estamos completamente de acordo; mas, no estado atual das coisas, as condições em que são editadas não permitem que o seja de outro modo. Esperamos chegar um dia a esse resultado, com o auxílio de uma nova combinação que se ligue ao plano geral de organização. Mas essa operação não pode ser realizada senão em vasta escala; só de nossa parte exigiria capitais que não possuímos e cuidados materiais, que os nossos trabalhos, que reclamam todas as nossas meditações, não nos permitem dar. É por isto que a parte comercial propriamente dita foi negligenciada ou, melhor dizendo, sacrificada ao estabelecimento da parte doutrinária. O que importava, antes de tudo, é que as obras fossem feitas e assentadas as bases da Doutrina.

“Aos que perguntaram por que vendíamos nossos livros, em vez de os doar, respondemos que o faríamos se tivéssemos encontrado impressor que no-los imprimisse a troco de nada, negociante que nos fornecesse papel grátis, livreiros que não exigissem nenhuma comissão para se encarregarem de distribuí-los, uma administração dos correios que os transportasse por filantropia, etc. Enquanto esperamos, e como não temos milhões para subvencionar esses encargos, somos obrigados a lhes dar um preço.

“Um dos primeiros cuidados da comissão será ocupar se das publicações, desde que seja possível, sem esperar poder fazê-lo com a ajuda da receita; os fundos destinados a este uso não serão, na realidade, senão um adiantamento, pois que voltarão pela venda das obras, cujo produto retornará ao fundo comum.”

As operações necessárias, tendo como objetivo reunir nas mãos da Sociedade Anônima todas as obras fundamentais da Doutrina e, em geral, todas as que podem ser de interesse capital para os estudos espíritas, não tomarão senão um certo tempo, exigindo o remanejamento de fundos relativamente consideráveis. Segundo o desejo do Sr. Allan Kardec, é a esta providência, cuja importância é evidente para todos, que se consagrarão em primeiro lugar os membros fundadores da Sociedade.

Entre as atribuições atualmente praticáveis da Sociedade Anônima, é preciso considerar, igualmente, o cuidado de reunir todos os documentos capazes de interessar aos espíritas, de determinar o movimento progressivo da Doutrina e de continuar com os nossos correspondentes da França e do estrangeiro as relações amigáveis e benévolas que eles entretinham com o centro, relações que, por sua extensão e múltiplo objeto, não podiam mais repousar na cabeça de um indivíduo. – Tal é, ainda, uma das importantes considerações que levaram o Sr. Allan Kardec a substituir uma direção única pela comissão central, uma coletividade inteligente, cujas atribuições seriam definidas de maneira a não dar lugar a arbitrariedades.

“Fica bem entendido, dizia ele a propósito, que aqui se trata de uma autoridade moral, no que respeita à interpretação e aplicação dos princípios da Doutrina, e não de um poder disciplinar qualquer.

“Para o público estranho, um corpo constituído tem maior ascendente e preponderância; contra os adversários, sobretudo, apresenta uma força de resistência e dispõe de meios de ação com que um indivíduo não poderia contar; aquele luta com vantagens infinitamente maiores. Uma individualidade está sujeita a ser atacada e aniquilada; o mesmo já não se dá com uma entidade coletiva.

“Há, igualmente, numa entidade coletiva, uma garantia de estabilidade que não existe, quando tudo recai sobre uma única cabeça. Desde que o indivíduo se ache impedido por uma causa qualquer, tudo fica paralisado. A entidade coletiva, ao contrário, se perpetua incessantemente; embora perca um ou vários de seus membros, nada periclita.

“Consequente com os princípios de tolerância e de respeito a todas as opiniões, que o Espiritismo professa, não pretendemos impor esta organização a ninguém, nem constranger quem quer que seja a se submeter a ela. Nosso objetivo é estabelecer um primeiro laço entre os espíritas, que o desejam desde muito tempo e se lastimam de seu isolamento. Ora, esse laço, sem o qual o Espiritismo ficaria em estado de opinião individual, sem coesão, só pode existir com a condição de se religar a um centro por uma comunhão de vistas e de princípios. Este centro não é uma individualidade, mas um foco de atividade coletiva, agindo no interesse geral e na qual a autoridade pessoal se apaga.”

Os fundadores da Sociedade anônima estão de tal modo persuadidos de que o Espiritismo não pode nem deve residir numa só personalidade, que, para evitar o perigo de vê-lo servir de trampolim à ambição de um só ou de alguns, e dele fazer um objeto qualquer de especulação pessoal, convidam os espíritas, com veemência, a fazerem abstração dos indivíduos. Nunca seria demais lhes recomendar que enviem suas cartas, seja qual for o seu objeto, à administração da Sociedade Anônima, sem qualquer designação pessoal. A distribuição das cartas será de alçada puramente administrativa.

Todavia, e para reduzir as diligências e as perdas de tempo ao mínimo possível, os valores ou vales postais inseridos nas cartas endereçadas à Sociedade deverão ser dirigidos ao Sr. Bittard, encarregado especialmente dos recebimentos, sob a vigilância da comissão de administração da Sociedade.

Aos que se admirarem de ver uma Sociedade fundada com objetivo eminentemente filantrópico e moralizador constituir-se sobre as bases ordinárias das sociedades comerciais, observaremos que, legalmente, não se pode fundar nenhuma sociedade desse tipo sem fins lucrativos. Aliás, por força de um artigo especial relativo às modificações a serem feitas nos estatutos, a Sociedade estará sempre habilitada a marchar com os acontecimentos, a modificar-se e a transformar-se, se as circunstâncias lho permitirem ou se o interesse do Espiritismo nisso vir uma necessidade.

Quanto aos honorários dos administradores, à justa remuneração de seu trabalho, além de pouco elevados para não ensejarem cobiça, estão plenamente e inteiramente justificados pela seguinte passagem da Revista de dezembro de 1868:

“São em grande número, como se vê, as atribuições da comissão central, para necessitarem de uma verdadeira administração. Tendo cada um de seus membros funções ativas e assíduas, se apenas a constituíssem homens de boa vontade, os trabalhos seriam prejudicados, porquanto ninguém teria o direito de censurar os negligentes. Para regularidade dos trabalhos e normalidade do expediente, necessário se torna contar com homens de cuja assiduidade se possa estar certo e que não considerem suas funções como simples ato de comprazer. De quanto mais independência eles forem senhores, pelos seus recursos pessoais, tanto menos se deixarão prender por ocupações assíduas; se não dispuserem de tempo, não poderão consagrá-lo àquelas funções. Importa, pois, que sejam retribuídos, assim como o pessoal administrativo. Com isso a Doutrina ganhará em força, em estabilidade, em pontualidade, do mesmo passo que constituirá um meio a prestar serviços a pessoas que dela necessitem.”

As diversas cláusulas concernentes ao reembolso do capital, em caso de aposentadoria ou de morte de um associado, são bastante explicitas, de modo que não nos parece útil comentá-las. Apenas lembraremos que tais reembolsos, por certo bastante excepcionais e efetuando-se sobre o fundo de reserva, jamais poderão diminuir o capital da Sociedade.

Se um associado se retirar voluntariamente, não haverá nenhum prejuízo à integralidade do capital, pois que, nesse caso, o associado deverá admitir um cessionário de suas perdas, que, ao ser admitido, entrará com a soma retirada pelo demissionário. Talvez objetem que haja neste parágrafo uma causa de perigo para a vitalidade da Sociedade, por permitir a pessoas estranhas ao Espiritismo nela introduzir-se, trazendo elementos de perturbação e de desorganização; mas tal perigo foi previsto e afastado, pois a admissão dos cessionários só é decidida na assembleia-geral, e pela unanimidade dos membros presentes.

Como dissemos no início, as providências legais e a necessidade de deslocamento foram as únicas razões que nos obrigaram a limitar o número dos fundadores ao menor número possível.

A Sociedade que, antes de tudo, deseja realizar os desígnios do Sr. Allan Kardec, satisfazendo aos desejos da maioria, ficará feliz com as adesões que obterá e com os associados e comissários-fiscais que encontrará entre os espíritas, conhecidos pelo seu devotamento à causa e por sua participação em sua incessante propagação.

A Sociedade constituiu-se em Paris porque é preciso a toda fundação séria uma sede de operação determinada, mas os membros que a constituírem e a ela se associarem, evidentemente poderão, à medida que ela se desenvolver, pertencer a todos os centros que reconhecerem a sua autoridade e aceitarem os seus princípios.

Mas, qual será a extensão das operações da Sociedade Anônima? Não poderíamos responder melhor a esta questão do que citando textualmente as reflexões que, a propósito, expendeu o Sr. Allan Kardec:

“Qual será a extensão do círculo de atividades desse centro? É destinado a reger o mundo e a tornar-se o árbitro universal da verdade? Se tivesse essa pretensão, seria compreender mal o espírito do Espiritismo que, por isso mesmo que proclama os princípios do livre-exame e da liberdade de consciência, repudia a ideia de se erigir em autocracia; desde o começo entraria numa senda fatal.

“O Espiritismo tem princípios que, em razão de se fundarem nas leis da Natureza, e não em abstrações metafísicas, tendem a tornar-se, e certamente tornar-se-ão um dia, os da universalidade dos homens. Todos os aceitarão, porque serão verdades palpáveis e demonstradas, como aceitaram a teoria do movimento da Terra; mas pretender que o Espiritismo em toda parte seja organizado da mesma maneira, que os espíritas do mundo inteiro estarão sujeitos a um regime uniforme, a uma mesma maneira de proceder, que deverão esperar a luz de um ponto fixo, para o qual deverão fixar o olhar, seria uma utopia tão absurda quanto pretender que todos os povos da Terra um dia não formem senão uma única nação, governada por um só chefe, regida pelo mesmo código de leis e submetidas aos mesmos costumes Se há leis gerais que podem ser comuns a todos os povos, essas leis serão sempre, nos detalhes da aplicação e da forma, apropriadas aos hábitos, aos caracteres e aos climas de cada uma.

“Assim será com o Espiritismo organizado. Os espíritas do mundo inteiro terão princípios comuns, que os ligarão à grande família pelo laço sagrado da fraternidade, mas cuja aplicação poderá variar conforme as regiões, sem que, por isto, seja rompida a unidade fundamental, sem formar seitas dissidentes que se atirem a pedra e o anátema, o que seria antiespírita em alto grau. Poderão, pois, se formar, e inevitavelmente se formarão, centros gerais em outros países, sem outro laço além da comunhão de crença e a solidariedade moral, sem subordinação de um ao outro, sem que o da França, por exemplo, tenha a pretensão de impor-se aos espíritas americanos e reciprocamente.”

Finalmente, resta-nos explicar o emprego dos fundos da caixa geral que não fazem parte do capital social e que se compõem dos donativos feitos até hoje com o fito de concorrer à propagação dos princípios do Espiritismo. A Sociedade Anônima não tem dúvida de que realizará o desejo dos doadores, aplicando a quota dessas doações à constituição do fundo de reserva, conformemente aos artigos dos estatutos que determinam seu objetivo.

A esse respeito, para liberar completamente a Sra. Allan Kardec e a Sociedade, cumprimos o dever de publicar a lista das somas recebidas e dos nomes dos subscritores, a fim de que aqueles cujas intenções não tivessem sido bem compreendidas e que desejassem dar outra destinação a seus fundos, possam dirigir suas reclamações à Sociedade.

Estamos contentes pela oportunidade, aqui encontrada, de transmitir os nossos agradecimentos e sinceros cumprimentos a todos os que, material e moralmente, se empenharam pela constituição definitiva do Espiritismo.


3 Listas das subscrições depositadas na Caixa Geral para a propagação do Espiritismo.


1868 – Dezembro 20 – Grupo Mendy, de Nancy – 60,00


1869 – Janeiro 7 – D…, de Angers – 5,00

8 – J… e B…, de Paris – 10,00

8 – Ch…, de Paris – 20,00

9 – Guilbert…, de Rouen – 1.000,00

11 – D…, de Toulouse – 10,00

16 – F…, de Saint-Étienne – 10,00

29 – Sra. Al…, de Meschers – 20,00


Fevereiro 1º – B…, de Dijon  – 10,00

8 – De Th… – 2,75

27 – Hug…, de Guadalupe  – 50,00

27 – Os espíritas da ilha de Oléron – 50,00


Março 2 – Y…, de Paris,  – 500,00

16 – Grupo Fr…, de Poitiers  – 26,00

19 – C…, de Toulon  – 30,00


Abril 16 – X…, de Béthune  – 2,20

16 – Cr…, de Paris  – 100,00

16 – F.., de Guerche (Cher) – 5,00

16 – Grupo de Saint Jean-d’Angely – 20,00

19 – M…, de Cognac … … … … … 2,00

23 – Diversos – 1,00


Maio 7 – De V…, – 20,00

14 – Sociedade de Constantina – 5,00

22 – D…, de Philippeville – 20,00

28 – Sociedade Espírita de Rouen, presidente, Sr. Guilbert  – 1.000,00

29 – Sociedade Espírita de Toulouse – 224,50


Junho 10 – Grupo Espírita da Paz, de Liège – 20,00


Total das somas recebidas – 3.323,45

Despesas diversas – 3,00


Em caixa, em 1º de agosto – 3.320,45


A esses valores devemos acrescentar o produto da brochura publicada pelo Sr. C… sob o título de: Instrução prática para a organização dos grupos espíritas, cuja totalidade é destinada pelo autor para aumentar os meios de ação da Sociedade anônima.

Bom número dos nossos irmãos da província e do estrangeiro se desdobrou para concorrer, através de seus donativos, à elevação do monumento fúnebre que o Espiritismo se propõe construir em memória do Sr. Allan Kardec; cumprimos também um dever de lhes testemunhar a nossa profunda gratidão. Numerosas cartas de adesão à determinação tomada a esse respeito nos foram dirigidas, bem como proposições de modificações de diversas naturezas. Essa correspondência, que constitui objeto de um dossiê especial, será submetida, em tempo oportuno, à apreciação da comissão que será nomeada para tal efeito. n

Como se vê, a Sociedade se preocupa principalmente em assegurar a vitalidade do Espiritismo e de o livrar da usurpação do orgulho e da especulação. Reunirá todos os sufrágios? não terá de lutar contra a ambição dos que querem ligar seu nome a uma inovação qualquer? Ninguém pode gabar-se de contentar todo o mundo. O desejo da Sociedade, e esperamos não nos decepcionar, é satisfazer à vontade da maioria, permanecendo na senda traçada.

Quanto aos dissidentes, às críticas, sejam quais forem, dir-lhes-emos, como o Sr. Allan Kardec: “O que vos barra o caminho? Quem vos impede de trabalhar de vosso lado? Quem vos proíbe de publicar vossas obras? A publicidade vos está aberta, como a todo o mundo; dai algo de melhor do que existe e ninguém se oporá; sede mais bem apreciados pelo público e ele vos dará a preferência.

“Pelo fato de a Doutrina não se embalar em fatos irrealizáveis para o presente, não significa que se imobilize no presente. Apoiada exclusivamente nas leis da Natureza, não pode variar mais do que essas leis; mas, se uma nova lei se descobrir, a ela se aliará; não deve fechar a porta a nenhum progresso, sob pena de suicidar-se; assimilando todas as ideias reconhecidamente justas, seja qual for a ordem a que pertençam, físicas ou metafísicas, ela jamais será ultrapassada, e aí está uma das principais garantias de sua perpetuidade.

“A verdade absoluta é eterna e, por isto mesmo, invariável. Mas, quem pode lisonjear-se de a possuir inteiramente? No estado de imperfeição dos nossos conhecimentos, o que hoje nos parece falso amanhã pode ser reconhecido verdadeiro, em consequência da descoberta de novas leis; assim é na ordem moral, como na ordem física. É contra esta eventualidade que a Doutrina jamais deve ser pega de surpresa. O princípio progressivo, que ela inscreve em seu código, será, como temos dito, a garantia de sua perpetuidade e sua unidade será mantida precisamente porque não repousa no princípio da imobilidade. Em vez de ser uma força, a imobilidade se torna uma causa de fraqueza e de ruína para quem não segue o movimento geral; rompe a unidade, porque os que querem ir avante se separam dos que se obstinam em ficar atrás. Mas, seguindo o movimento progressivo, é preciso fazê-lo com prudência e se precaver contra os devaneios das utopias e dos sistemas. É preciso fazê-lo a tempo, nem muito cedo, nem muito tarde, e com conhecimento de causa.

“Compreende-se que uma doutrina assentada em tais bases deve ser realmente forte; desafia toda concorrência e neutraliza as pretensões de seus competidores. É para este ponto que os nossos esforços tendem a levar a Doutrina Espírita.

“Aliás, a experiência já justificou esta previsão. Tendo marchado sempre neste caminho desde a sua origem, a Doutrina avançou constantemente, mas sem precipitação, olhando sempre se o terreno onde pisa é sólido e medindo seus passos no estado da opinião. Ela fez como o navegante, que só marcha com a sonda à mão e consultando os ventos.”




[Revista de setembro.]

4. Constituição da Sociedade Anônima.

Sem fins lucrativos e de capital variável da Caixa Geral e Central do Espiritismo.
(2º artigo.)

O artigo sobre a constituição da Sociedade anônima, publicado no último número da Revista, foi, da parte de grande número dos nossos correspondentes, objeto de calorosas felicitações e de marcas inequívocas de satisfação geral, testemunhadas pelas numerosas e lisonjeiras cartas de adesão que recebemos de todas as partes, nos estimulando poderosamente e nos autorizando a prosseguir, conforme o vivo desejo da Sra. Allan Kardec, a execução do plano do mestre.

Na verdade o Sr. Allan Kardec nos legou uma tarefa muito pesada para as nossas débeis forças; mas, e reconhecemos com um sentimento de viva satisfação, nosso apelo despertou um eco simpático no coração de todos os homens verdadeiramente devotados ao triunfo de nossas ideias, e as promessas de concurso material e o assentimento moral de todos nos deixam profundamente convencidos de que os nossos esforços não serão improdutivos.

Trazendo cada um a sua espiga, pondo seus conhecimentos à disposição de todos e contribuindo para aumentar o germe fecundo destinado a dar a todos o pão da vida, sem dúvida chegaremos, com a ajuda dos bons Espíritos, a assegurar o desenvolvimento e a difusão universal dos nossos princípios.

No próximo número publicaremos uma nova lista das somas depositadas na caixa geral, desde 1º de agosto. Hoje nos limitaremos a anunciar que recebemos um certo número de pedidos de admissão como membro da Sociedade, pedidos cujo exame tivemos que adiar para a primeira assembleia-geral, conformemente ao artigo 23, § 3º dos estatutos. n

“Venho pedir-vos, diz um dos nossos correspondentes de Villevert (Oise), [Saint Jean à Villevert (distrito de Senlis)]  †  que me inscrevam por quatro ou cinco ações na Sociedade Anônima, tão logo julgarem oportuno aumentar o capital… Inútil acrescentar que aplaudo com todas as forças a ideia de uma Sociedade comercial, meio eficaz de propagar a Doutrina.”

O Sr. M***, de Bordeaux, é mais taxativo ainda; diz ele: “Acabo de ver, com muito prazer, as disposições tomadas; são firmes, e podemos dizer que agora o Espiritismo tem um ponto de apoio independente de qualquer personalidade. Sua marcha para frente será mais rápida, porque os maiores problemas que encerra poderão ser estudados, e os resultados produzidos sem entraves.”

O presidente da Sociedade Espírita de Bordeaux, durante o exercício 1867-1868, que igualmente adere de maneira absoluta à nova organização, houve por bem colocar à disposição da Sociedade Anônima uma centena de exemplares de sua brochura: Relatórios dos Trabalhos da Sociedade Espírita de Bordeaux, cedendo à caixa geral o produto da venda.

As sociedades e os espíritas isolados de Liège,  †  Bruxelas  †  (Bélgica), Lyon,  †  Toulouse,  †  Avignon,  †  Blois,  †  Carcassonne,  †  Rouen,  †  Oloron-Sainte-Marie,  †  Marselha,  †  etc., etc., também houveram por bem assegurar sua adesão aos estatutos da Sociedade, bem como o seu concurso ativo para lhe garantir a vitalidade.

Num próximo artigo, exclusivamente consagrado a uma revista geral do movimento da imprensa e das sociedades espíritas francesas e estrangeiras, nós nos empenharemos em demonstrar a oportunidade do momento para a fundação de uma organização e de uma direção sérias.

Em alguns meses duas novas sociedades, dois jornais foram fundados na Espanha; a Sociedade de Florença  †  criou um órgão de publicidade; um jornal em polonês apareceu em Léopold (Galícia austríaca)  †  e ficamos sabendo, nestes últimos dias, que um jornal em língua portuguesa está prestes a ser editado na Bahia  †  (Brasil) [v. Biografia: O Eco de Além-Túmulo, monitor do Espiritismo no Brasil]. As antigas sociedades se desenvolvem; num único centro da Bélgica, quinze professores primários aderem aos nossos ensinos; em Liège,  †  em Lyon,  †  etc., os diversos grupos da localidade exprimem o desejo de se reunirem sob uma direção única. Em toda parte a Doutrina, longe de enfraquecer e degenerar, desenvolve-se e conquista influência. Todos os espíritas compreenderam que o momento de afirmar-se chegou, e cada um se dedica com ardor para concorrer ao movimento regenerador.

Não nos foi feita nenhuma objeção sobre a transferência dos donativos à caixa geral, mas recebemos alguns pedidos de retificação quanto à maneira pela qual nossa lista foi organizada. Várias somas, inscritas em nome de uma Sociedade ou de um indivíduo, eram, na realidade, o produto da cotização de todos os membros de um grupo. Era nossa intenção simplificar tanto quanto possível os detalhes. Em nossa próxima lista faremos as observações que nos foram comunicadas.

Ao lado das adesões irrestritas que acabamos de mencionar, recebemos certo número permeadas de observações críticas, não quanto ao objetivo, mas sobre o modo e a forma da Sociedade. Para alguns, as expressões empregadas nos estatutos são demasiado comerciais. Para outros, o montante das partes parece um tanto elevado, e a porção dos benefícios atribuídos ao fundo de reserva muito considerável. Aos primeiros, lembramos as explicações que demos a respeito no último número da Revista e as reflexões que, sobre o mesmo assunto, publicava o Sr. Allan Kardec no número de dezembro último.

Estamos persuadidos de que todos os espíritas aplaudirão a formação da nova Sociedade, quando virem que os fundadores, inspirando-se nas ideias do mestre, tiveram em vista, sobretudo, assegurar o futuro do Espiritismo, colocando-o sob a égide da lei, aos seus olhos o único meio de paralisar em certos momentos as influências nocivas, substituindo, assim, o regime de tolerância pelo do direito, sujeito o primeiro quase sempre a variações, conforme os homens e as circunstâncias.

Quanto ao que concerne à quantidade fixada para as cotas partes e ao pequeno número de fundadores, lembraremos que o que importava, antes de tudo, era estabelecer uma base, um centro de ação, onde todas as atividades, todos os devotamentos pudessem congregar-se. Hoje a Sociedade está constituída; seus estatutos, essencialmente modificáveis e progressivos, como tudo o que é de origem humana, poderão sofrer, no futuro, as transformações que parecerem úteis para cumprir o desejo geral e satisfazer às novas necessidades.

Todas as correspondências dirigidas à Sociedade Anônima, no que respeita aos pedidos de admissão como membros da Sociedade, bem como as sugestões para a modificação dos estatutos, serão conservadas num dossiê especial, a fim de serem submetidas às deliberações dos associados na primeira assembleia-geral anual, que, nos termos de ato da Sociedade, é a única que tem o poder de deliberar e estatuir sobre estas interessantes questões.

Não temos senão um objetivo, um desejo: assegurar a vitalidade do Espiritismo, satisfazendo às aspirações gerais. Se, como o esperamos, as medidas tomadas pela Sociedade Anônima nos permitirem obter esse resultado, nós nos julgaremos recompensados além dos nossos méritos, quando, para nós, houver soado a hora do repouso e outros mais dignos, se não mais devotados, forem chamados para nos substituírem.




[Revista de novembro.]

5. Sociedade Anônima do Espiritismo.

(Terceiro artigo. – Vide a Revista dos meses de agosto e setembro de 1869.)

Breves explicações.


Lamentamos que em razão de um mal-entendido inconcebível ante a clareza das explicações dadas na Revista, algumas pessoas, aliás uma minoria em relação à generalidade dos espíritas, confundissem e considerassem como uma só e mesma coisa a Sociedade Parisiense de Estudos Espíritas e a Sociedade Anônima do Espiritismo.

Como alguns dos nossos correspondentes nos pediram que os esclarecêssemos a respeito, apressamo-nos em satisfazer ao seu legítimo desejo e comunicar-lhes as reflexões seguintes, visando a definir a situação satisfatoriamente.

Como todas as sociedades espíritas, a Sociedade Parisiense de Estudos Espíritas, que não existe senão em virtude de uma simples autorização, ocupa-se pura e simplesmente, conforme o seu regulamento, de estudos psicológicos e morais. Persegue, por meios idênticos, o mesmo objetivo que as Sociedades de Lyon,  †  Marselha,  †  Toulouse,  †  Bordeaux,  †  etc. Numa palavra, ela se consagra unicamente ao estudo dos ensinamentos que são o objeto de seus trabalhos; adquire novos conhecimentos pelas comunicações que recebe dos Espíritos através dos médiuns, pelo exame sério que fazem seus membros cooperadores das questões da ordem do dia, e vulgariza a Doutrina pela admissão de ouvintes às suas reuniões. Sendo absoluto o seu desinteresse, seria um contrasenso acusá-la de exploração.

A Sociedade Anônima do Espiritismo é uma organização essencialmente distinta. Enquanto a Sociedade Parisiense de Estudos Espíritas é puramente local, ou, pelo menos, se restringe a algumas correspondências limitadas à província e ao estrangeiro, a Sociedade Anônima do Espiritismo vem a ser, através da Revista Espírita, um órgão de centralização quase universal. É uma sociedade comercial, é verdade, mas não há pessoa de boa-fé que, depois de analisar a sua constituição, não se convença de que o mais absoluto desinteresse e o mais completo devotamento presidiram à sua fundação.

Quando ainda se achava neste mundo, o Sr. Allan Kardec foi o primeiro n a reconhecer, juntamente com alguns espíritas esclarecidos, que as condições da livraria ordinária tornavam impossível a vulgarização do Espiritismo nas massas por meio das obras que, em nossa opinião, ainda são os melhores agentes de propagação. Mas, para tirar as obras dos editores, para reuni-las numa única mão e chegar a fazer, num futuro mais ou menos distante, edições populares, seriam necessários, antes de tudo, capitais que uma pessoa isolada não poderia fornecer e uma organização que fizesse obras fundamentais, não mais uma propriedade particular, mas propriedade do Espiritismo em geral. É para chegar a esse resultado que a Sociedade Anônima foi fundada, e também para assegurar ao Espiritismo uma existência legal, inabalável, e recursos para o futuro.

Haveria, na verdade, má-fé e má vontade em ver nesse empreendimento tão pouco comercial quanto possível, outra coisa além de um meio de concentração e de difusão mais poderosa, além de um local destinado a reunir em feixes e a utilizar os esforços de todos os espíritas, esforços muitas vezes improfícuos, em razão do próprio isolamento da maior parte dos elementos ativos.

A Sociedade Anônima tem por objeto operações comerciais; é constituída sem fins lucrativos e pode receber donativos destinados a alimentar uma parte do fundo de reserva. Mas, qual será o emprego dos recursos que poderão resultar dos benefícios capitalizados? Qual o seu objetivo e o de todos os que, compreendendo suas verdadeiras intenções, empenham-se em sustentá-la com o seu apoio moral e o seu concurso material? Basta tomar conhecimento de seus estatutos para dar-se conta. n

Longe de buscar o lucro, um ganho de que se beneficiassem os seus membros, ela pretende consagrar-se puramente e unicamente à vulgarização dos nossos ensinos por todos os meios legais, mediante os recursos que lhe chegarem, sejam quais forem. Quem poderia suspeitar de tais disposições e aí ver tendências à exploração?!…

A Sociedade tem administradores, empregados remunerados, pois, certamente, não acudirá a ninguém a ideia de que se possa consagrar seu tempo e suas faculdades a um trabalho qualquer sem direito a esperar uma justa remuneração.

Como, antes de tudo, desejamos que a luz se faça e que a verdade seja conhecida, julgamos um dever comunicar a todos essas poucas reflexões.

A Sociedade Anônima do Espiritismo é, pois, uma coisa essencialmente distinta da Sociedade Parisiense de Estudos Espíritas, tanto por sua organização, quanto pelos seus meios de ação; mas se as duas sociedades marcham com o mesmo objetivo por meios diferentes, é perfeitamente evidente que excelentes resultados para o Espiritismo em geral serão a consequência de um entendimento cordial e de relações benévolas entre elas. Ora, essa boa harmonia, que deve existir entre todos os que desejam concorrer para o progresso do espírito humano, jamais foi perturbada. As boas relações que existiam entre a Revista Espírita e a Sociedade Parisiense, anteriormente à criação da Sociedade Anônima, não deixaram de existir depois que a última foi fundada. A Sociedade Anônima, como o fazia o redator da Revista, julga um dever entregar à Sociedade de Paris os documentos que possam interessar aos seus trabalhos, recebendo, com a mais viva satisfação, as comunicações, estudos morais, documentos da Sociedade de Paris que lhe pareçam dever interessar ao Espiritismo em geral, e que ela insere em tempo hábil em sua Revista, a fim de os levar ao conhecimento de todos.

Há, entre nós, alguns dissidentes, alguns descontentes? Ignoramo-lo e não queremos saber, porque somos de opinião que o interesse particular deve apagar-se diante do interesse geral e que, ante o objetivo a que se propõe o Espiritismo, as animosidades individuais devem ceder lugar às questões de princípios. Os homens são falíveis e podem enganar-se, mas quando concorrem para o grande movimento regenerador, pensamos que os espíritas não haverão de preocupar-se senão do bem comum, da caridade, da fraternidade e da tolerância, que devem presidir a todos os trabalhos de uma filosofia que tem por divisa: “Fora da caridade não há salvação”.

Soubemos, igualmente, que alguns dos nossos correspondentes se queixam da tibieza da Revista em reproduzir as instruções emanadas de grupos e de centros, mesmo os de certa importância para o Espiritismo. Não tememos confessar que, se agimos assim, foi porque, desejando antes de tudo permanecer na via do mestre, deveríamos, para não censurar diretamente os ataques que não podíamos sancionar, nos limitar a protestar pelo silêncio contra uma maneira de agir que, se adotada na sua generalidade, poderia atirar o Espiritismo fora da direção traçada pela mão prudente do Sr. Allan Kardec.

Por sua natureza essencialmente filosófica, o Espiritismo deve, em todas as circunstâncias, abster-se de tratar as questões religiosas dogmáticas e, sobretudo, abordar o terreno inflamado da política. Constatamos com pesar que alguns espíritas, felizmente uma pequena minoria, têm respondido, com teimosa persistência e sem piedade, aos violentos ataques de que fomos e ainda somos o objeto. Vemo-los com tristeza perseverarem numa linha de conduta que não podemos aprovar. Deixemos aos outros a tarefa de apontar os abusos e de os combater pela palavra e pela imprensa. Nossa missão não é destruir, mas edificar; tratemos de fazer melhor do que os nossos adversários e seremos estimados e apreciados. Que outros empreguem a violência e a crítica acerba; nossa única arma deve ser o espírito de conciliação e de persuasão.

Muitas vezes nos perguntaram por que não respondíamos aos ataques de que fomos objeto; é que, a tal respeito, partilhamos completamente a maneira de ver do Sr. Allan Kardec. n Como ele, não pensamos que o Espiritismo seja atingido pelas diatribes e acreditamos que a melhor refutação a lhes fazer é o silêncio, não devendo o Espiritismo preocupar-se em responder a eles senão multiplicando a difusão de seus ensinos e fazendo o maior bem possível.

Por que abandonaríamos um método que, até aqui, sempre nos foi salutar? Não é a nossa Doutrina, é o Espiritismo de fantasia, o Espiritismo imaginado pelos nossos adversários que é atacado nos escritos que nos apontam. Deixemo-los bater no vazio e não demos importância a zombarias que, não se dirigindo ao verdadeiro Espiritismo, não lhe podem fazer sombra.

Em vez de perder nosso tempo e consumir nossas forças em vãs disputas que divertiriam o grande público, unamo-nos, ao contrário, para que a filosofia espírita cresça e se popularize pelos nossos atos, pelos nossos trabalhos perseverantes.


[A. DESLIENS.]



[1] O ato da Sociedade, de 3 de julho de 1869, acha-se anexado à declaração feita em 22 do mesmo mês, perante um tabelião de Paris, na qual consta que o capital social de fundação está inteiramente subscrito e liberado.


[2] A questão das instituições espíritas foi especialmente tratada na Revista de julho de 1866. A ela enviamos os nossos leitores para maior desenvolvimento.


[3] As subscrições para o monumento do Sr. Allan Kardec devem ser dirigidas aos cuidados da Sociedade Anônima, ao Sr. Bittard, 7, rue de Lille.  † 


[4] Os Estatutos da Sociedade Anônima do Espiritismo aparecerão na primeira quinzena de setembro. Brochura in-8; preço, 1 fr. Paris, Administração da Sociedade anônima, 7, rue de Lille.


[5] Vide a Revista de dezembro de 1868 [v. Aviso] e abril de 1869 [v. Livraria Espírita]; os preliminares do catálogo da Livraria Espírita, etc.


[6] Vide a Revista de setembro de 1869 e os estatutos da Sociedade Anônima do Espiritismo, brochura in-12, preço: I fr.; Livraria Espírita, 7, rue de Lille, Paris.


[7] N. do T.: Vide a Revista Espírita de novembro de 1858: Polêmica espírita.


Abrir