O Caminho Escritura do Espiritismo Cristão.
Doutrina espírita - 1ª parte.

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Revista espírita — Ano XI — Maio de 1868.

(Idioma francês)

A fome na Argélia.

(Sumário)


Os detalhes dados pelos jornais sobre o flagelo que neste momento dizima as populações árabes da Argélia  †  nada têm de exagerado, e são confirmados por todas as correspondências particulares. Um dos nossos assinantes de Sétif  †  o Sr. Dumas, houve por bem nos mandar uma fotografia, representando a multidão de indígenas, reunidos em frente à casa onde distribuem socorro. Esse desenho, de uma verdade dolorosa, é acompanhado da seguinte notícia impressa:


“Depois dos anos sucessivamente calamitosos que nossa grande colônia atravessou, um flagelo ainda mais terrível veio abater-se sobre ela: a fome.

“Mal os primeiros rigores do inverno se fizeram sentir, vê-se que às nossas portas os árabes morrem de fome. Chegam em bandos numerosos, seminus, o corpo extenuado, chorando de fome e de frio, implorando a comiseração pública, disputando à voracidade dos cães alguns restos lançados com as imundícies na via pública.

“Embora os habitantes de Sétif também tenham sido reduzidos a cruéis extremos, não podem contemplar tamanha miséria com olhar impassível. Logo, e espontaneamente, organizou-se uma comissão de beneficência, sob a presidência do Sr. Bizet, cura de Sétif [v. A morte do Sr. Bizet, cura de Sétif]. Está aberta uma subscrição; cada um dá o seu óbolo e, em consequência, foram distribuídos socorros diários no presbitério, a duzentas e cinquenta mulheres e crianças indígenas.

“Nos últimos dias de janeiro, enquanto uma neve abundante e longamente desejada caía em nossas regiões, pôde-se fazer melhor ainda. Foi instalado um forno num vasto local; aí, duas vezes por dia, os membros da comissão distribuem alimentos, não mais a duzentas e cinquenta, mas a quinhentas mulheres ou crianças indígenas. Ali, enfim, esses infelizes encontram um asilo e um abrigo.

“Mas, ai! os europeus são obrigados, muito a contragosto, a limitar seus socorros às mulheres e às crianças… Para aliviar todas as misérias, seria preciso uma boa parte do trigo que os poderosos alcaides detêm em seus silos. Entretanto, esperam continuar suas distribuições até metade do mês de abril.”


Se, nesta circunstância, não abrimos uma subscrição especial nos escritórios da Revista, é que sabíamos que nossos irmãos em crença não foram os últimos a levar sua oferenda aos escritórios de sua circunscrição, abertos, para tal efeito, pelos cuidados da autoridade. Os donativos que nos foram enviados com essa finalidade lá foram depositados. O Sr. capitão Bourgès, da guarnição de Laghouat,  †  escreveu-nos a respeito o seguinte:


“Desde alguns anos os flagelos se sucedem na Argélia: terremotos, invasão de gafanhotos, cólera, seca, tifo, fome, miséria profunda vieram, sucessivamente, atingir os indígenas, que agora expiam sua imprevidência e seu fanatismo. Os homens e até os animais morrem de fome e se extinguem sem ruído. A fome se estende ao Marrocos  †  e à Tunísia;  †  entretanto, creio que é a Argélia  †  que mais sofre. Não poderíeis crer quanto é comovente ver esses corpos macilentos e definhados, procurando alimento em toda parte e o disputando com os cães de rua. Pela manhã, esses esqueletos vivos acorrem em volta do campo e se precipitam sobre os excrementos para deles extrair os grãos de cevada não digeridos pelos cavalos, com os quais se repastam imediatamente. Outros roem ossos, para sugar a gelatina que neles ainda se possa encontrar, ou comem a erva rara que cresce próximo aos oásis. Do meio desta miséria surge um deboche horrível, que- ganha as camadas mais baixas da colônia, e espalha nos corpos materiais essas chagas corrosivas, que deviam ser a lepra da antiguidade. Meus olhos se fecham para não ver tanta vergonha, e minha alma sobe ao Pai celeste, para lhe pedir que preserve os bons do contato impuro e dar aos homens fracos a força de não se deixarem arrastar nesse abismo enfermiço.

“A Humanidade ainda está muito longe do progresso moral que certos filósofos acreditavam já realizado. Não vejo à minha volta senão epicuristas, que não querem ouvir falar do Espírito; não querem sair da animalidade; seu orgulho faz que se atribuam uma origem nobre e, contudo, seus atos dizem bastante o que foram outrora.

“Vendo o que se passa, acreditar-se-ia realmente que a raça árabe está fadada a desaparecer do solo, porquanto, a despeito da caridade que se exerce para com ela, e os socorros que se lhe levam, ela se compraz em sua preguiça, sem nenhum sentimento de reconhecimento. Essa miséria física, proveniente das chagas morais, ainda tem a sua utilidade. O egoísta, obsedado, acotovelado a toda hora pelo infortunado que o segue, acaba por abrir a mão, e seu coração comovido sente, enfim, as suaves alegrias que a caridade proporciona. Um sentimento que não se apagará e talvez mesmo o do reconhecimento surgirá no coração daquele que se assiste. Um laço simpático então se forma; novos socorros vêm dar vida ao infeliz que se extinguia e, do desencorajamento, este último passe à esperança. O que parecia um mal fez nascer um bem: um egoísta a menos e um homem corajoso a mais.”


Os Espíritos não se enganaram quando anunciaram que flagelos de toda sorte devastariam a Terra. Sabe-se que a Argélia não é o único país em provação. Na Revista de julho de 1867, descrevemos a terrível doença que, há um ano, flagelava a ilha Maurício.  †  Uma carta recente diz, que à doença, vieram juntar-se novas desgraças, e muitas outras regiões neste momento são vítimas de acontecimentos desastrosos.

Deve-se acusar a Providência por todas essas misérias? Não, mas a ignorância, a incúria, consequências da ignorância, o egoísmo, o orgulho e as paixões dos homens. Deus só quer o bem; fez tudo para o bem; deu aos homens os meios para serem felizes: a estes cabe aplicá-los, se não quiserem adquirir a experiência à própria custa. Seria fácil demonstrar que todos os flagelos poderiam ser conjurados, ou pelo menos atenuados, de maneira a lhes paralisar os efeitos; é o que faremos ulteriormente, numa obra especial. Os homens não devem culpar senão a si mesmos pelos males que suportam. A Argélia nos oferece neste momento um notável exemplo: são as populações árabes, despreocupadas e imprevidentes, embrutecidas pelo fanatismo, que sofrem fome, ao passo que os europeus souberam prevenir-se contra ela. Mas há outros flagelos, não menos desastrosos, contra os quais estes últimos ainda não souberam premunir-se.

A própria violência do mal constrangerá os homens a buscar o remédio; e, quando, inutilmente, tiverem esgotado os paliativos, compreenderão a necessidade de atacar o mal na própria raiz, por meios heroicos. Este será um dos resultados da transformação que se opera na Humanidade.

Mas, dirão, que importa aos que sofrem agora a felicidade das gerações futuras? Terão tido o trabalho e os outros o proveito; terão trabalhado, suportado o fardo de todas as misérias inseparáveis da ignorância, preparado os caminhos, e os outros colherão, porque Deus os terá feito nascer em tempos melhores. Que faz às vítimas da exação da Idade Média o regime mais saudável no qual vivemos? Pode-se chamar a isto de justiça?

É notório que, até hoje, nenhuma filosofia, nenhuma doutrina religiosa tinha resolvido esta grave questão, de tão poderoso interesse, entretanto, para a Humanidade. Só o Espiritismo lhe dá uma solução racional pela reencarnação, essa chave de tantos problemas, que se julgavam insolúveis. Em virtude da pluralidade das existências, as gerações que se sucedem são compostas das mesmas individualidades espirituais, que renascem em diferentes épocas e aproveitam os melhoramentos que elas próprias prepararam, da experiência que adquiriram no passado. São novos homens que nascem; são os mesmos homens que renascem mais adiantados. Trabalhando cada geração para o futuro, na realidade trabalha para sua própria conta. A Idade Média foi, seguramente, uma época muito calamitosa; revivendo hoje, os homens daquele tempo se beneficiam do progresso realizado e são mais felizes, porque têm melhores instituições. Mas quem fez melhores estas instituições? Os mesmos que outrora as tinham feito más. Devendo os de hoje reviver mais tarde, num meio ainda mais depurado, recolherão o que houverem semeado; serão mais esclarecidos, e nem os seus sofrimentos, nem os seus trabalhos anteriores terão sido em vão. Que coragem, que resignação não lhes daria esta ideia, inculcada no espírito dos homens! (Vide A Gênese, capítulo XVIII, nº 34 e 35.)


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