Numa reunião íntima de família, em que se ocupavam de comunicações pela tiptologia, dois Espíritos se manifestaram espontaneamente, sem qualquer evocação prévia e sem que ninguém pensasse neles: um era o de um médico distinto, que designaremos sob o nome de Philippeau, morto há pouco e que, em vida, tinha feito profissão aberta do mais absoluto materialismo; n o outro era o de uma mulher que assinou Santa Vitória. É essa conversa que relatamos a seguir. É de notar que as pessoas que obtiveram esta manifestação não conheciam o médico senão por sua reputação, mas não tinham qualquer ideia de seu caráter, de seus hábitos, nem de suas opiniões; a comunicação, portanto, não poderia ser de modo algum o reflexo de seu pensamento, e isto tanto menos quanto, sendo obtida pela tiptologia, era inteiramente inconsciente.
Perguntas do médico. — O Espiritismo me ensina que é preciso esperar,
amar, perdoar; eu faria tudo isto se soubesse como proceder para começar.
É preciso esperar o quê? É preciso perdoar o que e a quem? É preciso
amar o quê? Respondei-me.
Philippeau.
Resposta. — É preciso esperar na misericórdia de Deus, que é infinita;
é preciso perdoar aos que vos ofenderam; é preciso amar ao próximo como
a si mesmo; é preciso amar a Deus, a fim de que Deus vos ame e vos perdoe;
é preciso orar e lhe render graças por todas as suas bondades, por todas
as vossas misérias, porquanto miséria e felicidade tudo nos vem dele,
isto é, tudo nos vem dele conforme o que tenhamos merecido.
Aquele que expiou, mais tarde terá a sua recompensa; cada coisa tem a sua razão de ser, e Deus, que é soberanamente bom e justo, dá a cada um segundo as suas obras. Amar e orar, eis toda a vida, toda a eternidade.
Santa Vitória. n
O médico. — Eu queria, de toda a minha alma, vos satisfazer, senhora,
mas temo muito não o poder fazer inteiramente; contudo, vou tentar.
Uma vez morto, materialmente falando, pensava que tudo estivesse acabado; assim, quando minha matéria ficou inerte, fui tomado de espanto ao me sentir ainda vivo.
Vi esses homens me levarem e disse a mim mesmo: Mas eu não estou morto! Então esses médicos imbecis não veem que eu vivo, respiro, ando, olho-os, sigo-os, a essa gente que vem ao meu enterro? Que é então o que enterram?… Então não sou eu… Escutava uns e outros: “Esse pobre Philippeau, diziam eles, fez muitas curas; matou alguns; hoje é a sua vez; quando a morte chega, nós perdemos o nosso tempo.” Por mais que eu gritasse: “Mas Philippeau não morre assim; não estou morto!”, não me escutavam, não me viam.
Assim se passaram três dias; eu estava desaparecido do mundo, e me sentia mais vivo que nunca. Seja acaso, seja Providência, meus olhos caíram sobre uma brochura de Allan Kardec; li suas descrições sobre o Espiritismo, e me disse: Seria eu, por acaso, um Espírito?… Li, reli e então compreendi a transformação de meu ser; eu não era mais um homem, mas um Espírito!… Sim; mas, então, que tinha a fazer nesse mundo novo? nessa nova esfera?… Eu errava, procurava: encontrei o vazio, o sombrio, enfim o abismo.
Que fizera, então, ao deixar o mundo, para vir habitar essas trevas?… Então o inferno é negro e foi nesse inferno que caí?… Por quê?… Por que trabalhei toda a vida? Por que empreguei minha existência a cuidar de uns e de outros, a salvá-los quando minha ciência mo permitia?… Não!… não!… Por que, então? Por quê?… procura! procura! Nada; não encontro nada.
Então reli Allan Kardec; esperar, perdoar e amar, eis a solução. Agora compreendo o resto; o que não compreendera, o que negara: Deus, o Ser invisível e supremo, é preciso que lhe peça; o que eu fizera pela Ciência, é preciso que faça para Deus; que estude, que realize a minha missão espiritual. Compreendo essas coisas ainda vagamente e vejo longos combates em minha mente, porque todo um mundo novo se abre para mim e recuo apavorado diante do que tenho a percorrer. E, contudo, dizeis que é preciso expiar; esta Terra me foi muito penosa, pois me foi necessário mais sofrimento do que podeis imaginar para chegar aonde cheguei! A ambição era o meu único móvel; eu a queria e cheguei.
Agora tudo está para refazer. Fiz tudo ao contrário do que devia. Aprendi, aprofundei a Ciência, não por amor a ela, mas por ambição, para ser mais que os outros, para que falassem de mim. Tratei do meu próximo, não para o aliviar, mas para me enriquecer; numa palavra, fui todo para a matéria, quando se deve ser todo para o espírito. Quais são hoje as minhas obras? A riqueza, a Ciência; nada! nada! Tudo esta por refazer?
Terei coragem para isto? terei a força, os meios, a facilidade?… O mundo espiritual em que marcho é um enigma; a prece me é desconhecida; que fazer? quem me ajudará? Talvez vós, que já me respondestes… Cuidado! a tarefa é rude, difícil, o aprendiz rebelde às vezes… Contudo procurarei render-me às vossas boas razões e vos agradecer antecipadamente as vossas bondades.
Philippeau.
[1] N. do T.: Estaria Kardec se referindo a Velpeau, † famoso cirurgião francês, morto em 1867, e que encarna perfeitamente o ateu designado sob o pseudônimo de Philippeau?
[2] [v.
Santa
Vitória.]