As Efemérides do Siècle de 29 de abril último traziam a seguinte notícia:
1743. — Morte do abade de Saint-Pierre (Charles-Irénée Castel de), escritor e filantropo, em nome de quem ficará eternamente ligada a lembrança do projeto de paz perpétua, cuja concepção parece tornar-se cada dia mais impraticável. A vida inteira desse digno abade se consumou em trabalhos e ações que tinham por objetivo a felicidade dos homens. Dar e perdoar devia ser, em sua opinião, a base de toda a moral, e ele a punha em prática constantemente. Também foi ele que criou, ou pelo menos ressuscitou, a palavra beneficência, exprimindo uma virtude que exercia diariamente. O abade de Saint-Pierre nasceu em 18 de fevereiro de 1658, e a Academia Francesa † lhe havia aberto suas portas em 1695; mas um dia, na sua Polysynodie, n o abade exprimiu-se severamente sobre o reinado de Luís XIV. O cardeal de Polignac denunciou o livro à Academia, que condenou o autor sem se dignar ouvi-lo, e o excluiu de seu seio em 1718. J. J. Rousseau, que compartilhou e desenvolveu algumas das ideias do abade de Saint-Pierre, disse dele: “Era um homem raro, a honra de seu século e de sua espécie.”
O abade de Saint-Pierre era um homem de bem e de talento, justamente estimado. Nas circunstâncias presentes, as ideias que ele tinha perseguido em vida davam à sua evocação uma espécie de atualidade.
(Sociedade de Paris, †
17 de maio de 1867. – Médium: Sr. Rul.)
Evocação – A nota que acabamos de ler nas Efemérides do Siècle nos recordou vossa memória, e lemos com interesse o justo tributo de elogios prestados às qualidades que vos mereceram a estima de vossos contemporâneos e vos asseguram a da posteridade. Um homem que teve ideias tão elevadas só pode ser um Espírito adiantado. Eis por que teremos muito prazer em aproveitar as vossas instruções, se houverdes por bem comparecer ao nosso meio. Ficaremos particularmente agradecidos em conhecer a vossa opinião atual sobre a paz perpétua, que constituiu o objeto de vossas preocupações.
Resposta – Venho com prazer responder ao apelo do presidente. Sabeis que em todas as épocas Espíritos vêm encarnar-se na Terra, para ajudar o avanço de seus irmãos menos adiantados. Fui um desses Espíritos. Tinha o dever de procurar persuadir os homens que têm o hábito das lutas fratricidas, de que viria uma época em que as paixões que engendram a guerra dariam lugar ao apaziguamento e à concórdia. Queria fazer-lhes pressentir que um dia os irmãos inimigos se reconciliariam, se dariam o beijo da paz, que em seus corações não haveria lugar senão para o amor e a benevolência, e que não mais pensariam em forjar armas que semeiam a morte, a devastação e as ruínas! Se fui benevolente, era o efeito de minha natureza mais adiantada que a dos meus contemporâneos. Hoje, um grande número entre vós pratica esta virtude evangélica e, se ela é menos notada, é que se espalhou mais e os costumes se abrandaram.
Mas volto à questão que é objeto desta comunicação, à paz perpétua. Não há um só espírita que duvide que aquilo que se chama uma utopia, um sonho do abade de Saint-Pierre, mais tarde não se torne realidade.
Em meio a todos esses clamores que anunciam a aproximação de graves acontecimentos, não há como se falar de paz perpétua; mas ficai bem persuadidos de que esta paz descerá sobre a vossa Terra. Assistis a um grande espetáculo, ao da renovação do vosso globo. Mas, quantas guerras antes! quanto sangue derramado! quantos desastres! Infeliz daquele que, por seu orgulho e ambição, tiverem desencadeado a tempestade! Terão de prestar contas de seus atos àquele que julga os grandes e os poderosos, como os menores de seus filhos!
Perseverai todos, irmãos; sois também os apóstolos da paz perpétua, porque ser discípulos do Cristo é pregar a paz, a concórdia. Entretanto, digo-vos ainda, antes que possais testemunhar esse grande acontecimento, vereis novos engenhos de destruição, e quanto mais se multiplicarem os meios, mais depressa os homens prepararão o advento da paz perpétua.
Deixo-vos repetindo as palavras do Cristo: “Paz na Terra aos homens de boa vontade.” ( † )
Aquele que foi,
Abade de Saint-Pierre. n
[1]
[v.
Abade de Saint-Pierre.]
[2] [Discours sur la polysynodie, où l'on démontre que la polysynodie ou … Por Charles-Irénée Castel de Saint-Pierre - Google Books.]