O Caminho Escritura do Espiritismo Cristão.
Doutrina espírita - 1ª parte.

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Revista espírita — Ano IX — Maio de 1866.

(Idioma francês)

Conversas de além-túmulo.


O abade Laverdet.

O Sr. Laverdet era um dos pastores da Igreja francesa e coadjutor do abade Châtel.n Era um homem de grande saber e que, pela elevação de seu caráter, gozava da estima dos que o conheceram. Morreu em Paris,  †  no mês de novembro último. Um de seus mais íntimos amigos, o Sr. Monvoisin, o eminente pintor de história, espírita fervoroso, tendo desejado dele receber algumas palavras de além-túmulo, pediu-nos que o evocássemos. A comunicação que ele deu tem para o seu amigo e para o seu irmão um selo incontestável de identidade, razão por que cedemos ao desejo expresso por esses dois senhores de a publicar, e isto com tanto mais vontade quanto ela é instrutiva sob mais de um aspecto.


(Sociedade de Paris, 5 de janeiro de 1866. – Médium: Sr. Desliens.)

Evocação – Vosso amigo, Sr. Monvoisin, informou-me hoje de vossa morte e, embora não tivéssemos tido o prazer de vos conhecer pessoalmente, conhecíamos a vossa reputação pela parte que tomastes na formação da Igreja francesa. A estima que gozáveis a justo título e o estudo que fizestes do Espiritismo antes de morrer, aliados ao desejo de vosso amigo e de vosso irmão, nos dão o de nos entretermos convosco, se Deus o permitir. Ficaremos contentes se quiserdes comunicar as vossas impressões como Espírito, seja pela reforma religiosa na qual trabalhastes e as causas que estancaram o seu progresso, seja sobre a Doutrina Espírita.

Resposta – Caro senhor, estou feliz, muito feliz pela boa lembrança de meu caro amigo Sr. Monvoisin. Graças a ele hoje posso, nesta honrada assembleia, expressar minha admiração pelo homem cujos sábios estudos levaram a felicidade a todos os corações deserdados e feridos pela injustiça dos homens. Reformador eu mesmo, mais que qualquer outro estou em posição de apreciar toda a prudência, toda a sabedoria de vossa conduta, caro senhor e mestre, se me permitirdes que vos dê este título.

Pouco satisfeito com as tendências gerais do clero ortodoxo, com a sua maneira parcimoniosa de espalhar a luz devida a todos, eu quis, de concerto com o abade Châtel, estabelecer um ensino sob novas bases, levando o título de religião, mas em relação com as necessidades gerais das classes pobres. Inicialmente nosso objetivo foi louvável, mas nosso empreendimento pecava pela base, por seu título, que era tal que deviam antes vir a nós para pregar peça à religião estabelecida, do que por convicção íntima. Logo o reconhecemos, mas, muito fáceis, aceitamos com entusiasmo as crianças que rejeitavam outros padres, por falta de instrução suficiente ou das necessárias formalidades.

O Espiritismo procede de modo inteiramente diverso; é firme e prudente; não visa ao número, mas à qualidade dos adeptos. É um ensino sério e não uma especulação.

Nossa reforma, que desde o início era completamente desinteressada, logo foi considerada, sobretudo pelo abade Châtel, como um meio de enriquecer. Esta foi a principal causa de sua ruína. Não tínhamos bastantes elementos de resistência e, é preciso dizê-lo, infelizmente não dispúnhamos de intrigas suficientes para levar tal empresa a bom termo. O primeiro primaz francês não teve sucessor. Eu não tentei apresentar-me como chefe de uma seita, da qual tinha sido um dos fundadores de segunda ordem, porque, em primeiro lugar, eu não aprovava todas as tendências do abade Châtel, tendências que o caro homem expiou e ainda expia no mundo dos Espíritos. Por outro lado, minha simplicidade se repugnava com isto; abstive-me e por isto hoje me sinto feliz.

Quando novamente me vieram propor a retomada da obra interrompida, a leitura de vossas obras, caro senhor, já havia lançado profundas raízes em mim. Compreendi que se tratava não só de modificar a forma do ensino, mas ainda o próprio ensino. Por sua natureza, nossa reforma não podia necessariamente ter senão um tempo; fundada sobre uma ideia imutável, sobre uma concepção humana, inteiramente desenvolvida e limitada em seu início, devia, mesmo com todas as chances de sucesso, achar-se logo ultrapassada pelas sementes progressistas, cuja germinação hoje vemos.

O Espiritismo não tem esta falta; marcha com o progresso, é o próprio progresso e não poderia ser ultrapassado por aquele que o precede constantemente. Aceitando todas as ideias novas fundadas sobre a razão e a lógica, desenvolvendo-as e fazendo surgirem outras desconhecidas, seu futuro está assegurado. Permiti-me, caro senhor, vos agradecer em particular o prazer que experimentei ao estudar os sábios ensinos publicados sob os vossos cuidados. Meu espírito, perturbado pelo desejo de saber o que ocultavam todos os mistérios da Natureza, foi ferido, à sua leitura, pela mais viva luz.

Sei que, por modéstia, repelis todo elogio pessoal; também sei que esses ensinos não são concepção vossa, mas a reunião das instruções de vossos guias. Não obstante, não é menos à vossa prudente reserva, à vossa habilidade em apresentar cada coisa a seu tempo, à vossa sábia lentidão, à vossa moderação constante, que o Espiritismo deve, depois de Deus e dos bons Espíritos, gozar da consideração que lhe conferem. A despeito de todas as diatribes, de todos os ataques ilógicos e grosseiros, não deixa de ser hoje uma opinião que fez lei e que é aceita por numerosas pessoas sensatas e sérias, e ao abrigo de suspeitas. É uma obra do futuro; está sob a égide do Onipotente, e o concurso de todos os homens superiores e inteligentes lhe será conquistado, desde que conheçam suas verdadeiras tendências, desfiguradas pelos seus adversários.

Infelizmente o ridículo é uma arma poderosa neste país de progresso! Inúmeras pessoas esclarecidas se recusam a estudar certas ideias, mesmo em segredo, quando foram estigmatizadas por piadas ridículas. Mas há coisas que afrontam todos os obstáculos; o Espiritismo é uma delas e sua hora de vitória logo soará. Congregará em torno de si toda a França, toda a Europa inteligente, e bem tolos e confusos serão os que ainda ousarem levar à conta da imaginação fatos reconhecidos por inteligências excepcionais.

Quanto ao meu estado pessoal, presentemente é satisfatório; dele, pois, nada vos direi; apenas chamarei vossa atenção e vossas preces para o meu antigo colega, o abade Châtel. n Orai por ele. Mais tarde seu espírito transviado, mas elevado, poderá ditar-vos sábias instruções. Agradeço novamente a vossa benevolência para comigo e ponho-me à vossa disposição, se vos puder ser útil, seja no que for.


Abade Laverdet.



[1] [v. Procès de l’abbé Laverdet, prêtre de l’Eglise évangélique française, devant … - Google Books.]


[2] [Ferdinand-François Chatel vide: L’Eglise Catholique Française de Monseigneur Chatel.]


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