O Espiritismo acaba de perder uma de suas mais fervorosas adeptas na pessoa da Sra. Dozon, viúva do Sr. Henri Dozon, autor de várias obras sobre o Espiritismo, morto em 1º de agosto de 1865. Ela faleceu em Passy, † a 22 de novembro de 1866.
A Sra. Dozon, acometida por uma doença orgânica incurável, estava desde muito tempo num estado de enfraquecimento e de sofrimento extremos, e cada dia via a morte se aproximar; encarava-a com a serenidade de uma alma pura, que tem a consciência de só haver feito o bem, e profundamente convencida de que não era senão a passagem de uma vida de provações a uma vida melhor, no limiar da qual ia encontrar, para a receber, seu caro marido e os que tinha amado. Suas previsões não a enganaram; a vida espiritual, a que estava iniciada, realizou todas as suas esperanças e mais ainda. Ela aí recolhe os frutos de sua fé, de seu devotamento, de sua caridade para com os que lhe fizeram mal, de sua resignação no sofrimento e da coragem com a qual sustentou suas crenças contra os que delas faziam um crime. Se seu corpo estava enfraquecido, o Espírito tinha conservado toda a sua pujança, toda a sua lucidez até o último momento. Morreu em pleno gozo das faculdades mentais, como alguém que parte em viagem, não levando nenhum traço de fel contra os quais tinha tido razões para se lamentar. Seu desprendimento foi rápido e a perturbação de curta duração; por isso pôde manifestar-se antes mesmo da inumação. Sua morte e seu despertar foram os de um espírita de coração, que se esforçou para pôr em prática os preceitos da Doutrina.
Sua única apreensão era ser enterrada viva, e este pensamento a perseguiu até o fim. “Parece-me, dizia ela, que me vejo na fossa e que sufoco debaixo da terra, que escuto cair sobre mim.” Depois de sua morte ela explicou este medo, dizendo que, na sua precedente existência, tinha sido morta assim e que a terrível impressão que seu Espírito havia sentido tinha despertado no momento de morrer novamente.
Nenhuma prece espírita foi feita ostensivamente em seu túmulo, para não melindrar certas susceptibilidades, mas a Sociedade Espírita de Paris, da qual fizera parte, reuniu-se no lugar de suas sessões, após a cerimônia fúnebre, para lhe renovar o testemunho de suas simpatias.
O Espiritismo viu partir outro representante seu, na pessoa do Sr. Fornier-Duplan, antigo negociante, falecido em Rochefort-sur-Mer, † a 22 de outubro de 1866. O Sr. Fornier-Duplan era desde muito tempo um adepto sincero e devotado, compreendendo o verdadeiro objetivo da Doutrina, cujos ensinos se esforçava para pôr em prática. Era um homem de bem, amado e estimado por todos os que o conheciam, um daqueles que o Espiritismo se honra de contar em suas fileiras. Nele os infelizes perdem um sustentáculo. Tinha haurido em suas crenças o remédio contra a dúvida sobre o futuro, a coragem nas provas da vida e a calma de seus últimos instantes. Como a Sra. Dozon e tantos outros, ele partiu cheio de confiança em Deus, sem o temor do desconhecido, porque sabia para onde ia e sua consciência lhe dava a esperança de aí ser acolhido com simpatia pelos bons Espíritos. Sua esperança também não foi enganada, e as comunicações que deu provam que lá ocupa o lugar reservado aos homens de bem.
Uma morte que tanto nos surpreendeu quanto nos afligiu foi a do Sr.
d’Ambel, antigo diretor do jornal Avenir, falecido em 17 de novembro
de 1866. Suas exéquias se realizaram na igreja de Notre-Dame de Lorette,
†
sua paróquia. n
A malevolência dos jornais que dele falaram revelou-se, nesta circunstância,
de maneira lamentável, por sua afetação em ressaltar, exagerar, envenenar,
como se tivesse prazer em revolver o ferro na ferida, tudo quanto esta
morte poderia ter de penoso, sem consideração pelas susceptibilidades
de família, esquecendo até o respeito que se deve aos mortos, sejam
quais forem suas opiniões e suas crenças em vida. Esses mesmos jornais
teriam denunciado o escândalo e a profanação contra quem quer que tivesse
falado dessa maneira de um dos seus. Mas nós vimos, pela citação que
fizemos acima, a propósito da morte do Sr. Pagès, que nem mesmo o túmulo
é respeitado por certos adversários do Espiritismo. [A propósito do
Sr. Pagès vide: Revista
da imprensa relativa ao Espiritismo.]
Todavia, os homens imparciais renderão aos espíritas a justiça de reconhecer que jamais estes se afastaram do respeito, das conveniências e das leis da caridade, pela morte dos que tinham sido seus maiores inimigos, e que os tinham atacado sem a menor consideração. Contentam-se em orar por eles.
Vimos com prazer o jornal le Pays, de 25 de novembro, posto que num artigo pouco simpático à Doutrina, responder com energia essa falta de consideração de alguns confrades e censurar, como ela merece, a mistura de publicidade nas coisas íntimas da família. O Siècle de 19 de novembro também tinha noticiado o acontecimento com todas as conveniências desejáveis. Acrescentaremos que o morto não deixa filhos e que sua viúva retirou-se para a sua família.
[1] N. do T.: Apesar de ter atuado como médium na Sociedade Espírita de Paris, as exéquias do Sr. d’Ambel se realizaram num templo católico. Conforme se pode depreender de várias passagens da Revista Espírita, Allan Kardec acreditava que se podia ser perfeitamente espírita sem abdicar das crenças católicas, protestantes ou judias, e até mesmo aconselhou que ninguém abandonasse sua fé religiosa para abraçar o Espiritismo. Talvez, por isso, o Espírito Emmanuel tenha respondido (O Consolador, questão 353): “O Espiritismo não pode guardar a pretensão de exterminar as outras crenças, parcelas da verdade que a sua doutrina representa, mas, sim, trabalhar por transformá-las, elevando-lhes as concepções antigas para o clarão da verdade imortalista.”