1. — Meus amigos, na época em que vivia entre vós acontecia-me muitas vezes fazer sérias reflexões sobre a sorte da mulher.
Meus numerosos e laboriosos estudos sempre deixaram um momento para esses assuntos amados. Toda noite, antes de dormir, eu orava por essas pobres irmãs tão infelizes e tão desprezadas, implorando a Deus por dias melhores e pedindo às ideias um meio qualquer de fazer progredirem as desclassificadas. Por vezes, em sonho, eu as via livres, amadas, estimadas, tendo uma existência legal e moral na sociedade, na família, cercadas de respeito e de cuidados; eu as via transfiguradas. E esse espetáculo era tão consolador que eu despertava chorando. Mas ah! a triste realidade então me aparecia em sua lúgubre verdade e por vezes eu perdia a esperança de que chegassem melhores dias.
Esses dias chegaram, meus amigos. Há poucos entre vós que, intuitivamente, não sintam o direito da mulher; muitos o negam de fato, embora o reconheçam mentalmente. Mas não é menos verdadeiro que há para ela esperança e alegria em meio a profundas misérias e desilusões espantosas.
Alguns dias atrás, prestando atenção a uma roda de senhoras distintas pela posição, pela beleza e pela fortuna, eu me dizia: Estas são todas perfume; foram amadas e aduladas. Como devem amar! como devem ser boas mães, esposas encantadoras, filhas respeitosas! sabem muito, amam e dão muito. Que erro estranho!… Todos esses rostos frescos mentiam, sob sorrisos estereotipados; tagarelavam, falavam de roupas, de corridas, de modas; falavam com graça encantadora, com malícia, mas não se ocupavam dos filhos, nem dos maridos, nem de questões literárias, nem dos nossos gênios, nem de seu país, nem da liberdade! Ah! belas cabeças, mas cérebros… nada! Aves encantadoras, esbeltas, elegantes; é da etiqueta; sua pretensão: agradar, tocar em tudo e nada conhecer. O vento leva sua tagarelice e não deixa traços; nem são filhas, nem esposas, nem mães. Ignoram seu país, seu passado, seus sofrimentos, sua grandeza. Confiou os filhos a uma mercenária! A felicidade íntima é uma ficção. São fascinantes borboletas, com belas asas… mas, depois…
Também atentei para um grupo de jovens operárias. Que sabiam elas, logo elas? Nada… como as outras… nada da vida, nada do dever, nada da realidade! Invejavam, eis tudo. Deram-lhes o direito de se compreenderem, de se estimarem, de se respeitarem? Fizeram-nas compreender Deus, sua grandeza, sua vontade? Não, mil vezes não!… A Igreja lhes ensina o luxo; trabalham para o luxo e é ainda o luxo que bate à sua mansarda, dizendo: Abri-me; eu sou a fita, a renda, a seda, os bons pratos, os vinhos delicados. Abri, e sereis bela; tereis todas as fantasias, todos os deslumbramentos!… É por isso que tantas, entre elas, são a vergonha de suas famílias!
Cérebros amáveis, que vos divertis com o Espiritismo, poderíeis dizer-me qual a panaceia que inventastes para purificar a família, para lhe dar vida? Eu o sei, em questões de moral sois indulgentes; muitas frases, gemidos pelos povos que caem, pela falta de educação das massas; mas, para levantar moralmente a mulher, que fizestes? Nada… Grandes senhores da literatura, quantas vezes espezinhastes as santas leis de respeito à mulher, que tanto enalteceis! Ah! desconheceis a Deus e desprezais profundamente a mulher, isto é, a família e o futuro da nação!
E é nela e por ela que se deverão elaborar os graves problemas sociais do porvir! O que sois incapazes de fazer, bem o sabeis, o Espiritismo fará e dará à mulher esta fé robusta que remove montanhas, fé que lhes ensina seu poder e seu valor, tudo quanto Deus promete por sua doçura, sua inteligência, sua vontade poderosa. Compreendendo as leis magníficas desenvolvidas por O Livro dos Espíritos, nenhuma entre elas quererá entregar o seu corpo e sua alma; filha de Deus, ela amará em seus filhos a visita do Espírito criador; quererá saber para ensinar aos seus; amará seu país e saberá a sua história, a fim de iniciar seus filhos nas grandes ideias progressivas. Serão mães e médicas, conselheiras e mentoras; numa palavra, serão mulheres segundo o Espiritismo, isto é, o futuro, o progresso e a grandeza da pátria em sua mais larga expressão.
Baluze. n
(Continuação. – 27 de outubro de 1865.)
2. — Na minha última comunicação, meus amigos, eu vos tinha mostrado as mulheres sob dois aspectos, acrescentando que a instrução numas e a ignorância noutras haviam produzido resultados negativos. Todavia, há sérias exceções que parecem desafiar a regra. Há moças que sabem estudar e tirar proveito do que ensinam os mestres. Estas nem são vãs nem levianas; sua constante distração não é uma bijuteria nem uma fita! Alimentadas por lições fortes e sérias, gostam do que engrandece o espírito, o que lhes dá a calma íntima, essa calma dos fortes e das naturezas generosas.
No casamento preveem a família; reclamam e fazem promessas pelo filho bem-amado, não para o abandonar e o atirar aos cuidados interesseiros, mas para lhe sacrificar suas vidas inteiras. O recém-nascido é o centro de tudo; para ele, o primeiro pensamento; para ele, as carícias e as preces ardentes, as noites insones, os dias muito curtos, nos quais se preparam os mil detalhes que serão o bem-estar do novo encarnado. A criança é o estudo, o amor sob mil formas. O esposo torna-se amável; esquece o rude labor da jornada ou as distrações mundanas para amparar os primeiros passos da criança e dar uma forma às suas primeiras sílabas. Respeito, pois, as exceções exemplares, que sabem a tentação e fugir dos prazeres para se devotarem e viver como mães divinamente inteligentes.
Humildes e pobres operárias; corações ulcerados, que amais a vossa única esperança: vosso filho! Haveria muito a dizer de vossa abnegação, do vosso profundo sentimento do dever, da vossa mansuetude em face dos aborrecimentos de cada dia!
Nada vos desanima para consolar o anjinho; para vós ele é a força e o trabalho, esse sublime egoísmo que vos faz sacrificar noite e dia.
Mas se a religião, ou antes, os diversos cultos unidos à instrução não puderam destruir no rico e no pobre essa tendência geral para mal viver e ignorar o objetivo da vida, é que nem os cultos nem a instrução souberam, até hoje, impressionar vivamente a infância. Falam-lhe constantemente de interesses inimigos. Os pais que lutam contra as necessidades da vida se explicam ante esses corações jovens com uma cínica crueza. Apenas têm a percepção das primeiras palavras, já sabem que se pode ser colérico, violento, e que o interesse pessoal é o pivô em torno do qual gira cada indivíduo. Essas primeiras impressões os exploram largamente… Doravante, religião e instrução serão palavras vãs, se não contribuírem para aumentar o bem-estar e a fortuna!
E quando levamos a todas as direções o pensamento espírita, pensamento que desperta todas as paixões generosas, pensamento que dá uma certeza como um problema matemático, riem-nos na cara! Pretensos liberais montam-se em pernas de pau para nos achar ridículos e ignorantes. Não sabemos escrever… não temos estilo!… somos modelos de inépcia, loucos… bons para meter num hospício. E os apóstolos do livre-pensamento com muito gosto empurrariam a autoridade, com o auxílio do Código Penal, a perseguir esses iluminados, que rebaixam o bom-senso público!
Felizmente a opinião das massas não pertence a um jornal, nem a um escritor; ninguém tem mais direito a ter mais espírito e bom-senso do que os outros, e nestes tempos em que simples folhetinistas pretendem rachar de alto a baixo os teólogos, os filósofos, o gênio sob todas as formas, o bom-senso na sua mais alta expressão, acontece que cada um quer saber por si mesmo. Corre-se sempre aos homens e às coisas dos quais pior se fala; e, depois de ter lido e escutado, põe-se de lado todos os panfletos insolentes, todas as insinuações malévolas, para render homenagem à verdade, que impressiona todos os espíritos.
E é por isto que o Espiritismo se engrandece sob os vossos golpes. As famílias nos aceitam e nos bendizem. Um pai laborioso, caso tenha um filho verdadeiramente espírita, não o verá, como no passado, desertar de casa para se tornar um crítico intolerante. Não será ele que arruinará a família, venderá a consciência e renegará as leis sagradas do respeito devido à mulher, à criança. Sabe que Deus existe; conhece as leis fluídicas do Espírito e a existência da alma com todas as suas admiráveis consequências. É um homem sério, probo, fraternal, caridoso, e não um fantoche bem-educado, traidor da vida, de Deus, dos amigos, dos pais e de si mesmo.
As mães serão realmente mães; penetradas do espírito do Espiritismo serão a salvaguarda das filhas amadas. Ensinando-lhes o magnífico papel de que estão chamadas a desempenhar, dar-lhes-ão a consciência de seu valor. O destino do homem lhes pertence de direito e, para cumprir o dever, é preciso que se instruam, a fim de prepararem dignamente o filho que Deus envia. Saber não será mais o corolário dos desejos desenfreados e de vontades vergonhosas, mas, muito ao contrário, o complemento da dignidade e do respeito à sua pessoa. Contra tais mulheres, que poderão as tentações e as paixões desregradas? Como escudo, terão Deus e o direito e, além disso, essa aquisição superior, que nos vem das coisas superiores.
Ora, o que é a mulher, senão a família, e o que é a família, senão a nação? Tais mulheres, tal povo. Queremos, pois, criar o que destruístes pelos extremos. A Idade Média tinha apequenado a mulher pela superstição. Vós, senhores livres-pensadores, pelo cepticismo!… Nem um nem outro são bons! Primeiro moralizamos; depois alforriamos a mulher, para instruí-la. Vós quereis instruí-la sem a moralizar!
É por isto que a geração atual vos escapa, e logo as mães de família não serão mais uma exceção.
Baluze.
Allan Kardec.
Paris. – Typ. de COSSON ET Ce, rue du Four-Saint-Germain, † 43.
[1] [v.
Étienne
Baluze.]