Existe uma harmonia secreta e contínua entre o mundo visível e o mundo dos Espíritos. Esta harmonia, suas manifestações possíveis, eis, incontestavelmente, uma das grandes questões de nossa época. É a que nos propomos tratar nas colunas deste jornal.
Dirigimo-nos a todos, sem dúvida, porém mais particularmente àqueles cujas ocupações diárias impedem, nas grandes obras, o estudo seguido dos fatos tão comoventes que, assinalados de um a outro extremo do Universo, são proclamados e atestados pelos homens mais esclarecidos; demonstrar a possibilidade desses fatos pela revelação de leis naturais até agora desconhecidas; despojá-las do epíteto irônico de pretensos milagres, com que os quereriam diminuir aos olhos dos que não sabem mais sobre isto, iniciá-los no conhecimento da doutrina daí resultante, dela deduzindo as consequências tão consoladoras que traz consigo, eis o nosso objetivo.
Falam de milagres. Se há um, incompreensível aos nossos olhos, é o da frieza e da indiferença, reais ou simuladas, de homens inteligentes e probos, em presença das manifestações que surgem em todos os recantos do mundo e publicados diariamente em profusão.
Se a reprodução daquilo que tantos outros viram só resultasse na satisfação de uma curiosidade infantil, ou não tivesse por resultado senão o emprego de momentos que não pudessem ser mais bem empregados, oh! então compreenderíamos o desdém e as leviandades de linguagem.
Já não pode ser assim quando pensamos que se trata não apenas do mais importante objetivo de nossa existência, a solução, pela prova palpável da imortalidade de nossas almas, da questão há tanto tempo discutida de nossos destinos futuros, mas, também e sobretudo, que se trata do chamado, pela convicção dessas grandes verdades, dos que delas se afastam para o cumprimento de seus deveres para com Deus, para com os semelhantes e para consigo mesmos.
Vede um pouco: sois membro de um júri; testemunhas que não conheceis, que jamais vistes, vêm afirmar o fato mais inverossímil, assassinato de um pai pelo filho, ou de um filho pelo pai; acreditais e condenais o miserável autor de semelhante crime, e fazeis bem. Mas sondemos a questão com a mão na consciência. Se esse infeliz tivesse acreditado num Deus poderoso e justo e soubesse, desde muito tempo, que seu ato horrível acarretaria infalivelmente merecida punição numa outra existência, não teria recuado diante da realização de seu crime? Não, não pensastes nisto. Como nós, direis: Sim, a crença, mas a crença firme e sem restrição, a crença absoluta, nas penas e recompensas numa outra vida, onde cada um receberá conforme suas obras terrenas, eis o freio que deve ser mais difícil de quebrar; e ainda tendes razão.
Para a quase totalidade, infelizmente, essas crenças são desconhecidas do grande problema da moralização universal.
Parai um pouco! – grita-me o maior número – deixamos de estar de acordo; há muito tempo nossa inteligência e os nossos estudos nos deram a conhecer a solução que indicais. Para nós, vossas pretensas novas provas são inúteis: somos e temos sido sempre crentes.
Tal a linguagem em que se apoia o comum dos mortais.
Dizeis que sempre acreditastes; pelo menos é o que assegurais. Tanto melhor para vós, senhores; se for preciso confessar, não o duvidamos; recebei nossas sinceras felicitações; seríamos verdadeiramente felizes se pudéssemos afirmar outro tanto. Francamente, concordamos que, a despeito do favor de todas as boas condições que contribuíram para engrandecer a nossa mente, restava-nos muito caminho a percorrer, para fazer tanto quanto vós. Quantos de nossos irmãos, com mais forte razão ficaram na retaguarda, privados que estavam, por suas posições sociais, das vantagens do estudo e, por vezes, dos bons exemplos?
Sim, a fé esta morta: todos os doutores da lei o confessam e gemem por isto. Apesar de seus esforços, jamais a incredulidade foi mais profunda, mais geral. Segui um pouco esta longa fila de homens que, como dizem, acabam de conduzir um dos seus à sua última morada, e ouvireis noventa e cinco por cento a repetir: Mais um que chega ao fim de suas penas. Tristes palavras; triste e grandíssima prova, ao mesmo tempo, da insuficiência dos meios hoje empregados para a propagação da única e verdadeira felicidade que os homens podem desfrutar em nossa Terra, para a propagação da fé.
Deus seja louvado! um novo farol brilha para todos. Abaixo o privilégio! Espaço aos homens de boa vontade! Sem esforços da inteligência, sem estudos difíceis e custosos, o mais humilde, o menos instruído pode contemplar a luz divina, caso queira, como todos os seus irmãos. Só não a verão os que não quiserem ver.
Se é assim, repetimos, os homens mais honrados, mais instruídos, cujos nomes citaremos por falanges, dão o testemunho mais autêntico. Se é assim, dizemos nós, por que se empenhar em pôr a luz debaixo do alqueire? Por que, já que não sentimos a sua necessidade, rejeitar sem exame fenômenos cujo conhecimento e apreciação podem, se não sempre, pelo menos muitas vezes, deter a criatura nos despenhadeiros fatais, onde vicejam a dúvida e a incredulidade? Por que, em todos os casos e por tão pouco, pode reerguer pela esperança as coragens prestes a sucumbir ao peso do infortúnio?
Eis os benefícios que, pelo exemplo, tão facilmente podem ser espalhados à nossa volta, mas que a indiferença, tanto quanto a oposição, podem retardar o seu progresso e a sua difusão.
A. Chaigneau.
D.-M.-P.
(Continua.) n
Observação.
– Nossa previsão, [“As ideias novas não tardarão mais a encontrar campeões
confessos na alta ciência, na literatura e na imprensa;”] emitida
no artigo anterior, a propósito do sermão de Montauban, começa a
realizar-se. Eis um jornal não pertencente aos quadros do Espiritismo
e que hoje acolhe o que, certamente, não teria feito há um ano, não
o relato dos fatos, mas artigos de fundo, desenvolvendo os princípios
da doutrina. E de quem são esses artigos? de um desconhecido? de um
ignorante? Não; são de um médico que desfruta na região de uma reputação
de saber justamente merecida e de uma consideração devida à suas eminentes
qualidades. Mais um exemplo que terá imitadores.
Sabemos de mais de um jornal que não teria repugnância em falar favoravelmente do Espiritismo, que dele falaria mesmo de bom grado, não fosse o temor de desagradar a certos leitores e comprometer seus próprios interesses. Esse temor poderia ser legítimo há algum tempo, mas hoje já não o é. De alguns anos para cá a opinião mudou muito em relação ao Espiritismo; não é mais uma coisa desconhecida; dele se fala em toda parte e já não riem tanto; A ideia vulgarizou-se a tal ponto que, se algo há de espantoso é ver a imprensa indiferente a uma questão que preocupa as massas e que conta os seus partidários por milhões em todos os países do mundo e nas camadas mais esclarecidas da sociedade; é, sobretudo, ver homens inteligentes criticá-la sem dela saber a primeira palavra. É, então, uma questão fútil essa que suscita a cólera de todo um partido? esse partido se inquietaria se nela não visse senão um mito sem consequência? Dela riria; mas desde que se irrita, que troveja, que acende os seus autos-de-fé, na expectativa de matar a ideia, é que existe algo de sério. Ah! se todos os que se dizem representantes do progresso se dessem ao trabalho de aprofundar a questão, é provável que não a tratariam com tanto desdém.
Seja como for, não é nosso objetivo fazer aqui a sua apologia. Apenas queremos constatar um fato hoje comprovado, o de que a ideia espírita tem seu lugar reservado entre as doutrinas filosóficas; que constitui uma opinião, cujos representantes se multiplicam de tal modo que os adversários são os primeiros a proclamá-la. A consequência natural disto é que os jornais que forem francamente simpáticos a esta causa terão as simpatias de seus aderentes, e estes são bastante numerosos para compensar amplamente as poucas defecções que pudessem experimentar, se é que experimentariam.
Do ponto de vista da ideia espírita, o público se divide em três categorias: os partidários, os indiferentes e os antagonistas. Está provado que as duas primeiras constituem a imensa maioria; os partidários os procurarão por simpatia; os indiferentes ficarão satisfeitos por encontrar numa discussão imparcial os meios de se esclarecerem sobre aquilo que ignoram. Quanto aos antagonistas, a maior parte se contentará em não ler os artigos que lhes não convenham, mas, por este motivo, não renunciarão a um jornal que lhes agrade sob outros aspectos, por suas tendências políticas, sua redação, seus folhetins, ou a variedade de notícias diversas. Aliás, os adversários natos do Espiritismo têm seus jornais especiais. Em suma, é certo que, no estado atual da opinião, com isto mais ganhariam do que perderiam.
Dirão, sem dúvida, e com razão, que a convicção não se encomenda, e que um jornal, assim como um indivíduo, não pode abraçar ideias que não sejam as suas. Isto é muito justo, mas não impede a imparcialidade. Ora, até hoje, salvo pequeníssimas exceções, os jornais têm aberto suas colunas, tão amplamente quanto possível, à crítica, aos ataques, à difamação mesma, contra uma numerosa classe de cidadãos, lançando sem escrúpulo o ridículo e o desprezo sobre as pessoas, enquanto se mantêm fechados impiedosamente à defesa. Quantas vezes a lei não assegurou resposta a direitos que foram ignorados! Dever-se-ia, então, recorrer a medidas de exceção, intentar processos? Estes teriam sido aos milhares nos últimos dez anos. Perguntamos: Há imparcialidade, justiça, da parte das folhas que, incessantemente, proclamam a liberdade de pensamento, a igualdade de direitos e a fraternidade? Compreende-se a refutação de uma doutrina com a qual não se compartilha, a discussão raciocinada e de boa-fé de seus princípios; mas o que nem é justo, nem leal, é desnaturá-la e fazê-la dizer o contrário do que diz, com vistas a desacreditá-la. Ora, é o que fazem diariamente os adversários do Espiritismo. Admitir a defesa depois do ataque, a retificação das inexatidões, não seria esposar-lhe os princípios, mas apenas imparcialidade e lealdade. Um jornal poderia mesmo ir mais longe; sem renunciar às suas convicções e com toda reserva de suas opiniões pessoais, poderia admitir a discussão dos prós e dos contras e, assim, colocar seus leitores em condições de julgar uma questão que vale bem a pena, pela repercussão que ela alcança dia a dia.
Devemos, pois, elogios à imparcialidade do jornal que acolhe os artigos do Sr. Chaigneau. Devemo-los, também, ao autor que, como um dos primeiros, entra na arena da publicidade oficial, para aí sustentar a nossa causa, com a autoridade de um homem de ciência. O artigo referido acima é apenas a introdução de seu trabalho; o número de 12 de março contém a abertura da matéria: é uma exposição cientificamente racional do histórico do Espiritismo moderno. Lamentamos que sua extensão não nos permita reproduzi-lo.
[1] Nota de A. K.: Lamentamos que sua extensão não nos permita reproduzi-lo.