Morfeu já mergulhara em sono os meus sentidos;
Meu Espírito, então, nos sonhos mais garridos,
Emancipar-se quis pelo espaço a bom gosto,
Do seu corpo a fugir qual soldado do posto.
Como aspira o detento a gemer nas algemas,
Quis libertar-se pois das angústias extremas;
Uma doce lembrança, um capricho, um mistério
Levava-o a deixar da terra o amargo império?
Dizer não saberia, e ele mesmo, ao regresso,
Responde a essa questão nos termos em tropeço,
Mas logo compreendi dessa astúcia o motivo
E muito me zanguei, que a enganos sou esquivo,
“Ao menos me direis Espírito brioso
“Que vistes nesses céus de belo e grandioso?
“– Eu para te agradar, dizer-te algo é preciso
“Senão o carcereiro em seu humor sem riso
“Aplicaria ao preso o seu sermão brutal
“E o mísero cativo estaria bem mal…
“Sabe, pois… – Esperai. É bem a mesma história
“Que vós me ides contar? – Oh! sim, e de memória
“E sabe mais, no mundo espiritual, outrora
“Parentes eu deixei, bons amigos que, agora,
“Os queria rever: porque o exílio terrestre
“Não é feito, bem sei, para um prazer campestre!
“Aproveitando o sono enquanto preso ao leito
“Meu corpo lá deixei e, Espírito refeito,
“Eu transpus os degraus que separam os mundos,
“Fazendo esse trajeto em quase dois segundos.
“Convinha se apressar pois o menor atraso
“Podia pôr-te em risco. Ah, se qualquer desazo
“Levasse-me a olvidar-me em tão longo percurso.
“Ao retornar, vê bem, em erro grave incurso,
“Cadáver acharia em vez do corpo meu.
“Sempre busco evitar do remorso o apogeu.
“Sabia que ao ficar cometeria um crime,
“Só Deus pode quebrar tão íntimo regime.
“- Muito obrigado, pois, Espírito querido,
“Que eu teria sem vós certamente morrido
“Ante o menor atraso… Ah! fé em corpo honrado,
“Na cabeça o cabelo até sinto eriçado!” |