Minha lembrança acaba de ser evocada por meu retrato e meus versos.
Duas vezes tocada em minha vaidade feminina e em meu amor-próprio, venho
agradecer a vossa benevolência, esboçando em largos traços a silhueta
dos falsos devotos, que são para a religião o que é para a sociedade
a mulher pseudo-honesta. O assunto entra no âmbito de meus estudos literários,
do qual
Lady Tartufe - Google Books, exprimia uma nuança.
Os falsos devotos se consagram às aparências e traem a verdade; têm o coração seco e os olhos úmidos, a bolsa fechada e a mão aberta; falam de bom grado ao próximo, criticando-lhe as ações de maneira afetada, isto é, exagerando o mal e subestimando o mérito. Muito voltados à conquista dos bens materiais ou mundanos, agarram-se a tesouros imaginários, que a morte dispersa, e negligenciam os verdadeiros bens, que servem ao fim do homem e são a riqueza da eternidade. Os hipócritas da devoção são os répteis da natureza moral; vis, baixos, evitam as faltas castigadas pela vindita pública e na sombra cometem atos sinistros. Quantas famílias desunidas, espoliadas! quantas confianças traídas! quantas lágrimas e, mesmo, quanto sangue!…
A comédia é o inverso da tragédia. Atrás do celerado marcha o bufão, e os falsos devotos têm por acólitos seres ineptos, que só agem por imitação: à maneira dos espelhos, refletem a fisionomia de seus vizinhos. Tomam-se a sério, enganam-se a si próprios, a timidez os faz zombar daquilo em que não acreditam, exaltam o que duvidam, comungam com ostentação e acendem às escondidas pequenas velas, às quais atribuem muito mais virtude do que à santa hóstia.
Os falsos devotos são os verdadeiros ateus da virtude, da esperança, da Natureza e de Deus; negam o verdadeiro e afirmam o falso. A morte, todavia, os levará lambuzados de cosméticos e cobertos de ouropéis, que os disfarçam, e os lançará ofegantes em plena luz.
Delphine de Girardin. n
[1]
[v. Delphine
de Girardin.]