1. — O Sr. Costeau, um de nossos irmãos em Espiritismo e membro da Sociedade de Paris, † acaba de morrer. Foi enterrado em 12 de setembro de 1863 no cemitério de Montmartre. † Era um homem de coração que o Espiritismo havia conduzido a Deus; sua fé no futuro era completa, sincera e profunda; era um simples calceteiro, que praticava a caridade por pensamento, palavras e obras, conforme seus minguados recursos, pois sempre achava meios de assistir os que tinham menos que ele.
Seria erro imaginar a Sociedade de Paris como uma reunião exclusivamente aristocrática, já que conta alguns proletários em seu seio; ela acolhe todos os devotamentos à causa que sustenta, venham das altas ou das baixas camadas sociais; o grão-senhor e o artífice aí se dão as mãos fraternalmente. Há algum tempo, no casamento de um dos nossos colegas, também modesto trabalhador, estiveram presentes um alto dignitário estrangeiro e a princesa sua esposa, ambos membros da Sociedade, que não se haviam julgado diminuídos, vindo sentar-se lado a lado com os demais assistentes, embora o luxo da cerimônia, celebrada em obscura capela de opulenta paróquia, tivesse sido reduzida à sua expressão mais simples. É que o Espiritismo, sem sonhar com uma igualdade quimérica, sem confundir as classes, sem pretender fazer passar todos os homens para um mesmo nível social impossível, os faz apreciar do ponto de vista diverso do prisma fascinante do mundo. Ensina ele que o pequeno pode ter sido grande na Terra, que o grande pode tornar-se pequeno e que no reino celeste as posições terrenas não são levadas em conta. É assim que, destruindo logicamente os preconceitos sociais de casta e de cor, conduz à verdadeira fraternidade.
2. — Nosso irmão Costeau era pobre; deixa uma viúva na pobreza e foi enterrado na vala comum, porta tão eficaz para conduzir ao céu quanto um suntuoso mausoléu. O Sr. d’Ambel vice-presidente, e o Sr. Canu, secretário da Sociedade, presidiram ao cortejo fúnebre; ambos pronunciaram sobre a tumba palavras que causaram viva impressão na assistência e nos próprios coveiros, visivelmente comovidos, não obstante indiferentes a tais cerimônias. Eis a alocução do Sr. Canu:
“Caro irmão Costeau, há apenas alguns anos, muitos dentre nós — e confesso que eu era o primeiro — não teríamos visto ante este túmulo aberto senão o fim das misérias humanas e, depois, o nada, o terrível nada, isto é, nada de alma para merecer ou expiar e, consequentemente, nada de Deus para recompensar, castigar ou perdoar. Hoje, graças à nossa divina doutrina, aqui vemos o fim das provas, e para vós, caro irmão, cujos despojos mortais restituímos à Terra, o triunfo de vossos labores e o começo da merecida recompensa pela vossa coragem, pela vossa resignação, pela vossa caridade; numa palavra, pelas vossas virtudes e, acima de tudo, vemos a glorificação de um Deus sábio, todo-poderoso, justo e bom. Levai, pois, caro irmão, nossas ações de graças aos pés do Eterno, que se dignou dissipar à nossa volta as trevas do erro e da incredulidade, porque, ainda pouco tempo atrás, nesta circunstância, nós vos teríamos dito, com a fronte abatida e o coração desalentado: “Adeus, amigo, para sempre.” Hoje vos dizemos, com a fronte erguida e radiante de esperança, o coração cheio de coragem e amor: “Caro irmão, até mais ver; orai por nós.”
Alocução do Sr. d’Ambel:
“Senhoras, senhores e vós, caros colegas da Sociedade de Paris, é a segunda vez que conduzimos um de nossos companheiros à sua última morada. Aquele a quem vimos dizer adeus foi um desses obscuros lutadores que as dificuldades da vida sempre encontraram inquebrantável; apesar disso, a certeza absoluta por muito tempo lhe havia faltado. Assim, desde que o Espiritismo se lhe tornou conhecido, apressou-se em abraçar uma doutrina que lhe trazia a verdade, e cujos ensinamentos são tão próprios a consolar em suas provas os aflitos deste mundo. Modesto trabalhador, sempre cumpriu sua tarefa com a serenidade do justo; e a adversidade que o feriu tão cruelmente, sem que o soubéssemos, nos últimos dias de sua vida, abriu-lhe — ficai certos, todos que me ouvis — abriu-lhe uma carreira imediata de prosperidade e ventura.
“Ah! quanto lamento que nosso venerado mestre não esteja em Paris! Sua voz autorizada teria sido bem mais agradável que a minha ao irmão que perdemos e lhe teria prestado uma homenagem mais considerável que a que lhe pode prestar a minha obscuridade. Eu teria desejado dar aos funerais de nosso colega uma solenidade maior, mas fui prevenido muito tarde para comunicar a todos os membros da Sociedade, presentes em Paris. Mas, por poucos que sejamos aqui, representamos a grande família espírita, que uma fé comum no futuro une de um extremo a outro do mundo; somos os delegados de vários milhões de adeptos, em cujo número vimos pedir, caro e lamentado colega, que contribuais, doravante, nos limites de vossas novas faculdades, para a propaganda de nossa magna doutrina que, em meio de vossas últimas e cruéis provas, vos sustentou tão energicamente. Ah! como disse tão eloquentemente nosso caro presidente Allan Kardec nos funerais de nosso irmão Sanson, é que a fé espírita dá, nesses momentos supremos, uma força de que só se pode dar conta aquele que a possui, e esta fé o Sr. Costeau a possuía no mais alto grau.
“Caro Sr. Costeau, sabeis do vivo interesse que a Sociedade Espírita de Paris tinha por vós; ela lamentará sempre em vós um de seus membros mais assíduos, e é em seu nome, em nome de seu presidente, e em nome de vossa esposa e de vossa irmã inconsoláveis, que vos venho dizer, como nosso amigo Sr. Canu, não um adeus, mas um até logo, num mundo mais feliz. Que possais fruir, nesse onde agora vos achais, da felicidade que mereceis e vir nos estender a mão, quando chegar a nossa vez de nele entrar.
“Caros Espíritos do Srs. Jobard e Sanson, peço que acolhais o nosso colega Costeau e lhe faciliteis o acesso às vossas serenas regiões. Caros Espíritos, orai por ele, orai por nós. Assim seja.”
3. — Após esta alocução, o Sr. d’Ambel pronunciou textualmente a prece
pelos que acabam de morrer e que foi dita sobre o túmulo do Sr. Sanson.
(Revista
Espírita, maio de 1862.)
O Sr. Vézy, um dos médiuns da Sociedade, cujo nome é conhecido dos nossos leitores pelas belas comunicações de Santo Agostinho, desceu à fossa e o Sr. d’Ambel fez em voz alta a evocação do Sr. Costeau, que deu pelo Sr. Vézy a comunicação seguinte, cujos assistentes, inclusive os coveiros, ouviram a leitura com a cabeça descoberta e com profunda emoção. Realmente, era um espetáculo novo e comovente ouvir as palavras de um morto, colhidas no interior da própria tumba.
“Obrigado, meus amigos, obrigado. Minha sepultura ainda não está fechada e, no entanto, mais um segundo e a terra vai cobrir meus despojos. Mas, vós o sabeis, sob esta poeira minha alma não será enterrada: vai planar no espaço, para subir a Deus!
“Assim, como é consolador poder dizer ainda malgrado o invólucro partido: “Oh! não, não estou morto! vivo a verdadeira vida, a vida eterna!”
“O enterro do pobre não é seguido por um grande número. Orgulhosas manifestações não ocorrem sobre o seu túmulo; e, contudo, amigos, crede-me, a multidão imensa não falta aqui e bons Espíritos seguiram convosco e com essas mulheres piedosas o corpo daquele que aqui está, deitado! Pelo menos todos acreditais e amais o bom Deus!
“Oh! certo que não! nós não morremos porque o nosso corpo se aniquila, esposa bem-amada! Doravante estarei sempre ao teu lado, para te consolar e te ajudar a suportar a prova. A vida será rude para ti, mas, com a ideia da eternidade e do amor de Deus plenificando o teu coração, como te serão leves os sofrimentos!
“Parentes que amparais minha bem-amada companheira, amai-a, respeitai-a; sede para ela irmãos e irmãs. Não vos esqueçais de que na Terra todos vos deveis assistência, se quiserdes entrar na morada do Senhor.
“E vós, espíritas! irmãos amigos, obrigado por terdes vindo dizer-me adeus até esta morada de pó e de lama; mas sabeis, sabeis perfeitamente que minha alma vive para a imortalidade e que irá algumas vezes vos pedir preces, que não me serão recusadas, para me ajudar a marchar nesta via magnífica que me abristes durante a vida.
“Adeus a todos que aqui estai.s; poderemos nos rever noutro lugar que não este túmulo. As almas me chamam ao seu encontro. Adeus! Orai pelos que sofrem. Até mais ver.”
Costeau.
4. — Depois de terminadas as últimas formalidades fúnebres, esses senhores foram fazer uma visita, no mesmo cemitério, ao túmulo de Georges, esse eminente Espírito que deu, por intermédio da Sra. Costel, as belas comunicações que os leitores muitas vezes têm admirado. Quando vivo o Sr. Georges era cunhado do Sr. d’Ambel. Lá, por intermédio do Sr. Vézy, recolheram as seguintes palavras:
“Embora não vivamos aqui (no local da inumação), gostamos de vir aqui, agradecer as preces que vindes fazer por nós e as flores que espalhais sobre os nossos túmulos.
“Como fizeram bem criando esse lugar de repouso e de prece! as almas podem conversar mais à vontade e melhor extravasam, nesses arroubos íntimos, os sentimentos que as animam: uma junto a um túmulo, a outra planando acima!
“Acabais de dizer adeus a um dos vossos amigos; agradeço por me não terdes esquecido. Eu estava convosco naquela multidão de Espíritos que se comprimiam junto ao túmulo que acabava de abrir-se e me sentia feliz ao ler em vossos corações a convicção e a fé. Misturei às vossas as minhas preces, e os Espíritos bem-aventurados as fizeram subir até Deus!
“A fé espírita, meus bons amigos, dará a volta ao mundo e acabará tornando sábios os loucos; penetrará até o coração dos padres, que vistes há pouco sorrindo e vos causaram realmente uma dor… (alusão à maneira pela qual se realizou a cerimônia religiosa). O escândalo que fizeram sangrou os vossos corações, mas superastes a indignação pensando no bem que íeis espalhar na alma do vosso amigo. Ela está aqui, perto de mim e pede que vos agradeça em seu nome.
“Já vos disseram: o túmulo é a vida. Vinde algumas vezes à sombra do salgueiro, ao pé da cruz mortuária; em meio do silêncio, da calma, ouvireis uma harmonia divina; em meio às brisas escutareis os concertos de nossas almas, cantando Deus… a eternidade… depois alguns de nós se destacarão dos coros sagrados para vir instruir-vos sobre os vossos destinos. Aquilo que, até hoje, constituiu-se num mistério para vós, se desvendará pouco a pouco aos vossos olhos e podereis compreender o vosso começo e as vossas grandezas futuras.
“Marcai, pois, encontros aqui, vós que aspirais à sabedoria; aqui lereis as páginas da eternidade e o livro da vida estará sempre aberto para vós. Neste lugar calmo e de paz a voz do Espírito parece fazer-se ouvir melhor ao que quer instruir-se; toma proporções mágicas e sonoras e seus acentos penetram mais aquele sobre o qual ela quer agir.
“Trabalhai com zelo e fervor para a propaganda da ideia nova; eu vos ajudarei sem cessar; e se a tranquilidade da tumba amedrontar alguns, que saibam que os bons Espíritos se sentem felizes instruindo por toda parte.
“Adeus e obrigado! Como gostaria de poder comunicar ao mundo inteiro a fé de que estais repletos! mas, em verdade vos digo, o Espiritismo é a alavanca com a qual Arquimedes levantará o mundo!
“Algumas palavras a vós, meu irmão, particularmente, já que se apresenta a ocasião. Dizei à minha irmã que ame sempre os deveres impostos por Deus, por mais pesados que sejam; dizei-lhe que ame a nossa mãe e me substitua junto a ela; dizei-lhe que vele por minha filha, sorria para o céu e encontre perfumes em todas as flores da Terra… A vós, meu irmão, aperto as duas mãos.”
Georges.
5. — De tudo isto resulta um duplo ensinamento. Poderia causar admiração que um Espírito tão vizinho da época da morte tenha podido exprimir-se com tanta lucidez; mas devemos lembrar que o Sr. Sanson foi evocado na câmara mortuária, antes de ser levado o corpo, e que deu, na ocasião, a bela comunicação que apareceu na Revista. Sua perturbação não durara senão algumas horas e, aliás, sabemos que o desprendimento é rápido nos Espíritos moralmente adiantados.
Por outro lado, por que o Sr. Vézy desceu à cova? Havia utilidade ou se tratava de simples encenação? Afastemos logo o segundo motivo, pois os espíritas sérios agem seriamente e religiosamente e não se prestam a exibições; em tal momento teria sido uma profanação. Certamente a utilidade não era absoluta; aí é preciso ver um testemunho mais especial de simpatia, talvez em razão de o morto estar na vala comum. Aliás, sabe-se que o acesso a essas valas é mais fácil que o acesso às covas particulares, cuja entrada é estreita e o Sr. Vézy ali se achava mais comodamente para escrever.
Isto, entretanto, poderia ter sua razão de ser de um outro ponto de vista que, provavelmente, não veio à mente do Sr. Vézy Sabe-se que a evocação facilita o desprendimento do Espírito e pode abreviar a duração da perturbação. Sabe-se, igualmente, que os laços que unem o Espírito ao corpo nem sempre são completamente partidos após a morte. Eis um notável exemplo:
6. — Um rapaz tinha morrido acidentalmente de maneira muito infeliz. Sua vida tinha sido a de muitos jovens ricos, desocupados, isto é, muito material. Comunicou-se espontaneamente por um médium de nosso conhecimento, que o tinha conhecido em vida, pedindo que o fossem evocar e orassem em sua tumba, para ajudar a romper os laços que o retinham ao corpo, do qual não conseguia desembaraçar-se. Evidentemente deve haver no caso uma ação magnética facilitada pela proximidade do corpo e aí talvez esteja uma causa que leva os amigos dos defuntos, instintivamente, a ir orar no local onde repousam seus corpos.