Num sermão pregado ultimamente contra o Espiritismo, já que foi dada a palavra de ordem de o perseguir em todos os flancos, bem como os seus partidários, o orador, querendo dar-lhe uma bordoada, contou a seguinte anedota:
“Há três semanas uma senhora perdeu o marido. Apresentou-se um médium para lhe propor uma conversa com o defunto e, quem sabe? até mesmo vê-lo. A visão não se deu, mas o extinto explicou à mulher, pela mão do médium, que não foi julgado digno de entrar na mansão dos bem-aventurados e que se viu obrigado a reencarnar imediatamente, para expiar graves pecados. Adivinhais onde? A um quilômetro daqui, em casa de um moendeiro, na figura de um asno espancado. Julgai da dor da pobre senhora, que corre ao moendeiro, abraça o humilde animal e propõe sua compra. O moendeiro foi duro na negociação, mas cedeu, finalmente, à vista de um bom saco de dinheiro; e, desde quinze dias, mestre Aliboron ocupa um aposento particular na casa daquela senhora, cercado de cuidados jamais desfrutados, desde que a Deus aprouve criar esta raça estimável.”
Duvidamos que o auditório se tenha deixado convencer pela história;
mas o que colhemos de testemunhas auriculares é que a maioria dos ouvintes
achou que ela ficaria melhor num folhetim burlesco do que no púlpito,
tanto pelo fundo quanto pela escolha das expressões. Certamente o orador
ignorava que o Espiritismo ensina, sem equívoco, que a alma ou Espírito
não pode animar o corpo de um animal. (O
Livro dos Espíritos, nº 118, 612
e 613.)
O que ainda mais nos espanta é o ridículo lançado sobre a dor em geral, com a ajuda de um conto divertido e em termos que não primam pela dignidade. Além disso, é ver um sacerdote tratar assim com tanta insolência a obra de Deus, por estas palavras pouco reverentes: “Desde que a Deus aprouve criar esta raça estimável.” O assunto foi tão mal escolhido para fazer graça que se poderia objetar que tudo é respeitável nas obras de Deus e que Jesus não se sentiu desonrado por entrar em Jerusalém montado num exemplar daquela raça.
Que se faça um paralelo do quadro burlesco da dor daquela suposta viúva com o da viúva verdadeira cujo relato demos acima e se diga qual dos dois é mais edificante, mais marcado de verdadeiro sentimento religioso e de respeito à Divindade; enfim, qual deles estaria mais bem colocado no púlpito da verdade.
Admitamos o fato que contastes, senhor pregador, não a reencarnação
num jumento, mas a credulidade da viúva nessa encarnação; como castigo,
que lhe teríeis oferecido no lugar? As labaredas eternas do inferno,
perspectiva ainda menos consoladora, porque essa viúva sem dúvida teria
respondido: “Prefiro saber meu marido no corpo de um asno a vê-lo queimado
por toda a eternidade.” Suponde, agora, que ela tivesse de escolher
entre o vosso quadro de torturas sem-fim e o que nos dá mais acima o
Espírito Viennois. [Artigo
anterior.] Credes que ela teria hesitado? Conscienciosamente não
o pensais, porque, por conta própria, não vacilaríeis.