Quando da morte a mão, golpes multiplicando,
Outrora, a nossa volta, o luto semeando,
Só assim nos consolava a nos ferir o ouvido:
“Se no túmulo dorme um ser muito querido
“É que a alma da prisão do corpo libertou-se,
“Do invólucro pesado a um outro etéreo e doce;
“Retornando afinal à origem primitiva,
“De Deus desfruta, então, a força e luz bem viva;
“Nele reencontrareis, um dia, e com fervor
“Ao invés do amor terrestre um imortal amor!”
Agora, não é mais tão longínqua esperança
Que em nossos males um clarão incerto lança;
Futuro já não é aos mortos esquecer:
Perto de nós estão, sem vê-los, a nos ver,
Sentindo-nos a fé e nossos sofrimentos;
Mensageiros trazendo a nós santos alentos,
A responderem do Alto ao que aqui cogitamos;
Apertam suas mãos as nossas se aspiramos
Beijos de sua boca; enquanto de outra esfera
Alentam nosso amor ao mistério da espera.
Ao evocá-los nós, quais ocultos enxames,
Claridade e calor nos sopram em derrames;
Eles vêm! E pra nós tudo muda e se colora;
De ignotos mundos nós pressentimos a aurora;
Nos ilumina a mente um fulgor sideral,
E adoramos, então, num silêncio total
Todo o poder de Deus por eles revelado.
Responde! Ó eternal Saber se nos é dado
Ofensas Te fazer! ao romper, santamente,
O véu que limitava o olhar da humana gente?
Seguidores fiéis, vamos de alma tenaz
Do Evangelho rasgar os textos divinais?
De homens convictos, não! Corações de valor,
Fazemos depois dele o que fez o Senhor:
Nós cremos: – Operar milagres nós podemos,
Cenáculos de luz dos lares nós faremos,
O Espírito a invocar cujas línguas de fogo
A serviço de Deus os simples ponham, logo.
Lá dos confins do céu soprai, ventos celestes!
Para longe de nós tangei trevas agrestes;
Espalhai vossa luz, ó candelabros de ouro,
E que da arca sagrada aclarai o tesouro!
Ó raios do Sinai! Sarça do Horeb ardente!
Espíritos do bem, tende o poder na mente,
Espírito, qual sopro a que sentiu passar
Por sua pele Job, seus pelos a eriçar;
Ó vós que, destruindo as almas exaltadas,
Martirizando enfim turbas amotinadas,
Na Idade Medieval, um atormentador
Gerou o sanguinário algoz inquisidor;
Vinde! Que há sede em nós de ensinos mais ordeiros;
Da infância há tempo já rejeitamos os cueiros;
Pois já nos fazem falta os nomes e as verdades
Que nos velhos sermões não tinham claridades.
De inertes multidões marchamos, hoje, à frente,
Se a Verdade a fulgir em luz incandescente
Nos devora e de nós quer mártires fazer,
Morreremos sorrindo e sem a desdizer.
Precedemos o tempo; a expressar como os Magos
Homenagens a Deus com orações de afagos.
E bem sabemos que de nós assim dirão:
“Esses poetas, enfim, sonhando loucos são!”
Seja! que assim também com deslustrante imagem
Diziam de Jesus, na hora que a criadagem
Bordoadas na face e vestes lhe desanca,
Lançando-lhe, sublime emblema, a toga branca.
Disse Paulo: “É loucura, então, sabedoria!”
Coragem sem cessar, busquemos na harmonia;
Indaguemos do morto os possantes segredos;
Afastemos de nós certos sentidos tredos;
Este mundo em que Deus suas regras nos prova,
Como às águias nos muda e sempre nos renova!
Firmes por seu Direito, e fortes no poder,
Abriremos ao mundo as fontes do saber.
Virá o dia, – e creio, está bem perto a aurora,
- Que a humana multidão, cansada, não mais chora,
Por saber aplacar dos corações a sede
Com a onda que sacia e o pranto em fogo impede,
Virá nos repetir num imenso lamento:
“Dai-nos da luz a fé e da esperança o alento;
“Dai-nos com vossa mão toda a unção da virtude
“Que nos eleva a fronte à terra em lassitude.
“Nossos olhos sem luz face à poeira imunda,
“Fazei-os enxergar claridade fecunda.
“Pronunciai o Epheta misterioso do Cristo!
“Transfigurai a carne ao Ser preso em registo!
“Vivos, nos colocai, portanto, dentre a coorte
“Dos que se vêm mostrar após a ação da morte!
“Os sepulcros, ah, não! já túmulos não são,
“Porém corações maus, e caiados, então.
“Os mortos instruirão a nós como viver
“A fim de obter de Deus possamos reviver!”
E nós, que no Senhor sentimo-nos aceitos
Para habitar na Terra em locais mais perfeitos,
Abraçamos o irmão sem qualquer formalismo,
Em nome do Evangelho! À luz do Espiritismo!
Raoul de Navery. n |