A pintura é uma arte que tem por objetivo retraçar as cenas terrestres mais belas e mais elevadas e, algumas vezes, simplesmente imitar a Natureza pela magia da verdade. É uma arte que, por assim dizer, não tem limites, sobretudo em vossa época. A arte de vossos dias não deve ser apenas a personalidade; deve ser, se assim me posso exprimir, a consequência de tudo o que foi na história, e as exigências da cor local, longe de entravar a personalidade e a originalidade do artista, ampliam-lhe a vista, formam e depuram seu gosto e o fazem criar obras interessantes para a arte e para os que nela querem ver uma civilização caída e ideias esquecidas. A chamada pintura histórica de vossas escolas não está em consonância com as exigências do século; e — ouso dizê-lo — há mais futuro para um artista em suas pesquisas individuais sobre a arte e sobre a história do que nessa via onde dizem que comecei a pôr o pé. Só uma coisa poderá salvar a arte de vossa época: um novo impulso e uma nova escola que, aliando os dois princípios que dizem tão contrários – o realismo e o idealismo — induza os jovens a compreender que se os mestres assim são chamados, é porque viviam com a Natureza e sua imaginação poderosa inventava onde era preciso inventar, mas obedecia onde era preciso obedecer.
Para as pessoas ignorantes da ciência da arte, muitas vezes as disposições substituem o saber e a observação. Assim, em vossa época veem-se em toda parte homens de uma imaginação deveras interessante, é certo, mesmo artistas, mas não pintores.
Estes não serão contados na História senão como desenhistas muito engenhosos. A rapidez no trabalho, a apreciação crítica do pensamento se adquire paulatinamente pelo estudo e pela prática e, a despeito de se possuir essa imensa faculdade de pintar depressa, ainda é necessário lutar, sempre lutar. Em vosso século materialista a arte — não o digo sob todos os pontos de vista, felizmente materializa-se ao lado dos esforços verdadeiramente surpreendentes dos homens célebres da pintura moderna. Por que essa tendência? É o que indicarei na próxima comunicação.
Como disse em minha última comunicação, para bem compreender a pintura seria necessário ir, sucessivamente, da prática à ideia, da ideia à prática. Quase toda a minha vida passou-se em Roma. † Quando eu contemplava as obras dos mestres, esforçava-me por captar em meu espírito a ligação íntima, as relações e a harmonia do mais elevado idealismo e do mais verdadeiro realismo. Raramente vi uma obra-prima que não reunisse esses dois grandes princípios. Nelas via o ideal e o sentimento da expressão, ao lado de uma verdade tão brutal que dizia a mim mesmo: é bem a obra do espírito humano; é bem a obra, concebida e depois realizada; é bem a alma e o corpo: é a vida integral. Via que os mestres de ideias e compreensão débeis, o eram em suas formas, em suas cores, em seus efeitos. A expressão de suas cabeças era incerta e a de seus movimentos, banal e sem grandeza. É necessária uma longa iniciação na Natureza para bem compreender os seus segredos, os seus caprichos e as suas sublimidades. Não é o pintor quem o quer; além do trabalho de observação, que é imenso, é preciso lutar no cérebro e na prática contínua da arte; num dado momento é necessário trazer à obra que se quer produzir os instintos e o sentimento das coisas adquiridas e das coisas pensadas; numa palavra, sempre esses dois grandes princípios: alma e corpo.
Nicolas Poussin. n
[1]
[v. Nicolas
Poussin.]