1. — Senhor,
Na Revista Espírita do mês de abril de 1862 vejo uma comunicação assinada por Girard de Codemberg, na qual observei a seguinte passagem: “Não vos inquieteis com os irmãos que se afastam de vossas crenças. Ao contrário, agi de maneira que não mais se misturem ao rebanho dos verdadeiros crentes, porquanto são ovelhas sarnentas e deveis evitar o contágio.”
A respeito das ovelhas sarnentas achei tal maneira de ver pouco cristã, ainda menos espírita e completamente fora dessa caridade para com todos, que pregam os Espíritos. Não se preocupar com os irmãos que se afastam e guardar-se contra o seu contágio não é o meio de os reconquistar. Parece-me que, até o presente, nossos bons guias espirituais têm mostrado mais mansuetude. Esse Gérard de Codemberg será um bom Espírito? Se é ele, eu o duvido. Perdoai-me essa espécie de controle que acabo de fazer, pois tem um objetivo sério. Uma de minhas amigas, espírita noviça, acaba de ler aquele número; detendo-se naquelas linhas, não encontrou a caridade que até agora observou nas comunicações. A respeito consultei o meu guia e eis o que ele respondeu: “Não, minha filha, um Espírito elevado não se serve de semelhantes expressões; deixai aos Espíritos encarnados a aspereza da linguagem e reconhecei sempre o valor das comunicações pelo valor das palavras e, sobretudo, pelo valor dos pensamentos.”
(Segue-se a comunicação de um Espírito que se supõe ter tomado o lugar de Gérard de Codemberg.)
Onde está a verdade? Somente vós podeis sabê-lo.
Recebei, etc.
E. Collignon.
2. — Resposta – Em Gérard de Codemberg nada prova que seja um Espírito muito adiantado; a obra que publicou, sob o império de evidente obsessão, com a qual ele mesmo concorda, o demonstra sobejamente. Por pouco evoluído que fosse, um Espírito não poderia enganar-se a tal ponto quanto ao valor das revelações que obteve em vida, como médium, nem aceitar como sublimes coisas evidentemente absurdas. Devemos, por isso, concluir que seja um mau Espírito? Certamente não; sua conduta durante a vida e sua linguagem depois da morte são a prova; está na categoria numerosa dos Espíritos inteligentes, bons, mas não suficientemente superiores para dominarem os Espíritos obsessores, que dele abusaram, pois não os soube reconhecer.
3. — Isto no que respeita ao Espírito. A questão não é saber se é mais ou menos adiantado, mas se o conselho que dá é bom ou mau. Ora, insisto que não há reunião espírita séria sem homogeneidade. Onde quer que haja divergência de opinião, há a tendência para fazer prevalecer a sua, o desejo de impor suas ideias ou sua vontade; daí as discussões, as dissensões, depois a dissolução; isto é inevitável e acontece em todas as sociedades, seja qual for o seu objetivo, onde cada um quer marchar por vias diferentes. O que é necessário nas outras religiões ainda mais o é nas reuniões espíritas sérias, na qual a primeira condição é a calma e o recolhimento, impossíveis com discussões que fazem perder tempo em coisas inúteis; é então que os bons Espíritos se vão, deixando o campo livre aos Espíritos perturbadores. Eis por que os pequenos comitês são preferíveis; a homogeneidade de princípios, de gostos, de caráter e de hábitos, condição essencial da boa harmonia, aí é bem mais fácil de obter que nas grandes assembleias.
4. — O que Gérard de Codemberg chama ovelhas sarnentas não são as pessoas que, de boa-fé, procuram esclarecer-se quanto às dificuldades da ciência ou sobre aquilo que não compreendem, por uma discussão pacífica, moderada e conveniente, mas as que vêm com ideia preconcebida de oposição sistemática, que levantam discussões inoportunas a torto e a direito, capazes de perturbarem os trabalhos. Quando o Espírito diz que é preciso afastá-las, tem razão, porque a existência da reunião está ligada a isto; ainda tem razão ao dizer que não se devem inquietar, porque a sua opinião pessoal, se falsa, não impedirá que a verdade prevaleça; o sentido dessa palavra é que não deve causar inquietação a sua oposição. Em segundo lugar, se aquele que tem uma diferente maneira de ver a considera melhor que a dos outros; se o satisfaz, se nela se obstina, por que o contrariar? O Espiritismo não se impõe; deve ser aceito livremente e de boa vontade; não deseja nenhuma conversão pelo constrangimento. A experiência, aliás, aí está para provar que não é insistindo que lhe farão mudar de opinião. Com aquele que de boa-fé procura a luz, é preciso ser todo devotamento e nada se deve poupar: é zelo bem empregado e frutuoso; com aquele que não a quer ou que pensa tê-la, é perder tempo e semear sobre pedras. A expressão não se devem inquietar ainda pode ser entendida no sentido de que não se deve atormentá-lo nem violentar as suas convicções; agir assim, não é faltar à caridade. Esperam trazê-lo a ideias mais sãs? Que o façam em particular, pela persuasão, admite-se; mas se deve ser uma causa de perturbação para a reunião, conservá-lo não seria dar-lhe provas de caridade, pois isto de nada lhe adiantaria, enquanto seria uma falta para com os demais.
5. — O Espírito de Gérard de Codemberg diz claramente, e talvez um pouco cruamente a sua opinião, sem preocupações oratórias, sem dúvida contando com o bom-senso daqueles a quem se dirige para suavizá-la na explicação, observando o que prescrevem ao mesmo tempo a urbanidade e as conveniências; mas, salvo a forma da linguagem, o fundo do pensamento é idêntico ao que se acha na comunicação referida a seguir, sob o título O Espiritismo Filosófico, recebida pela mesma pessoa que levantou a questão. Aí se lê o seguinte: “Examinai bem em vosso redor se não há falsos irmãos, curiosos, incrédulos. Se os encontrardes, rogai-lhes com doçura, com caridade, que se retirem. Se resistirem, contentai-vos em orar com fervor para que o Senhor os esclareça e, de outra vez, não os admitais em vossos trabalhos. Não recebais em vosso meio senão os homens simples, que querem buscar a verdade e o progresso.” Isto é, em outros termos, desembaraçar-vos polidamente dos que vos entravam.
6. — Nas reuniões livres, onde se é livre para receber quem se quer, isto é mais fácil que nas sociedades constituídas, onde os sócios estão ligados e têm voto na matéria. Assim, nunca seriam tomadas bastantes precauções se não se quiser ser contrariado. O sistema de associados livres, adotado pela Sociedade de Paris, † é o mais adequado para prevenir os inconvenientes, pois só admite os candidatos a título provisório e sem voz ativa nos negócios da Sociedade, durante um tempo que permite se observe o seu zelo, seu devotamento e seu espírito de conciliação. O essencial é formar um núcleo de fundadores titulares, unidos por uma perfeita comunhão de vistas, de opiniões e de sentimentos e estabelecer regras precisas às quais forçosamente devem submeter-se os que, mais tarde, quiserem aí se reunir. A respeito, pedimos que se reportem ao regulamento da Sociedade de Paris e às instruções que demos sobre o assunto. Nosso mais caro desejo é o de ver reinarem a união e a harmonia entre os grupos e sociedades que se formam de todos os lados. Eis por que consideramos sempre um dever ajudar com conselhos de nossa experiência os que julgarem um dever aproveitá-los. No momento nós nos limitamos a dizer: Sem homogeneidade, não há união simpática entre os membros, não há relações afetuosas; sem união, não há estabilidade; sem estabilidade, não há calma; sem calma, não há trabalhos sérios. De onde concluímos que a homogeneidade é o princípio vital de toda sociedade ou reunião espírita. É o que disseram com razão Gérard de Codemberg e Bernardin; quanto ao Espírito que foi tomado como substituto do primeiro, sua comunicação apresenta todos os caracteres de uma comunicação apócrifa.