1. – Um correspondente da Sociedade lhe transmite a seguinte nota:
“O Sr. Antonio B…, um de meus parentes, escritor de mérito, estimado por seus concidadãos, tendo desempenhado com distinção e integridade funções públicas na Lombardia, † caiu, a cerca de seis anos, em consequência de um ataque de apoplexia, num estado de morte aparente que, infelizmente, como algumas vezes sucede em casos tais, a sua morte foi considerada real, concorrendo ainda mais para o engano os vestígios da decomposição assinalados no corpo. Quinze dias depois do enterro, uma circunstância fortuita levou a família a determinar a exumação. Tratava-se de um medalhão, por acaso esquecido no caixão. Qual não foi, porém, o espanto dos assistentes, quando, ao abrir aquele, notaram que o corpo havia mudado de posição, voltando-se de bruços e – coisa horrível – que uma das mãos havia sido comida em parte pelo defunto. Ficou, então, patente que o infeliz Antonio B… fora enterrado vivo, e deveria ter sucumbido sob a ação do desespero e da fome. Seja como for, desse triste acontecimento e de suas consequências morais não seria interessante, do ponto de vista espírita e psicológico, fazer um inquérito no mundo dos Espíritos?”
1. Evocação de Antonio B…
Resposta. – Que quereis de mim?
2. A pedido de um vosso parente, nós vos evocamos com prazer e seremos felizes se quiserdes responder-nos.
Resposta. – Sim, desejo fazê-lo.
3. Lembrais-vos dos incidentes da vossa morte?
Resposta. – Ah! Certamente que me lembro: – Mas por que avivar essa lembrança do castigo?
4. Efetivamente fostes enterrado por descuido?
Resposta. – Assim deveria ser, visto revestir-se a morte aparente de todos os caracteres da morte real: eu estava quase exangue. Não se deve, porém, imputar a ninguém um acontecimento que me estava predestinado desde que nasci.
5. Incomodam-vos estas perguntas? Será mister lhes demos fim?
Resposta. – Não. Podeis continuar.
6. Porque deixastes a reputação de um homem de bem, esperamos fôsseis feliz.
Resposta. – Eu vos agradeço, pois sei que haveis de interceder por mim. Vou fazer o possível para vos responder, e, se não puder fazê-lo, fá-lo-á um dos vossos guias por mim.
7. Podeis descrever-nos as vossas sensações daquele momento?
Resposta. – Que dolorosa provação sentir-me encerrado entre quatro tábuas, tolhido, absolutamente tolhido! Gritar? Impossível! A voz, por falta de ar, não tinha eco! Ah! que tortura a do infeliz que em vão se esforça para respirar num ambiente limitado! Eu era qual condenado à boca de um forno, abstração feita ao calor. A ninguém desejo um fim rematado por semelhantes torturas. Não, não desejo a ninguém um tal fim! Oh! cruel punição de cruel e feroz existência! Não saberia dizer no que então pensava; apenas revendo o passado, vagamente entrevia o futuro.
8. Dissestes: – cruel punição de feroz existência… Como se pode conciliar esta afirmativa com a vossa reputação ilibada?
Resposta. – Que vale uma existência diante da eternidade?! Certo, procurei ser honesto e bom na minha última encarnação, mas eu aceitara um tal epílogo previamente, isto é, antes de encarnar. Ah!… Por que interrogar-me sobre esse passado doloroso, que só eu e os bons Espíritos enviados do Senhor conhecíamos? Mas, visto que assim é preciso, dir-vos-ei que numa existência anterior eu emparedara uma mulher – a minha, viva num sepulcro subterrâneo. A pena de talião devia ser-me aplicada. Olho por olho, dente por dente.
9. Agradecemos essas respostas e pedimos a Deus vos perdoe o passado, em atenção ao mérito da vossa última encarnação.
Resposta. – Voltarei mais tarde, mas, não obstante, o Espírito Erasto completará esta minha comunicação.
2. REFLEXÕES DE LAMENNAIS SOBRE ESTA EVOCAÇÃO.
Deus é bom! Mas, para chegar ao aperfeiçoamento, deve o homem sofrer as provas mais cruéis. Este infeliz viveu vários séculos durante sua desesperada agonia, e embora sua última existência tenha sido honrada, esta prova deveria realizar-se, pois a tinha escolhido.
3. REFLEXÕES DE ERASTO.
Por essa comunicação podeis inferir a co-relatividade e dependência imediata das vossas existências entre si; as tribulações, as vicissitudes, as dificuldades e dores humanas são sempre as consequências de uma vida anterior, culposa ou mal aproveitada. Devo, todavia, dizer-vos que desfechos como este de Antonio B… são raros, visto como, se de tal modo terminou uma existência correta, foi por tê-lo solicitado ele próprio, com o fito de abreviar a sua erraticidade e atingir mais rápido as esferas superiores. Efetivamente, depois de um período de perturbação e sofrimento moral, inerente à expiação do hediondo crime, ser-lhe-á perdoado este, e ele se alçará a um mundo melhor, onde o espera a vítima que há muito lho perdoou. Aproveitai este exemplo cruel, queridos espíritas, a fim de suportardes, com paciência, os sofrimentos morais e físicos, todas as pequenas misérias da Terra.
P. – Que proveito pode a Humanidade auferir de semelhantes punições?
Resposta. – As penas não existem para desenvolver a Humanidade, porém para punição dos que erram. De fato, a Humanidade não pode ter nenhum interesse no sofrimento de um dos seus membros. Neste caso, a punição foi apropriada à falta. Por que há loucos, idiotas, paralíticos? Por que morrem estes queimados, enquanto aqueles padecem as torturas de longa agonia entre a vida e a morte? Ah! crede-me; respeitai a soberana vontade e não procureis sondar a razão dos decretos da Providência! Deus é justo e só faz o bem.
Erasto. n
Observação. – Este fato não encerra um ensinamento terrível? Às vezes tardia, nem por isso a justiça de Deus deixa de atingir o culpado, prosseguindo em seu aviso. n É altamente moralizador o saber-se que, se grandes culpados acabam, pacificamente, na abundância de bens terrenos, nem por isso deixará de soar cedo ou tarde, para eles, a hora da expiação. Penas tais são compreensíveis, não só por estarem mais ou menos ao alcance das nossas vistas, como por serem lógicas. Ora, perguntamos se esse quadro, que o Espiritismo desdobra a cada instante diante de nós, não é mais apropriado a impressionar, para reter à beira do abismo, do que o medo das chamas eternas, em que já não acreditamos? Se apenas relermos as evocações publicadas nesta Revista, veremos que não há um vício que não determine o seu castigo, nem uma virtude que não suscite a sua recompensa, proporcionados ao mérito ou ao grau de culpabilidade, porquanto Deus leva em conta todas as circunstâncias que possam atenuar o mal ou aumentar o prêmio do bem.
[1] N. do T.: Vide O Céu e o Inferno, 2ª parte, capítulo VIII: ANTONIO B – Enterrado vivo – A pena de talião.
[2] [v.
Erasto.]
[3] [Como
a justiça de Deus sempre alcança o culpado e, por ser, às vezes, tardia,
nem por isso segue menos o seu curso. – Ainsi la justice de Dieu
atteint toujours le coupable, et pour être quelquefois tardive, elle
n’en suit pas moins son cours.]