Atendendo aos reiterados convites que nos fizeram os espíritas de Lyon, † fomos este ano novamente a essa cidade. Embora conhecêssemos, pela correspondência, os progressos ali realizados pelo Espiritismo, o resultado da visita ultrapassou de muito a nossa expectativa. Certamente os leitores nos agradecerão por lhes darmos algumas informações a respeito; nelas verão um indício da marcha irresistível da doutrina e uma prova patente de suas consequências morais.
Antes; porém, de falar dos espíritas de Lyon, não devemos esquecer os de Sens † e de Mâcon, † que visitamos de passagem, e agradecer-lhes a simpática acolhida. Lá, também, pudemos constatar um notável progresso, quer no número de adeptos, quer na opinião que se faz do Espiritismo em geral. Por toda parte os zombadores se esclarecem e mesmo aqueles que ainda não creem observam uma prudente reserva, ditada pelo caráter e pela posição social de quantos, hoje, não temem mais confessar-se publicamente partidários e propagadores das novas ideias. Em face da opinião que se pronuncia e se generaliza, os incrédulos dizem que talvez exista algo, mas, em suma, que cada um é livre em suas crenças. Pelo menos antes de falar, querem saber do que se trata, contrariamente ao que ocorria. Ora, não se pode negar que, para muita gente, isso não seja um verdadeiro progresso. Mais tarde voltaremos a esses dois centros, ainda novos, numericamente falando, enquanto Lyon já atingiu todo o seu vigor.
Com efeito, não é mais por centenas que ali se contam os espíritas, como no ano passado, mas por milhares; dito de outra forma, não se os conta mais, calculando-se que, se seguirem a mesma progressão, em um ou dois anos serão mais de trinta mil. O Espiritismo os recruta em todas as classes, mas é sobretudo nas classes operárias que se propagou mais rapidamente, o que não é de admirar; sendo esta a classe que mais sofre, volta-se para o lado onde encontra mais consolações. Vós, que bradais contra o Espiritismo, que lhe deis outro tanto! A classe operária se voltaria para vós; mas, em vez disto, quereis tirar-lhe aquilo que a ajuda a carregar o seu fardo de misérias. É o meio mais seguro de vos subtrairdes à sua simpatia e engrossar as fileiras que se vos opõem. O que vimos pessoalmente é de tal modo característico e encerra tão grande ensinamento, que julgamos um dever consagrar aos trabalhadores a maior parte do nosso relato.
O ano passado só havia um único centro de reunião, o de Brotteaux, † dirigido pelo Sr. Dijoud, chefe de oficina, e sua mulher; outros se formaram depois, em diferentes pontos da cidade, em Guillotière, † em Perrache, † em Croix-Rousse, † em Vaise, † em Saint Just, † etc., sem contar um grande número de reuniões particulares. No todo havia apenas dois ou três médiuns, muito inexperientes, enquanto hoje os há em todos os grupos, e vários de primeira categoria; só num grupo vimos cinco, escrevendo simultaneamente. Vimos também uma jovem, excelente médium vidente, na qual pudemos constatar a faculdade desenvolvida em alto grau.
Trouxemos uma coletânea de desenhos extremamente notáveis, de um médium desenhista que não sabe desenhar. Pela execução e pela complexidade, rivalizam com os desenhos de Júpiter, embora de outro gênero. Não devemos esquecer um médium curador, tão recomendável por seu devotamento quanto pela potência de sua faculdade.
Com certeza os adeptos se multiplicam; mas o que ainda vale mais do que o número é a qualidade. Pois bem! declaramos alto e bom som que não vimos, em parte alguma, reuniões espíritas mais edificantes que a dos operários lioneses, quanto à ordem, o recolhimento e a atenção com que se devotam às instruções de seus guias espirituais. Ali há homens, velhos, senhoras, moços, até crianças, cuja postura, respeitosa e recolhida, contrasta com sua idade; jamais perturbaram, fosse por um instante, o silêncio de nossas reuniões, geralmente muito longas; pareciam quase tão ávidas quanto seus pais em recolher nossas palavras. Isto não é tudo; o número das metamorfoses morais, nos operários, é quase tão grande quanto o dos adeptos: hábitos viciosos reformados, paixões acalmadas, ódios apaziguados, índoles pacificadas, em suma, desenvolvidas as virtudes mais cristãs e isto pela confiança, doravante inabalável, que as comunicações espíritas lhes dão de um futuro em que não acreditavam. Para eles é uma felicidade assistir a essas instruções, de onde saem reconfortados contra a adversidade; também se veem alguns que andam mais de uma légua com qualquer tempo, inverno ou verão, enfrentando tudo para não perderem a sessão; é que neles não há uma fé vulgar, mas fé baseada em convicção profunda, raciocinada, e não cega.
Os Espíritos que os instruem sabem pôr-se admiravelmente ao alcance de seus ouvintes. Seus ditados não são manifestações de eloquência, mas boas instruções familiares, despretensiosas, e que, por isto mesmo, dirigem-se ao coração. As conversas com os parentes e amigos mortos ali representam um grande papel, de onde saem quase sempre úteis lições. Muitas vezes uma família inteira se reúne e a noite passa em suave expansão com os que se foram; querem ter notícias dos tios, tias, primos e primas; saber se são felizes. Ninguém é esquecido; cada um quer que o avô lhe diga algo, e a cada um ele dá um conselho. — E eu, vovô, perguntava um dia um adolescente, não me dizeis nada? — Sim, meu filho, a ti eu te direi alguma coisa: não estou contente contigo; outro dia discutiste em caminho por uma tolice, em vez de ir direto ao trabalho; isto não é bom. — Como sabeis disto, vovô? — Sem dúvida eu sei. Será que nós Espíritos não vemos tudo o que fazeis, considerando-se que estamos ao vosso lado? — Perdão, vovô; prometo não fazer mais isto.
Não haverá algo de tocante nesta comunicação dos mortos com os vivos? Aí está a vida futura, palpitante aos seus olhos; não mais a morte, não mais a eterna separação, não mais o nada; o Céu está mais perto da Terra e se o compreende melhor. Se isto é uma superstição, praza a Deus que jamais tivesse havido outras!
Um fato digno de nota, e que constatamos, é a facilidade com que esses homens, quase sempre iletrados e endurecidos nos mais rudes trabalhos, compreendem o alcance da doutrina; pode-se dizer que só lhe veem o lado sério. Nas instruções que demos nos diferentes grupos, em vão procuramos excitar-lhes a curiosidade pelo relato das manifestações físicas, embora nem um só deles tenha visto uma mesa mover-se; no entanto, tudo quanto tocava as apreciações morais cativava seu interesse no mais alto grau.
A alocução seguinte nos foi dirigida quando de nossa visita ao grupo de Saint Just; † publicamo-la, não para dar satisfação a uma tola e pueril vaidade, mas como prova dos sentimentos que dominam as oficinas de trabalho, onde penetrou o Espiritismo, e porque sabemos ser agradável aos que nos quiseram dar esse testemunho de simpatia. Transcrevemo-la textualmente, pois teríamos escrúpulo de lhe acrescentar uma só palavra; só a ortografia foi emendada.
“Senhor Allan Kardec, discípulo de Jesus, intérprete do Espírito de Verdade, sois nosso irmão em Deus. Estamos reunidos todos com o mesmo coração, sob a proteção de São João Batista, protetor da Humanidade e precursor do grande mestre Jesus, nosso Salvador.
“Nós vos rogamos, .caro mestre, que mergulheis vosso olhar no recesso de nossos corações, a fim de que possais vos dar conta das simpatias que temos por vós. Somos pobres trabalhadores, sem artifícios; uma espessa cortina, desde a nossa infância, foi estendida sobre nós, para abafar a nossa inteligência; mas vós, caro mestre, pela vontade do Todo-Poderoso, rasgais a cortina. Essa cortina, que julgavam impenetrável, não pôde resistir à vossa digna coragem. Oh! sim, nosso irmão, tomastes o pesado enxadão para descobrir a semente do Espiritismo, que haviam enterrado em granítico terreno, e a semeais aos quatro cantos do globo, até mesmo nos pobres quarteirões de ignorantes, que começam a saborear o pão da vida.
“Todos o dizemos do fundo do coração; estamos animados do mesmo fogo e repetimos todos: Glória a Allan Kardec e aos bons Espíritos que o inspiraram! E vós, bons irmãos, Sr. e Sra. Dijoud, os abençoados por Deus, Jesus e Maria, estais gravados em nossos corações para jamais sair, porque por nós sacrificastes os vossos interesses e os vossos prazeres materiais. Deus o sabe; nós lhe agradecemos por vos ter escolhido para esta missão, agradecendo também ao nosso protetor superior, São João Batista.
“Obrigado, Sr. Allan Kardec; mil vezes obrigado, em nome do grupo de Saint Just, por terdes vindo entre nós, simples operários e ainda muito imperfeitos em Espiritismo; vossa presença nos causa uma grande alegria em meio de nossas tribulações, que são grandes neste momento de crise comercial; vós nos trazeis o bálsamo benfazejo que se chama esperança, que acalma os ódios e reacende no coração do homem o amor e a caridade. Nós nos aplicaremos, caro mestre, em seguir vossos bons conselhos, bem assim os dos Espíritos superiores que tiverem a bondade de nos ajudar e instruir, a fim de nos tornarmos, todos, verdadeiros e bons espíritas. Caro mestre, tende certeza de que levais convosco a simpatia de nossos corações para a eternidade; nós o prometemos. Somos e seremos sempre vossos adeptos sinceros e submissos. Permiti, a mim e ao médium, que vos demos o ósculo do amor fraterno, em nome de todos os irmãos e irmãs aqui presentes. Ficaríamos muito felizes também se quisésseis brindar conosco.”
Vínhamos de longe e tínhamos subido às alturas de Saint Just com um calor sufocante. Alguns refrescos tinham sido preparados, em meio dos instrumentos do trabalho: pão, queijo, algumas frutas, um copo de vinho, verdadeiro ágape oferecido com a simplicidade antiga e um coração sincero. Um copo de vinho! ah! em nossa intenção, porque essa boa gente não bebe todos os dias; mas era uma boa festa para eles: ia-se falar de Espiritismo. Oh! foi com um prazer imenso que brindamos com eles, e seu lanche modesto, aos nossos olhos, tinha cem vezes mais valor que os mais esplêndidos banquetes. Que tenham eles aqui a certeza disto.
Alguém nos dizia em Lyon: “O Espiritismo infiltra-se nos operários pelo raciocínio; não seria tempo de fazer que penetrasse pelo coração?” Certamente esta pessoa não conhece os operários; seria desejável que se encontrasse tanto coração em todo o mundo. Se uma tal linguagem não for inspirada pelo coração; se o coração nada significa para quem, no Espiritismo, encontra a força de vencer suas más inclinações, de lutar com resignação contra a miséria, de sufocar seus rancores e animosidades; para quem partilha seu pedaço de pão com um mais infeliz, confessamos não saber onde está o coração.