1. — Os jornais anunciaram, em fevereiro último, a morte súbita do pastor Henri Mondeux, n o célebre calculador, que sucumbiu nos primeiros dias de fevereiro de 1861 a um ataque de apoplexia na diligência de Condom † (Gers), com cerca de 34 anos. Tinha nascido na Touraine † e desde a idade de dez anos fez-se notar pela prodigiosa facilidade com que resolvia, de cabeça, as mais intrincadas questões de aritmética, embora completamente iletrado e não havendo feito nenhum estudo especial. Logo atraiu a atenção e muitas pessoas iam vê-lo, enquanto pastoreava seus rebanhos. Os visitantes divertiam-se em propor-lhe problemas, o que lhe proporcionava pequeno lucro. Lembravam ainda o pastor napolitano, Vito Mangiamele n que, poucos anos antes, tinha apresentado um fenômeno semelhante. Um professor de matemática do colégio de Tours † pensou que um dom natural tão notável deveria dar resultados surpreendentes, se fosse auxiliado. Em consequência, empenhou-se na tarefa de o educar; mas não tardou a perceber que lidava com uma das mais refratárias naturezas. Com efeito, aos dezesseis anos de idade, mal sabia ler e escrever correntemente e, coisa extraordinária, jamais conseguira o professor que ele retivesse o nome das figuras elementares de geometria, de sorte que sua faculdade era inteiramente circunscrita às combinações numéricas. Era, pois, um calculador, mas não um matemático.
Uma outra singularidade é que ele jamais pôde dobrar-se às nossas fórmulas de cálculo; nem mesmo as compreendia; tinha sua própria maneira, à qual nunca pôde dar conta de maneira clara, não sendo capaz de explicá-la nem aos outros, nem a si mesmo, e que se prendia a uma memória prodigiosa dos números. Dizemos dos números e não dos algarismos, porque a visão destes últimos o atrapalhava mais que o ajudava; preferia que os problemas fossem colocados verbalmente, e não por escrito.
Tal é, em resumo, o resultado das observações que nós próprios fizemos sobre o jovem Mondeux, e que, na ocasião, nos forneceram assunto para uma Memória, lida na Sociedade Frenológica † de Paris. †
Uma faculdade tão exclusiva, conquanto levada ao extremo limite, não podia abrir-lhe nenhuma carreira, porque nem mesmo poderia ser contador numa casa comercial, e disto seu professor se apavorava, e com razão; este quase se censurava por havê-lo retirado de suas vacas, perguntando-se o que seria dele quando os anos o tivessem privado do interesse a ele ligado, sobretudo em razão da sua idade. Nós o perdemos de vista há dezoito anos; parece que encontrou algum meio de subsistência dando sessões de cidade em cidade.
2. — [Evocação de Henri Mondeux, o calculista.]
1. Evocação.
Resposta. – 4 e 3 são sete, tanto nos outros mundos, como aqui.
2. Queríamos evocar-vos pouco depois de vossa morte, mas nos foi dito que não vos encontráveis em condição de responder. Parece que estais agora?
R. – Eu vos esperava.
3. É provável que não vos lembreis de mim, embora eu tenha tido ocasião de vos conhecer muito particularmente na Prússia, † e mesmo de assistir às vossas sessões. Quanto a mim, ainda me parece vos ver, bem como ao professor de matemática que vos acompanhava, e que me deu preciosas informações sobre vós e vossa faculdade.
R. – Tudo isto é para que eu diga que me recordo de vós, mas somente hoje, em que minhas ideias estão lúcidas.
4. De onde vinha a estranha faculdade de que éreis dotado?
R. – Ah! eis a pergunta que eu sabia iríeis me dirigir. Começa-se por dizer: eu vos conhecia, eu vos tinha visto, éreis notável e, enfim, chegais ao que de fato quereis. Pois bem! eu tinha a faculdade de poder ler em meu espírito os cálculos imediatos de um problema; dizei que um Espírito expunha diante de mim a solução: eu tinha apenas de ler; eu era médium vidente e calculador e, não devo negar, uma pequena tabuada.
5. Tanto quanto posso lembrar-me, quando vivo não tínheis este espírito brincalhão, cáustico. Não éreis mesmo um pouco grave?
R. – Veja! porque a faculdade foi sempre empregada nisto, não restava mais outra coisa.
6. Como é que essa faculdade, tão desenvolvida para o cálculo, fosse tão incompleta para as outras partes mais elementares das matemáticas?
R. – Por certo eu era um tolo, não é mesmo? Dizei a palavra, eu a aceitarei. Mas aqui, compreendeis, não mais tenho que desenvolver a minha faculdade para as cifras, e ela se desenvolve rapidamente para outras coisas.
7. Não tendes mais de desenvolvê-la para os números… (O Espírito escreve sem esperar o fim da pergunta).
R. – Quer dizer que Deus nos deu a todos uma missão: Tu, disse-me ele, vai espantar os sábios matemáticos; far-te-ei parecer sem inteligência para que fiquem mais impressionados; derrota todos os seus cálculos e faze que eles se digam: Mas que tem ele acima de nós? Que tem de mais forte que o estudo? Queria Deus levá-los a procurar além do corpo? O que existirá de mais material que um algarismo?
8. Que fostes em outras existências?
R. – Fui enviado para mostrar outras coisas.
9. Eram sempre relativas às matemáticas?
R. – Sim dúvida, desde que é a minha especialidade.
10. Eu tinha formulado alguns problemas para saber se tínheis sempre a mesma faculdade. Mas, de acordo com o que dizeis, julgo não ser mais necessário.
R. – Mas não tenho mais soluções a dar; não posso mais. O instrumento é mau, pois não é matemático.
11. Não poderíeis vencer a dificuldade?
R. – Ah! nada é invencível; a própria Sebastopol † foi tomada. Mas que diferença!
12. Em que vos ocupais agora?
R. – Quereis saber a que me entrego? Passeio e espero um pouco antes de recomeçar minha carreira como médium, que deve continuar.
13. Em que gênero pensais exercer esta faculdade mediúnica?
R. – Sempre a mesma, porém mais desenvolvida, mais surpreendente.
14. (Um membro faz a seguinte reflexão): Das respostas do Espírito infere-se que ele agiu como médium na Terra, levando a crer que teria sido auxiliado por outro Espírito, o que explicaria por que hoje já não goza dessa faculdade.
R. – É que meu Espírito foi feito de propósito para ver os números que outros Espíritos me passavam; ele os captava melhor do que o faríeis; tinha o dom do cálculo, pois foi nesse gênero que eu me exercitava. Buscam-se todos os meios de convencer; todos são bons, pequenos ou grandes, e os Espíritos assenhoreiam-se de todos.
15. Fizestes fortuna com vossa faculdade, correndo o mundo para dar sessões?
R. – Oh! perguntar se um médium faz fortuna! Vós vos enganais de caminho. Claro que não.
16. Mas não vos consideráveis como médium? Nem mesmo sabíeis do que se tratava?
R. – Não. Também me admirava de que me servisse tão pouco pecuniariamente. Isto me ajudou moralmente e prefiro o meu ativo, escrito no grande livro de Deus, às rendas que teria obtido do Estado.
17. Agradecemos por vos terdes dignado a responder ao nosso chamado.
R. – Mudaste de opinião quanto à minha pessoa.
18. Não mudei; sempre tive por vós grande estima.
R. – Felizmente eu resolvia as questões, sem o que não me teríeis olhado.
Observação. – Como se sabe, a identidade dos Espíritos é difícil de ser constatada. Geralmente se revela por circunstâncias e detalhes imprevistos, por matizes delicados que somente uma observação atenta pode captar; isto é mais significativo do que os sinais materiais, sempre fáceis de imitar pelos Espíritos enganadores que, no entanto, não podem simular a capacidade intelectual ou as qualidades morais que lhes faltam. Poder-se-ia, pois, duvidar da identidade, nessa circunstância, sem a explicação muito lógica que o Espírito dá da diferença existente entre seu caráter atual e o que mostrava em vida; porque a resposta numérica que ele dá à evocação não pode ser considerada como prova autêntica. Seja qual for a opinião que se possa formar a respeito da evocação acima, temos de convir que, ao lado de pensamentos faceciosos, ela os encerra profundos; sobretudo as respostas às perguntas 7 e 16 são notáveis quanto a isto. Delas ressalta igualmente, assim como das respostas dadas por outros Espíritos, que o Espírito Mondeux tem uma predisposição para as matemáticas; que é provável tenha exercido essa faculdade em outras existências, mas que não pertenceu ao rol de nenhuma das celebridades da Ciência. Dificilmente se conceberia que um verdadeiro sábio fosse reduzido a fazer esforços de cálculo para divertir o público, sem alcance e sem utilidade científicas. Haveria muito mais motivos para duvidar de sua identidade se se tivesse feito passar por Newton ou Laplace.
[1]
[v. Henri
Mondeux – 1826-1862.]
[2] [v.
Vito
Mangiamele – 1826-1859.]