1. — É curioso ver surgir, no meio do materialismo, uma reunião de homens de boa-fé para propagar o Espiritismo. Sim, é no meio das mais profundas trevas que Deus lança a luz, e no momento em que é mais esquecido é que Ele melhor se mostra, semelhantemente ao ladrão sublime de que fala o Evangelho, e que virá julgar o mundo no momento em que este menos esperar. Mas Deus não vem a vós para vos surpreender; ao contrário, vem prevenir-vos de que essa grande surpresa, que deve apoderar-se dos homens ao morrerem, deve ser para eles funesta ou feliz.
Foi para o meio de uma sociedade corrompida que Deus me enviou. Graças à clarividência, algumas dessas revelações que em meu tempo pareciam tão maravilhosas, hoje se mostram muito naturais. Para mim, todas essas lembranças não passam de sonhos e, louvado seja Deus! o despertar não foi penoso. O Espiritismo nasceu, ou melhor, ressuscitou em vosso tempo; o magnetismo era do meu tempo. Crede que as grandes luzes precedem os grandes clarões.
O autor do
Le Diable Amoureux — Google Books, vos lembra que já teve
a honra de conversar convosco e se sentirá feliz em continuar suas relações
amistosas. †
Cazotte. n
2. — Na sessão seguinte foram dirigidas ao Espírito Cazotte as perguntas que se seguem:
Na última vez em que aqui viestes espontaneamente tivestes a gentileza de dizer que voltaríeis de boa vontade. Aproveitamos o oferecimento para vos dirigir algumas perguntas, se assim o quiserdes.
1º A história do famoso jantar em que predissestes a sorte que aguardava cada um dos convivas é inteiramente verdadeira?
Resposta. – É verdadeira no sentido de que a predição não foi feita numa única noite, mas em vários jantares, no fim dos quais eu me divertia em amedrontar os meus amáveis convivas, por meio de sinistras revelações.
2º Conhecemos os efeitos da dupla vista e compreenderíamos que, dotado dessa faculdade, tivésseis podido ver coisas distantes, mas que se passavam naquele momento. Como pudestes ver coisas futuras, que ainda não existiam, e vê-las com precisão? Poderíeis dizer-nos, ao mesmo tempo, como vos foi dada essa previsão? Falastes simplesmente como inspirado, sem nada ver, ou o quadro dos acontecimentos que anunciastes se vos apresentou como uma imagem? Tende a bondade de descrever isto tão bem quanto puderdes para a nossa instrução.
Resposta. – Há na razão do homem um instinto moral que o impele a predizer certos acontecimentos. É verdade que eu era dotado de uma clarividência extraordinária, mas sempre humana, para os acontecimentos que então se passaram. Mas acreditais que o bom-senso, ou o sadio julgamento das coisas terrenas possam vos detalhar, com anos de antecedência, tal ou qual circunstância? Não. À minha natural sagacidade aliava-se uma qualidade sobrenatural: a dupla vista. Quando eu revelava às pessoas que me cercavam os terríveis abalos que deveriam. ocorrer, evidentemente eu falava como um homem de bom-senso e de lógica. Mas quando eu via pequenos detalhes dessas circunstâncias; quando eu. via visivelmente tal ou qual vítima, então não falava mais como um simples homem dotado, mas como um homem inspirado.
3º Independentemente desse fato, tivestes outros exemplos de previsão durante a vida?
Resposta. – Sim. Eram todas mais ou menos sobre o mesmo assunto. Mas, como passatempo, eu estudava as ciências ocultas e me ocupava muito de magnetismo.
4º Essa faculdade de previsão vos acompanhou no mundo dos Espíritos? Isto é, após a morte ainda prevedes certos acontecimentos?
Resposta. – Sim; esse dom me ficou muito mais puro.
Observação. – Poder-se-ia ver aqui uma contradição com o princípio que se opõe à revelação do futuro. Com efeito, o futuro nos é oculto por uma lei muito sábia da Providência, considerando-se que tal conhecimento prejudicaria o nosso livre-arbítrio, levando-nos a negligenciar o presente pelo futuro. Além disso, por nossa oposição, poderíamos entravar certos acontecimentos necessários à ordem geral. Mas quando essa comunicação nos pode impelir a facilitar a realização de uma coisa, Deus pode permitir a sua revelação, nos limites designados por sua sabedoria.
[1]
[v. Jacques
Cazotte.]