O Caminho Escritura do Espiritismo Cristão.
Doutrina espírita - 1ª parte.

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Revista espírita — Ano III — Dezembro de 1860.

(Idioma francês)

DISSERTAÇÕES ESPÍRITAS.

Dissertações Espíritas recebidas ou lidas na Sociedade por diversos médiuns.

Castigo do egoísta.

(Médium – Sra. Costel.)

Nota. – O Espírito que ditou as três comunicações seguintes é o de uma mulher que a médium conheceu em vida, cuja conduta e caráter bem justificam os tormentos que ela sofre. Era dominada principalmente por um sentimento de extremo egoísmo e um personalismo que se reflete na última comunicação, por sua pretensão em querer que a médium se ocupe somente dela, e por ela renuncie aos seus estudos ordinários.


I.


Eis-me aqui, a infeliz Claire. Que queres que te ensine? Tua resignação e tua esperança não passam de palavras para quem sabe que, inumeráveis como os seixos da praia, seus sofrimentos haverão de durar na sucessão interminável dos séculos. Dizes que podes suavizá-los! Que palavra vazia! Onde encontrar a coragem, a esperança para tanto? Procura, pois, cérebro limitado, compreender o que é um dia que jamais acaba. Será um dia, um ano, um século? Que sei eu? As horas não se marcam; as estações não variam. Eterno e lento como a água que brota do rochedo, esse dia execrado, esse dia maldito, pesa sobre mim como um relicário de chumbo… Sofro!… Nada vejo à minha volta, senão sombras silenciosas e indiferentes… Sofro!

Entretanto, sei que, acima desta miséria reina Deus, o Pai, o Senhor, aquele para o qual tudo se encaminha. Quero pensar nisto. Quero implorar-lhe socorro.

Debato-me e me arrasto como um estropiado, que pena um longo caminho. Não sei que poder me atrai para ti; talvez seja a salvação. Retiro-me de ti um pouco calma, um pouco renovada, como um velho tiritando de frio, reanimada por um raio de sol. Minha alma enregelada haure uma vida nova ao aproximar-se de ti.

Claire.


II.


Minha desgraça cresce dia a dia, à medida que o conhecimento da eternidade se desenvolve em mim. Ó miséria! quanto vos maldigo, horas culpadas, horas de egoísmo e de esquecimento em que, desconhecendo toda caridade, todo devotamento, só pensava em meu bem-estar! Convencionalismo humano, sede maldito! vãs preocupações dos interesses materiais! Sede malditos, vós que me haveis enceguecido e perdido! Sou corroída pelo incessante pesar do tempo transcorrido. Que direi a ti, que me escutas? Vigia incessantemente sobre ti; ama aos outros mais que a ti mesma; não te demores nos caminhos do bem-estar; não sobrecarregues teu corpo à custa de tua alma. Vigia, como dizia o Salvador a seus discípulos. Não me agradeças estes conselhos: meu espírito os concebe, mas meu coração jamais os ouviu. Semelhante a um cão açoitado, o medo me faz rastejar, mas não conheço ainda o verdadeiro amor! Sua divina aurora tarda muito a romper. Ora por minha alma ressequida e tão miserável!

Claire.


III.


Nota. – Os dois primeiros ditados foram recebidos em casa da médium. Este foi dado espontaneamente na Sociedade, o que explica o sentido da primeira frase:


Venho procurar-te aqui, já que me esqueces. Crês, então, que preces isoladas e o meu nome pronunciado bastarão para acalmar meu sofrimento? Não, cem vezes não. Tenho rugido de dor; erro sem repouso, sem asilo, sem esperança, sentindo o eterno aguilhão do castigo cravar-se em minha alma revoltada. Sorrio quando escuto vossos lamentos, quando vos vejo abatidos. Que são as vossas insignificantes misérias! que são as vossas lágrimas! que são os vossos tormentos, que o sono interrompe! Será que durmo? Eu quero, entendes, eu quero que, deixando tuas dissertações filosóficas, te ocupes de mim; que os outros também se ocupem. Não encontro expressão para descrever a angústia desse tempo que se escoa, sem que as horas lhe marquem os períodos. Vejo apenas um fraco raio de esperança; e essa esperança foste tu que ma deste. Não me abandones, pois.

Claire.


IV.


Nota. – A comunicação seguinte não é do mesmo Espírito; é de um Espírito superior, nosso guia espiritual, em resposta ao pedido que lhe dirigimos, para nos dar sua opinião acerca das comunicações precedentes:


Esse quadro é muito verdadeiro, e absolutamente não está exagerado. Talvez me perguntem o que fez essa mulher para estar tão miserável! Terá cometido algum crime horrível? Roubou, assassinou? Não. Nada fez que tivesse merecido a justiça dos homens. Ao contrário, divertia-se com aquilo a que chamais a felicidade terrena: beleza, fortuna, prazeres, adulação, tudo lhe sorria, nada lhe faltava e, ao vê-la, diziam: Que mulher feliz! E invejavam sua sorte. Que fez ela? Foi egoísta, tinha tudo, menos um bom coração. Se não violou a lei dos homens, violou a lei de Deus, porquanto desconheceu a caridade, a primeira das virtudes. Não amou senão a si mesma: agora ninguém a ama. Nada deu: nada lhe dão. Está isolada, desamparada, abandonada, perdida no espaço, onde ninguém pensa nela, ninguém se ocupa com ela: este o seu suplício. Como só buscou os prazeres mundanos, que hoje não mais existem, fez-se o vazio em seu redor. Só vê o nada e o nada lhe parece a eternidade. Não sofre torturas físicas; os demônios não vêm atormentá-la, mas isto não é necessário. Ela própria se atormenta e sofre muito mais, porque esses demônios seriam ainda seres que pensavam nela. O egoísmo fez sua alegria na Terra: ele a persegue, agora, como um verme a lhe roer o coração; é o seu verdadeiro demônio.

Ah! se os homens soubessem quanto lhes custa ser egoístas! Entretanto, Deus vo-lo ensina todos os dias, porquanto, ao enviar tantos Espíritos egoístas à Terra tem em mira que, desde esta vida, eles se castiguem uns aos outros e possam melhor compreender, pelo contraste, que a caridade é o único antídoto dessa lepra da Humanidade.


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