O Caminho Escritura do Espiritismo Cristão.
Doutrina espírita - 1ª parte.

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Revista espírita — Ano III — Dezembro de 1860.

(Idioma francês)

Conversas familiares de além-túmulo.


A educação de um Espírito.

Um de nossos assinantes, cuja esposa é excelente médium escrevente, não pode, apesar disso, comunicar-se com seus parentes e amigos, porque um mau Espírito se impõe a ela e intercepta, por assim dizer, todas as comunicações, o que lhe causa viva contrariedade. Notemos que há simples obsessão, e não subjugação, porquanto a médium absolutamente não é enganada por esse Espírito, que, aliás, é francamente mau e não procura esconder o seu jogo. Tendo pedido nossa opinião a respeito, dissemos-lhe que não se livraria dele nem pela cólera, nem pelas ameaças, mas pela paciência; que era preciso dominá-lo pelo ascendente moral e buscar torná-lo melhor pelos bons conselhos; que é um encargo de alma que lhe é confiado, e cuja dificuldade lhe será meritória.


Conforme nosso conselho, marido e esposa empreenderam a educação desse Espírito, e devemos dizer que se conduzem admiravelmente; se não o conseguirem, nada terão a se censurar. Extraímos algumas passagens dessas instruções, que damos como modelo no gênero, e porque a natureza desse Espírito nelas se desenha de maneira característica.


Para que sejas mau assim, é preciso que sofras?

Resposta. – Sim, sofro; e é isto que me faz ser mau.


Jamais sentes remorsos do mal que fazes ou procuras fazer?

Resposta. – Não; jamais tenho remorso, e gozo o mal que faço, pois não posso ver os outros felizes sem sofrer.


Não admites, então, que se possa ser feliz com a felicidade dos outros, em vez de encontrar a felicidade em sua desventura? Jamais fizestes tais reflexões?

Resposta. – Jamais as fiz, e acho que tens razão; mas não posso me… não posso fazer o bem; eu sou…


Observação. – Essas reticências substituem os rabiscos feitos pelo Espírito, quando não quer ou não pode escrever uma palavra.


Mas, enfim, não queres ouvir-me e experimentar os conselhos que te poderia dar?

Resposta. – Não sei, porque tudo quanto me dizes me faz sofrer ainda mais, e não tenho coragem de fazer o bem.


Muito bem! prometes ao menos tentar?

Resposta. – Oh! não; não posso, porque não cumpriria a promessa e por isso seria punido. Ainda é preciso que rogues a Deus para mudar-me o coração.


Então oremos juntos. Pede comigo que Deus te melhore.

Resposta. – Insisto que não posso; sou muito mau e agrada-me fazer o mal.


Mas, realmente querias fazê-lo a mim? Não considero como verdadeiro mal as tuas mistificações que, por certo, até aqui nos têm sido mais úteis que prejudiciais, porquanto serviram para a nossa instrução. Assim, como vês, perdes o teu tempo.

Resposta. – Sim, faço tanto quanto posso e, se não faço mais, é por não poder.


Quem te impede de fazer isso, então?

Resposta. – O teu bom anjo-da-guarda e tua Maria; sem eles verias do que sou capaz.


Observação. – Maria é o nome de uma jovem que eles evocam em vão e que não se pode manifestar por causa desse Espírito. Contudo, pela própria resposta do Espírito vê-se que ela, embora não possa comunicar-se materialmente, nem por isso deixa de lá estar, assim como o anjo-da-guarda, velando por eles. Esse fato levanta um sério problema, o de saber como um mau Espírito pode impedir as comunicações de um bom. Ele só impede as comunicações materiais, mas não pode opor-se às espirituais. Não é o mau Espírito mais poderoso que o bom, é o médium que não é bastante forte para vencer a obstinação do mau, e que deve esforçar-se por vencê-lo pelo ascendente do bem, melhorando-se cada vez mais. Deus permite essas provas em nosso interesse.


Mas o que me farias, então?

Resposta. – Eu te faria mil coisas, mais desagradáveis umas que outras; eu te faria…


10º Vejamos, pobre Espírito, jamais tens um impulso generoso? Nunca tens um só desejo de fazer algum bem, ainda que fosse um vago desejo?

Resposta. – Sim, um desejo vago de fazer o mal; não posso ter outro. É preciso que ores a Deus, para que eu seja tocado, pois, de outro modo, certamente continuarei mau.


11º Então crês em Deus?

Resposta. – É necessário que eu creia nele, pois ele me faz sofrer.


12º Muito bem! Já que crês em Deus, deves ter confiança em sua perfeição e em sua bondade. Deves compreender que ele não fez suas criaturas para votá-las à infelicidade; que se são infelizes, é por sua própria culpa, e não pela dele; mas que elas sempre têm meios de melhorar e, consequentemente, de alcançar a felicidade; que Deus não fez inteligentes as criaturas sem objetivo e que esse objetivo é fazer que todas concorram para a harmonia universal: a caridade, o amor do próximo; que a criatura que se afasta de tal objetivo perturba a harmonia e ela própria é a primeira sofrer os efeitos dessa perturbação. Olha em torno de ti e acima de ti; não vês Espíritos felizes? Não tens vontade de ser como eles, já que dizes sofrer? Deus não os criou mais perfeitos do que tu; como tu, talvez tenham sofrido, mas se arrependeram e Deus lhes perdoou; podes, pois, fazer como eles.

Resposta. – Começo a ver e a compreender que Deus é justo; eu ainda não tinha visto; és tu que me vens abrir os olhos.


13º Então! já sentes o desejo de melhorar?

Resposta. – Ainda não.


14º Espera, que ele virá. Eu o espero. Dissestes à minha mulher que ela te torturava, enquanto te invocava. Crês que procuremos torturar-te?

Resposta. – Não; bem vejo que não. Mas não é menos verdade que sofro mais que nunca e vós sois a causa disto.


Observação. – Interrogado quanto à causa de tal sofrimento, um Espírito superior respondeu: Vem do combate a que ele se entrega; mau grado seu, sente algo que o arrasta para um caminho melhor, mas resiste. É essa luta que o faz sofrer. – Quem vencerá nele, o bem ou o mal? Resposta. – O bem; mas a luta será longa e difícil. É preciso ter muita perseverança e dedicação.


15º Que poderíamos fazer para que não sofras mais?

Resposta. – É preciso que ores a Deus para que me perd…

(ele risca essas duas últimas palavras) que tenha piedade de mim.


16º Pois bem! ora conosco.

Resposta. – Não posso.


17º Disseste que precisas crer em Deus, pois ele te faz sofrer. Mas como sabes que é Deus quem te faz sofrer?

Resposta. – Ele me faz sofrer porque sou mau.


18º Se é verdade que julgas ser Deus quem te faz sofrer, deves conhecer o motivo, porquanto não podes imaginar que Deus seja injusto.

Resposta. – Sim, creio na justiça de Deus.


19º Disseste que fomos nós quem te abrimos os olhos. Verdade ou não, o certo é que não podes dissimular a verdade dó que te dizemos. Ora, quer essas verdades te sejam conhecidas antes de nós, ou por nosso intermédio, o essencial é que as conheças. Hoje, o grande negócio para ti é tirar partido delas. Dize, pois, francamente, se a satisfação que experimentas em fazer o mal não te deixa nada a desejar.

Resposta. – Desejo que meus sofrimentos acabem; eis tudo. E eles jamais acabarão.


20º Compreendes que depende de ti que eles acabem?

Resposta. – Compreendo.


21º Em tua última existência corpórea te entregaste sem reservas às más inclinações, como parece que fazes agora?

Resposta. – É preciso que saibas que sou mais imundo que uma fera; sou um miserável que fez tudo até…


22º Eu e minha mulher te fizemos algum mal? Tivestes de te queixar de nós numa outra existência?

Resposta. – Não; eu não…


23º Então, dize por que encontras mais prazer em destilares o teu ódio contra pessoas inofensivas como nós, que te queremos bem, e não contra gente má, que talvez seja ou tenha sido tua inimiga?

Resposta. – Eles não me causam inveja.


Observação. – Esta resposta é característica. Pinta o ódio do mau contra os homens que sabe serem melhores que ele. É a inveja que cega e muitas vezes impele a atos mais contrários aos seus interesses. O mesmo ocorre aqui na Terra, onde muitas vezes os maiores erros de um homem, aos olhos de certas pessoas, têm o seu mérito: Aristides é um exemplo.


24º Eras mais feliz na Terra, do que agora?

Resposta. – Oh! sim. Era rico e de nada me privava. Cometi baixezas de toda sorte e fiz todo o mal que se pode fazer, quando se tem dinheiro e miseráveis à disposição.


25º Por que me pedias outro dia que te deixasse em paz?

Resposta. – Porque não queria responder às perguntas que me fazias. Mas estou muito à vontade por me evocares e queria sempre escrever, porque o tédio me mata. Oh! não sabes o que é estar continuamente em presença das faltas e dos crimes, como estou!


26º Que impressão experimentas à vista de uma ação generosa?

Resposta. – Experimento despeito; gostaria de aniquilá-la.


27º Durante tua última existência corpórea jamais fizeste uma boa ação, fosse qual fosse o móvel?

Resposta. – Fiz por ambição e por orgulho; jamais por bondade. É por isso que não me foi levada em conta.


Observação. – Essas conversas se prolongaram durante grande número de sessões, e ainda neste momento, infelizmente sem resultado muito sensível. O mal domina sempre nesse Espírito, que só em raros intervalos demonstra alguns clarões de bons sentimentos; assim, é uma tarefa penosa para os seus instrutores. Contudo, esperamos que com perseverança conseguirão domar essa natureza rebelde, ou ao menos que Deus leve em conta os seus esforços.


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