M. J…, negociante do departamento do Sarthe, † morto no dia 15 de junho de 1859, era, sob todos os aspectos, um homem de bem e de uma caridade sem limites. Tinha feito um estudo sério do Espiritismo, do qual era fervoroso adepto. Como assinante da Revista Espírita, encontrava-se em contato indireto conosco, sem que nos tivéssemos visto. Evocando-o, tivemos como objetivo não apenas atender ao desejo de seus parentes e amigos, mas testemunhar-lhe pessoalmente a nossa simpatia e agradecer-lhe as gentilezas que de nós houve por bem dizer e pensar. Além disso, para nós era motivo de estudo interessante, do ponto de vista da influência que o conhecimento aprofundado do Espiritismo pode ter sobre o estado da alma após a morte.
1. Evocação.
Resposta. – Estou aqui há muito tempo.
2. Jamais tive o prazer de vos ver. Contudo, reconheceis-me?
Resp. – Reconheço-vos tanto melhor quanto frequentemente vos visitei e tive mais de uma conversa convosco, como Espírito, durante minha vida.
Observação. – Isto confirma o fato muito importante, do qual
tivemos numerosos exemplos, das comunicações que os homens têm entre
si, mau grado seu, durante a vida. Assim, durante o sono do corpo, os
Espíritos viajam e se visitam reciprocamente. Ao despertar conservam
intuição das ideias que brotaram nessas conversas ocultas, mas cuja
fonte ignoram. De certa maneira, durante a vida temos uma dupla existência:
a corporal, que nos dá a vida de relação exterior, e a espírita, que
nos dá a vida de relação oculta.
3. Sois mais feliz do que na Terra?
Resposta. – E sois vós que perguntais?
4. Eu o concebo. Entretanto, desfrutáveis de uma fortuna honradamente adquirida, que vos proporcionava os prazeres da vida. Tínheis a estima e a consideração obtidos pela vossa bondade e pela vossa benevolência. Poderíeis dizer-nos em que consiste a superioridade de vossa felicidade atual?
Resposta. – Consiste naturalmente na satisfação que me proporciona a lembrança do pouco bem que fiz e na certeza do futuro que ele me promete. E contais por nada a ausência de inquietudes e os aborrecimentos da vida? Os sofrimentos corporais e todos os tormentos que criamos para satisfazer às necessidades do corpo? Durante a vida, a agitação, a ansiedade, as angústias incessantes, mesmo em meio à fortuna; aqui, a tranquilidade e o repouso: é a bonança após a tempestade.
5. Seis semanas antes de morrer afirmáveis ter ainda cinco anos de vida. De onde vinha essa ilusão, enquanto tantas pessoas pressentem a morte próxima?
Resposta. – Um Espírito benévolo queria afastar da minha mente esse momento que, embora sem o confessar, por fraqueza eu o temia, não obstante o que já sabia sobre o futuro do Espírito.
6. Havíeis vos aprofundado seriamente na ciência espírita. Poderíeis dizer-nos, se, ao entrar no mundo dos Espíritos, encontrastes as coisas tais como se vos afiguravam?
Resposta. – Aproximadamente a mesma coisa, exceto algumas questões de detalhe, que eu havia compreendido mal.
7. A leitura atenta que fazíeis da Revista Espírita e de O Livro dos Espíritos vos auxiliaram muito nisso?
Resposta. – Incontestavelmente. Foi, sobretudo, o que preparou a minha entrada na verdadeira vida.
8. Experimentastes um sobressalto qualquer quando vos encontrastes no mundo dos Espíritos?
Resposta. – Impossível que não fosse de outro modo; mas sobressalto não é bem o termo: admiração, de preferência. É tão difícil fazer uma ideia do que possa ser isso!
Observação. – Aquele que, antes de ir habitar um país, o
estudou nos livros, identificou-se com os costumes de seus habitantes,
sua configuração, seu aspecto, por meio de desenhos, de plantas e de
descrições, sem dúvida fica menos surpreendido do que aquele que não
possui nenhuma ideia. Entretanto, mostra-lhe a realidade uma porção
de detalhes que ele não tinha previsto e que o impressionam. Deve dar-se
o mesmo no mundo dos Espíritos, cujas maravilhas não podemos compreender,
porquanto há coisas que ultrapassam o nosso entendimento.
9. Deixando o corpo, vistes e reconhecestes imediatamente os Espíritos que vos cercavam?
Resposta. – Sim, e Espíritos queridos. n
10. Que pensais agora do futuro do Espiritismo?
Resposta. – Um futuro ainda mais belo do que imaginais, malgrado vossa fé e vosso desejo.
11. Vossos conhecimentos no tocante aos assuntos espíritas sem dúvida vos permitirão responder com precisão a algumas perguntas. Poderíeis descrever claramente o que se passou convosco no instante em que vosso corpo deu o último suspiro e o vosso Espírito se achou livre?
Resposta. – Pessoalmente acho muito difícil encontrar um meio de vos fazer compreender de outra maneira o que já foi feito, comparando a sensação que experimentamos ao despertar de um sono profundo. Esse despertar é mais ou menos lento e difícil, em razão direta da situação moral do Espírito, e nunca deixa de ser fortemente influenciado pelas circunstâncias que acompanham a morte.
Observação. – Isto concorda com todas as observações que
foram feitas sobre o estado do Espírito no momento de separar-se do
corpo. Vimos sempre as circunstâncias morais e materiais que
acompanham a morte reagirem poderosamente sobre o estado do Espírito
nos primeiros momentos.
12. Vosso Espírito conservou a consciência de sua existência até o último momento e a recobrou imediatamente? Houve um instante de falta de lucidez? Qual foi a sua duração?
Resposta. – Houve um instante de perturbação, mas quase inapreciável para mim.
13. O momento de despertar teve algo de penoso?
Resposta. – Não; pelo contrário. Sentia-me alegre e disposto, se assim posso falar, como se tivesse respirado um ar puro ao sair de uma sala enfumaçada.
Observação. – Comparação engenhosa e que não pode ser senão
a expressão da verdade.
14. Lembrai-vos da existência que tivestes antes da que acabais de deixar? Qual foi ela?
Resposta. – Melhor não poderia lembrar. Eu era um bom criado junto de um bom senhor, que me recebeu ao mesmo tempo em companhia de outros, à minha entrada neste mundo bem-aventurado.
15. Creio que vosso irmão se ocupa menos das questões espíritas do que vos ocupáveis.
Resposta. – Sim; farei com que ele tome mais interesse, se isso me for permitido. Se ele soubesse o que ganhamos com isso, dar-lhes-ia mais importância.
16. Vosso irmão encarregou o Sr. B… de me comunicar a vossa morte. Ambos esperam, impacientes, o resultado de nossa conversa; mas serão ainda mais sensíveis a uma lembrança direta de vossa parte se quiserdes incumbir-me de dizer-lhes algumas palavras, para eles e para outras pessoas que vos pranteiam.
Resposta. – Direi a eles, por vosso intermédio, o que eu mesmo lhes teria dito, mas receio muito não ter mais influência junto a alguns deles, como outrora. No entanto eu os conjuro, no meu e no nome de seus amigos, que vejo, a refletir e estudar seriamente esta grave questão do Espiritismo, ainda que fosse pelo auxílio que ela traz para passar esse momento tão temido pela maior parte, e tão pouco assustador para aquele que se preparou previamente pelo estudo do futuro e pela prática do bem. Dizei-lhes que estou sempre com eles, em meio a eles, que os vejo e que serei feliz se suas disposições puderem assegurar-lhes, no mundo em que me encontro, um lugar de que só terão de se felicitar. Dizei-o sobretudo ao meu irmão, cuja felicidade é o meu mais caro desejo, do qual não me esqueço, embora eu seja mais feliz.
17. A simpatia que tivestes a bondade de me testemunhar em vida, mesmo sem jamais ter-me visto, faz-me esperar que nos encontremos facilmente quando eu estiver entre vós. E até lá serei feliz se vos dignardes assistir-me nos trabalhos que me restam fazer para concluir a minha tarefa.
Resposta. – Julgais-me com excessiva benevolência; no entanto, convencei-vos de que, se vos puder ser de alguma utilidade, não deixarei de o fazer, talvez mesmo sem que o suspeiteis.
18. Agradecemos por terdes atendido ao nosso apelo, e pelas instrutivas explicações que nos destes.
Resposta. – À vossa disposição. Estarei muitas vezes convosco.
Observação. – Incontestavelmente esta comunicação é uma das
que descrevem a vida espírita com a maior clareza. Oferece um poderoso
ensino no que diz respeito à influência que as ideias espíritas exercem
sobre a nossa situação depois da morte.
Esta conversa parece haver deixado algo a desejar ao amigo que nos participou a morte do Sr. J… “Este último – respondeu ele – não conservou na linguagem o cunho da originalidade que tinha conosco. Mantém uma reserva que não observava com ninguém; seu estilo, incorreto e vacilante, afetava inspiração. Entre nós ele ousava tudo; derrotava quem quer que formulasse uma objeção contra suas crenças. Reduzia-nos em pedaços para nos convencer. Em sua aparição psicológica não dá a conhecer nenhuma particularidade das numerosas relações que tinha com uma porção de pessoas que frequentava. Todos nós gostaríamos de nos ver citados por ele, não para satisfazer a curiosidade, mas para nossa instrução. Gostaríamos que nos tivesse falado claramente de algumas ideias por nós emitidas em sua presença, em nossas conversas. A mim, pessoalmente, poderia ter dito se eu tinha ou não tinha razão de deter-me em tal ou qual consideração; se aquilo que eu lhe havia dito era verdadeiro ou falso. De modo algum nos falou de sua irmã, ainda viva e tão digna de interesse.”
De acordo com esta carta evocamos novamente o Sr. J…, dirigindo-lhe as seguintes perguntas:
19. Tomastes conhecimento da carta que recebi em resposta à que se referia à vossa evocação?
Resposta. – Sim; vi quando a escreviam.
20. Teríeis a bondade de dar algumas explicações sobre certas passagens dessa carta e isso, como bem o compreendeis, com um fim instrutivo, unicamente para me fornecer elementos para uma resposta?
Resposta. – Se o considerais útil, sim.
21. Acharam estranho que a vossa linguagem não tenha conservado o cunho da originalidade. Parece que em vida éreis severo na discussão.
Resposta. – Sim, mas o Céu e a Terra são muito diferentes e aqui encontrei mestres. Que quereis? Eles me impacientavam com suas objeções extravagantes; eu lhes mostrava o Sol e não o queriam ver. Como manter o sangue-frio? Aqui não temos que discutir; todos nos entendemos.
22. Esses senhores admiram-se de que não os tenhais interpelado nominalmente para os refutar, como fazíeis em vida.
Resposta. – Que se admirem! Eu os espero. Quando vierem juntar-se a mim, verão qual de nós estava com a razão. Será necessário que venham para cá, queiram ou não queiram, e uns mais cedo do que imaginam. Sua jactância cairá como a poeira abatida pela chuva; sua bazófia… (aqui o Espírito se detém e recusa concluir a frase).
23. Eles inferem que não lhes demonstrais todo o interesse que julgavam esperar de vós.
Resposta. – Desejo-lhes o bem, mas nada posso fazer contra a vontade deles.
24. Surpreendem-se, igualmente, de que nada tenhais dito sobre vossa irmã.
Resposta. – Acaso eles estão entre mim e ela?
25. O Sr. B… gostaria que tivésseis dito algo do que vos contou na intimidade; para ele e para os outros teria sido um meio de esclarecimento.
Resposta. – De que serviria repetir o que ele já sabe? Pensa que não tenho outra coisa a fazer? Não dispõem dos mesmos meios de esclarecimento que tive? Que os aproveitem! Garanto-lhes que se sentirão bem. Quanto a mim, bendigo o céu por ter enviado a luz que me abriu o caminho da felicidade.
26. Mas é justamente essa luz que eles desejam e que ficariam felizes se a recebessem de vós.
Resposta. – A luz brilha para todos; cego é aquele que não quer ver: cairá no precipício e amaldiçoará a sua cegueira.
27. Vossa linguagem me parece marcada por grande severidade.
Resposta. – Eles não me acharam brando demais?
28. Nós vos agradecemos por terdes vindo e pelos esclarecimentos que nos destes.
Resposta. – Sempre à vossa disposição, pois sei que é para o bem.
[1] [Correção: Não há o número 9 no original, a sequência numérica foi corrigida pelo compilador.]