Senhor Presidente,
“Não é de 1853, época em que os Espíritos começaram a manifestar-se pelo movimento
das mesas e por pancadas, que data o restabelecimento das evocações.
No histórico do Espiritismo, que lemos em vossas obras, não mencionais
uma Sociedade como a nossa, cuja existência, com grande surpresa minha,
foi revelada por Mercier, †
em seu
Tableau de Paris — Google Books, edição de 1788, no capítulo
intitulado Spiritualistes, 12º volume. Eis o que ele diz:
“Por que a Teologia, a Filosofia e a História mencionam várias aparições de Espíritos, de gênios ou de demônios? A crença de uma parte da Antiguidade era a de que cada homem tinha dois Espíritos: um bom, que convidava à virtude, e outro mau, que incitava ao mal.
“Uma seita nova acredita no retorno dos Espíritos a este mundo. Ouvi várias pessoas que estavam realmente persuadidas de que há meios para os evocar. Estamos rodeados por um mundo que não percebemos. À nossa volta estão seres dos quais não fazemos a menor ideia; dotados de uma natureza intelectual superior, eles nos veem. Não há vazio no Universo: eis o que asseguram os adeptos da ciência nova.
“Assim, a volta das almas dos mortos, aceita em toda a Antiguidade, de que zombava a nossa filosofia, é hoje aceita por homens que não são nem ignorantes, nem supersticiosos. Todos esses Espíritos, aliás chamados na Escritura os Príncipes do Ar, estão sempre sob as ordens do Senhor da Natureza. Aristóteles diz que os Espíritos aparecem frequentemente aos homens por necessitarem uns dos outros. Não me refiro aqui senão ao que nos dizem os partidários da existência dos gênios.
“Se acreditamos na imortalidade da alma precisamos admitir que essa multidão de Espíritos pode manifestar-se depois da morte. Entre essa imensidade de prodígios de que estão cheios todos os países da Terra, se ocorrer um só, a incredulidade será um contrasenso. Creio, portanto, que não haveria menos temeridade em negar do que em sustentar a verdade das aparições. Estamos num mundo desconhecido.”
Não se poderá acusar Mercier de incredulidade e de ignorância. No extrato que precede vemos que não rejeita a priori as manifestações dos Espíritos, conquanto não tenha tido ocasião de as testemunhar. Entretanto, como homem prudente, adiava seu julgamento até maiores informações. A propósito do já havia dito: “Isto é tão misterioso, tão profundo e tão inacreditável que devemos rir, ou cair de joelhos. Eu não faço nem uma coisa, nem outra: observo e espero.
Seria interessante saber por que essas evocações, retomadas em 1788, foram interrompidas até 1853. Teriam os membros da Sociedade, que delas se ocupavam, perecido durante a Revolução? É lamentável que Mercier não tenha revelado o nome do presidente daquela Sociedade.
Recebei, etc.
Det…
Membro titular da Sociedade.
Observação. – O fato relatado por Mercier tem uma importância
capital e um alcance que ninguém poderá desconhecer. Prova, já naquela
época, que homens apreciáveis por sua inteligência ocupavam-se seriamente
com a ciência espírita. Quanto à causa que levou à extinção dessa Sociedade,
é provável que as perturbações que se seguiram tiveram um grande papel
em tudo isso; mas não é exato dizer que as evocações foram interrompidas
até 1853. É verdade que em torno dessa época as manifestações tiveram
um maior desenvolvimento, mas está provado que elas jamais cessaram.
Em 1818 tivemos em mãos uma notícia manuscrita sobre a Sociedade dos
Teósofos, que existia no começo deste século e que pretendia, através
do recolhimento e da prece, entrar em comunicação com os Espíritos;
era, provavelmente, a continuação da Sociedade de que nos fala Mercier.
Desde o ano 1800 o célebre Abade
Faria, de acordo com um cônego seu amigo, antigo missionário no
Paraguai, ocupava-se da evocação e obtinha comunicações escritas. Todos
os dias ficávamos sabendo que certas pessoas as obtinham em Paris, muito
antes que se cogitasse dos Espíritos na América. Mas é preciso dizer
também que antes dessa época todos aqueles que possuíam semelhante conhecimento
faziam mistério; hoje, que é do domínio público, ele se vulgariza, eis
toda a diferença. Se fosse uma quimera não se teria implantado em alguns
anos nos cinco continentes; o bom-senso já lhe teria feito justiça,
precisamente porque cada um está em condições de ver e de compreender.
Certamente ninguém contestará o progresso que essas ideias fazem diariamente,
e isso nas camadas mais esclarecidas da sociedade. Ora, uma ideia que
demanda o raciocínio, que cresce e se plenifica pela discussão e pelo
exame, não tem as características de uma utopia.