O Caminho Escritura do Espiritismo Cristão.
Doutrina espírita - 1ª parte.

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Revista espírita — Ano II — Novembro de 1859.

(Idioma francês)

Urânia.

Fragmentos de uma poema do Sr. de Porry, de Marselha.

Abri aos gritos meus, ó véus do santuário!

Que esteja em treva o mau, o bom no iluminário!

Agite-se o meu peito à santa claridade

Em cintilante flux, dardejando a verdade!

Ó pensadores, vós que nas ações coevas

Prometei-nos a luz e só nos dais as trevas,

Que em vossos sonhos vãos, ilusões levianas,

Embalais sem cessar as desgraças humanas,

Em concílios que tanto orgulho vos requer.

Confundidos sereis por voz de uma mulher!

O Deus que vós quereis do Universo banir,

Ou talvez pretendais com risos definir,

E que quereis em vão sondar a Sua essência,

Presente O tendes vós em vossa consciência;

E quem quer que se dando a debates sutis

Tão alto O ousa negar em secreto O condiz!

Tudo, por Seu querer, nasce, vive e se alterna:

É princípio supremo – a própria vida eterna;

Tudo n’Ele repousa: Espírito e matéria;

Se Ele lhe nega o sopro … eis a morte sidérea!

Um dia disse o ateu: “Ah, Deus é uma quimera;

Filha do acaso, a vida é apenas uma espera;

O mundo que o homem fraco ao nascer é lançado

É regido por leis do que é necessitado.

Se a morte nos apaga os sentidos em chama,

Do nada o abismo, então, de novo nos reclama;

Da imutável natura, em seu curro eternal.

Nossos restos recolhe o seio maternal.

Gozemos, pois, então, os seus curtos favores;

Nossas frontes em luz coroam-se de flores;

Só o prazer é Deus: em nossos desatinos

Incitamos furor nos mutáveis destinos!

Mas logo que a consciência, a interna vingadora,

Insensato! Mostrar-te a culpa embriagadora,

O pobre repelido em gesto desumano,

O crime que manchou as tuas mãos de insano,

Sairá do seio escuro e da matéria cega

E no teu coração surge a luz que renega

Os teus crimes e os põe ao teu olhar ansioso,

Fazendo-te, que horror! de ti mesmo odioso?

Do soberano, então, que a tua audácia ainda

Quer negar, sentirás sua pujança infinda

A oprimir-te e a assediar-te, e embora os teus esforços,

Em revelar-te a ti no grito dos remorsos!…

Os homens evitando em sua inquietude

Busca dos matagais a atroz solicitude;

E crês que ao percorrer das sombras os ermos seus

Conseguirás fugir da presença de Deus!

Sobre a presa vencida o tigre dorme em paz;

O homem vigia em sangue e em trevas abismais,

De olhar apavorado em vislumbrante horror;

Treme-lhe o corpo envolto em frígido suor;

Um ruído sinistro invade-lhe os ouvidos;

De fantasmas cruéis rodeiam-lhe bramidos;

Sua terrível voz confessa os erros seus

E clama com terror: Graça, graça, ó meu Deus!

Sim, o remorso, enfim, carrasco da ciência,

Que nos revela em Deus nossa imortal essência;

E muitas vezes faz de um nobre criminoso,

Por arrependimento, um mártir glorioso;

Dos brutos separando a humana criatura,

Eis do remorso a chama em que a alma se depura

E é por seu aguilhão o ser regenerado,

Pela escala do bem se faz mais elevado.


Sim a verdade brilha, e do soberbo ateu

O sentimento audaz refuta o esplendor seu.

O panteísmo vem expor por sua vez

De um argumento vão a insensata aridez:

Fascinados mortais por um sonho risível

Onde ireis encontrar o Grão-Ser invisível?

Ei-lo diante de vós o eterno Grande-Todo;

Tudo lhe, forma a essência e ele resume o todo;

Deus resplende no Sol, verdeia na folhagem,

Ruge pelo vulcão e troa na voragem,

Floresce nos jardins, pelas águas murmura,

Suspirando na voz das aves com ternura,

E dos ares a cor, faz diáfanos tecidos;

É ele que nos anima os órgãos entretidos;

É ele que pensa em nós, cada ser mais diverso;

Tudo, pois, é ele mesmo; esse Deus é o Universo.

O que! Mostrar-se Deus a si mesmo contrário!

É ovelha e lobo, rola e víbora! Tão vário

E se faz, vez por vez, pedra, planta, animal;

Combina-se o seu ser ora ao hem ora ao mal,

Corre todos os graus desde o bruto ao arcanjo!…

Ser ele luz e lama é antítese de arranjo!

Ele é bravo e covarde, é pequeno e gigante,

Imortal e mortal, verídico e farsante! …

É ele ao mesmo tempo a vítima e o agressor,

Que ora rola no crime, ora cultiva o amor;

Lamettrie e Platão, ou Marco-Aurélio e Nero,

E Sócrates, o sábio, e Mélitos; é vero

Que possa ao mesmo tempo o bem e o mal servir!

Ele mesmo se afirma e nega definir!

Is contra a própria essência afia o gume eterno,

Se volta ao paraíso e se condena ao inferno,

Invoca o nada; e assim, por cúmulo de injúria

A própria obra maldiz com sua voz em fúria!…

Oh! não, mil vezes não, tal dogma monstruoso

Jamais pode nascer num coração virtuoso.

Imerso em seu remorso onde o crime se expia,

O temerário autor da doutrina doentia,

No seio do prazer sentiu-se apavorar

Ante a imagem de um Deus que não pode negar;

E para se eximir – blasfêmia da blasfêmia —

Ele o uniu a este mundo e fez-se-lhe alma gêmea.

Ainda bem que o ateu, premido e atormentado,

Ousando negar Deus, não O faz degredado.


Oh! Deus que a raça humana O busca sem cessar,

Deus, que não conhecendo, O temos que adorar,

Dos seres todos é um só princípio e fim:

Mas para O alcançar, qual o caminho, enfim?

Não é pela Ciência, efêmera miragem

Que nos fascina o olhar com fulgurante imagem,

E que frustrando sempre um incapaz querer,

Desfaz-se sob a mão que O julgava deter!

Sábios, acumulais escombros sobre escombros

E tais sistemas vãos não vão além de assombros!

Esse Deus que ninguém pode ver sem morrer,

Cuja essência contém um terrível poder,

Mas sabe aos filhos seus nutrir de terno amor,

Só o podes compreender lhe igualando em dulçor!

Ah! para a Ele se unir e reencontrá-lo um dia,

A alma deve voar como o Amor o faria.

Atiremos ao vento o orgulho, a vã descrença;

Deus, Ele mesmo aplaina os caminhos da crença;

Seu infinito amor jamais desencontrou

De uma alma que, sincera, ansiosa O procurou,

E que, calcando aos pés, a riqueza e o prazer,

Aspira se integrar em seu supremo Ser.

Porém esse Deus que ama o coração piedoso,

Que baniu de seu seio o déspota orgulhoso,

Que se oculta do sábio e se entrega ao prudente,

Não quer se repartir como o amante inclemente;

E, para O merecer faz-se preciso opor

Às ilusões do mundo um firme desamor.

Felizes filhos seus, que afastados de tudo,

Têm no belo, no bom, no verdadeiro o estudo!

Feliz é o homem justo entregue todo inteiro

Ao tríplice clarão desse foco altaneiro!

Em meio às aflições de um cortejo fecundo,

Num círculo restrito ao nosso pobre mundo,

A um oásis parece a florir num deserto,

E o tesouro da Fé à sua alma está aberto;

E Deus, sem se mostrar, o coração lhe invade,

E a alegria lhe dá de incontida verdade.

Então o homem prudente aceita o seu destino;

E com serena paz acolhe o bem divino;

E quando a noite o envolve em seu véu constelado

Ele dorme tranquilo e feliz, e embalado,

Num sonhar que inebria o terno coração,

Um celeste antegozo e de suprema unção.


Tua alma que tem sede ardente da verdade

Da Criação quer sondar toda a profundidade?…

Como um pintor, primeiro apronta a tua mente

A tela que o pincel irá tornar patente,

Do eterno tudo sai por sua luz natura,

Mas sem se confundir com sua criatura

Que tendo recebido o espírito dos céus,

É livre de falir ou de elevar-se a Deus.

Obra de sua mente ou de sua palavra,

Parte cada criação de seu seio… e lavra,

Num círculo sem fim e de leis imutáveis,

Com destino escolhido e fins realizáveis.

Como artista Deus pensa antes de produzir.

Assim, o que produz poderá destruir;

E, fonte perenal de cada ser diverso,

Dos astros que semeia em luz pelo Universo,

Deus, o infrene Poder, de sua Vida eterna,

A suas criações transmite uma luzerna.

O livro ou quadro então pelo artista criado,

É inerte produção, jaz imobilizado;

Mas o Verbo de luz, vindo do Onipotente

Destaca-se e se faz por si próprio existente;

Sem cessar se transforma e nunca é perecível;

Do metal se projeta o espírito invisível,

O Verbo criador adormece na planta,

Sonha no animal e no homem se levanta;

De degrau em degrau a descer e a subir

Se agrega à Criação em sublime fulgir,

Do éter na ondulação forma imensa cadeia

Que na pedra começa e no arcanjo se alteia.

Obedecendo às leis que regem atos seus,

Cada ser se aproxima ou se afasta de Deus;

Seja o que ao bem se dá ou quem o mal atrai,

Cada ser racional por si se eleva ou cai.

Ora, se o homem habita a atmosfera do mal,

Rebaixa-se ele em crime ao nível do animal;

Em anjo se transforma o homem puro, e esse anjo

De degrau em degrau pode tornar-se arcanjo.

Em seu trono brilhante esse arcanjo assentado,

Seu caráter real estará conservado,

Ou de seu brilho a luz da própria Onipotência

Bem pode assimilar uma perfeita essência.

Mais de um arcanjo, assim, no celeste esplendor

A Deus se reuniu por excesso de amor;

Mas outros, invejando a glória soberana,

No fascínio do orgulho – este pai da ira insana –

Tem querido julgar os decretos de Deus,

E na noite imergir dos escaninhos seus;

Esse Deus cujo olhar em pó se tornaria,

Somente os abrasou com a luz que ele irradia.

Transtornados, depois, pelo Universo errantes

Sempre assaltados são de remorsos hiantes

Esses anjos sem norte em audácia funesta,

Não ousam mais do céu mostrar-se numa fresta,

E a vergonha a aguçando o aguilhão mordaz,

Lança seu coração às vascas infernais,

Enquanto o homem de bem, as provas cumpridas,

Se eleva ao paraíso em glórias incontidas.

Todos os mundos, pois, semeados no infinito

Que ferem teu olhar com seu fulgor bendito,

E que rola do espaço a vaga universal,

Há Espíritos também, na escala espacial.

Vários globos que estão quais focos luminosos

São abrigos de luz, celestiais, grandiosos

Onde vagam no espaço, em planos distanciados,

As multidões em luz de Espíritos graduados.

Há mundos de pureza e mundos em deslizes:

Reinam sem objeção sobre os mundos felizes

Três cetros divinais – são honra, amor, justiça,

Da ordem social cimentando a premissa;

E amados sem cessar pelos seus habitantes,

Constituem penhor de venturas constantes.


De outros globos, girando em lôbregas vertigens,

Não aprovados são dos anjos, nas origens,

Esses mundos que, enfim, sofrem sua desgraça,

Pelas suas trocando as leis de Deus sem jaça;

E sobre o solo seu brama horrível tormenta,

Na qual a multidão impura se lamenta.

Nosso globo noviço, em seus passos primeiros,

Até hoje flutua entre esses dois roteiros.

Ultrajando a moral e a própria Natureza,

Quando um mundo do crime excede-se em defesa;

Quando o povo mergulha em prazeres frementes,

Os ouvidos fechando aos profetas videntes;

Que o Verbo divino o mais ligeiro traço

Nesse mundo se apaga enceguecido e baço,

Então do Onipotente a cólera a ferver

Sobre o rebelde cai e o leva a perecer:

Arcanjos da justiça, então de asas possantes,

Batem na ímpia Terra… e os mares ululantes

De sua imensa altura, indo além de seus níveis,

Precipitam no solo os vagalhões terríveis;

Estrondeiam vulcões num ribombar profundo,

Pelo éter dispersando os resíduos do mundo;

E o Soberano Ser, cuja vingança explode,

Destrói o globo atroz que nele crer não pode!


Nossa Terra medíocre é uma estância de prova,

Onde o justo sofrendo, em prantos se renova,

Que a lágrima depura e eleva o coração,

Lhe preparando o mundo para evolução.

Não é portanto em vão que o sono repousante,

Num transporte nos leva a um sonho inebriante,

E num rápido impulso estamos conduzidos

Num novo astro de luz de brilhos refulgidos;

Onde cremos vagar por verdejantes prados

Corridos sem cessar por seres ajuizados;

Nós vemos este globo adornado de sóis

Brancos, rubros, azuis como nos arrebóis,

Que, em seus ares, fulgindo os tons mais variados,

Deixam de almos clarões os campos matizados!…

Se manténs neste mundo um coração,

A esses globos irás de aspecto luxuoso

Onde risonha é a paz junto à sabedoria,

Ali só reina o bem em eterna harmonia.

Sim, tua alma percebe as radiosas moradas

Que os favores do Céu fazem embelezadas,

Onde a alma se depura e sobe, pouco a pouco,

Enquanto o mau regride em seu caminho louco.

Mas o reino do mal, em seus anéis fatais,

Desce de giro em giro a abismos infernais.


Espelho que reflete imagens de universos,

Nossa alma pressagia os destinos diversos.

A alma, energia viva, reage os seus sentidos,

Que lhe atendem de pronto aos mínimos pedidos –

Que como chama presa em um vaso de argila,

Com seu forte calor a prisão aniquila –

A alma que ainda retém lembrança do passado

E às vezes sabe ler no futuro afastado,

Não a centelha só desse fogo vital,

Tu sentes mesmo, em ti, que tua alma é imortal.

Nas regiões do espaço e em toda a eternidade,

Guardando a sua estada e sua identidade,

A alma nunca morre, apenas se transporta,

E, de asilo em asilo, ela sempre se exorta.

Nossa alma ao se isolar do mundo exterior,

Poderá conquistar um sentir superior;

E pela embriaguez de um sonho então magnético,

Se armar de outra visão ou de algum dom profético;

Ao libertar-se, pois, dos liames terrenais,

Facilmente percorre os planos celestiais;

E, de um salto veloz, lança-se ao firmamento,

Vê através de tudo e lê o pensamento.



[Sobre o Sr. de Porry, vide o artigo anterior: Médiuns sem o saber.]


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