O Caminho Escritura do Espiritismo Cristão.
Doutrina espírita - 1ª parte.

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Revista espírita — Ano II — Março de 1859.

(Idioma francês)

Plínio, o moço.

CARTA DE PLÍNIO, O MOÇO, A SURA – LIVRO VII – CARTA 27. n

(Sumário)


1. — O repouso que desfrutamos permite que ensineis e me permite aprender. Gostaria, pois, de saber se os fantasmas têm algo de real, se têm uma verdadeira fisionomia, se são gênios ou se não passam de imagens vãs, delineadas por imaginações perturbadas pelo temor. O que me leva a crer que há verdadeiros espectros é o que me disseram ter acontecido a Curtius Rufus. Na época em que ele não possuía nem fortuna nem nome, havia acompanhado à África aquele a quem coubera o governo. Ao cair da noite, passeava sob um pórtico quando uma mulher, de uma imagem e de uma beleza sobre-humanas, se lhe apresentou e disse-lhe: “Eu sou a África. Venho predizer o que te vai acontecer. Irás a Roma,  †  ocuparás os maiores cargos e, em seguida, voltarás para governar esta província, onde morrerás.”

Tudo aconteceu como ela havia predito. Diz-se mesmo que aportando em Cartago,  †  ao sair do navio a mesma figura se apresentou a ele, vindo ao seu encontro no cais.

“O que há de verdade é que ele caiu doente e, julgando o futuro pelo passado, a infelicidade que o ameaçava pela boa sorte que havia desfrutado, logo desesperou de sua cura, a despeito da opinião otimista dos seus.


 2. — “Mas eis aqui uma outra história, não menos surpreendente e bem mais aterradora. Vou narrá-la tal qual a recebi: “Havia em Atenas  †  uma casa muito grande e muito confortável, mas desacreditada e deserta. No mais profundo silêncio da noite ouviam-se ruídos de ferros e, caso se prestasse mais atenção, um ruído de correntes, que de início parecia vir de longe para, em seguida, aproximar-se. Logo surgia um espectro semelhante a um velho, muito magro, bastante abatido, com uma longa barba, cabelos arrepiados, corrente nos pés e nos pulsos, que sacudia horrivelmente. Daí as noites horrorosas e insones para os habitantes daquela casa. A insônia prolongada trazia a doença, e esta, redobrando o pavor, era seguida da morte. Durante o dia, embora o espectro não aparecesse, a impressão que havia deixado o revivia sempre aos olhos de todos e o medo causado provocava novo temor. Por fim, a casa foi abandonada e deixada inteiramente ao fantasma. Entretanto, puseram um aviso de que estava exposta à venda ou para alugar, no pressuposto de que alguém, menos avisado de tão terrível incômodo, viesse a ser enganado.

“O filósofo Atenodoro veio a Atenas. Viu o aviso e perguntou o preço. A modicidade fez que desconfiasse; procurou informar-se. Contaram-lhe a história e, longe de interromper o negócio, cuidou de concluí-lo sem demora. Instalou-se e à tarde ordenou que preparassem seu leito no aposento da frente, que lhe trouxessem suas tabuinhas de escrever, sua pena e uma luz, e que as demais pessoas se retirassem para os fundos da casa. Temendo que sua imaginação chegasse a um temor tão frívolo que o fizesse acreditar em fantasmas, aplicou sua mente, seus olhos e sua mão a escrever. No início da noite um profundo silêncio reinou pela casa como por toda parte. Em seguida começou a ouvir o entrechoque de ferros e o barulho das correntes; não levantou os olhos nem deixou sua pena; tranquilizou-se e se esforçou para escutar. O ruído aumentava e se achegava a ele; parecia surgir ao lado da porta do quarto. Ele olhou e percebeu o espectro, tal qual lho haviam descrito.

O fantasma estava de pé e o chamava com o dedo. Com a mão Atenodoro fez-lhe um sinal para que esperasse um pouco, continuando a escrever como se nada estivesse acontecendo. O espectro recomeçou o barulho com as correntes, ferindo os ouvidos do filósofo. Este olhou ainda uma vez e percebeu que continuava sendo chamado com o dedo. Então, sem mais demora, levantou-se, tomou da luz e o seguiu. O fantasma marchava a passo lento, como se o peso das correntes o oprimisse. Chegando ao pátio da casa, desapareceu de repente, deixando ali nosso filósofo, que apanhou ervas e folhas e as colocou no local em que ele o havia deixado, a fim de o poder reconhecer. No dia seguinte foi procurar os magistrados e pediu que mandassem escavar aquele lugar. Cavaram e encontraram ossos ainda presos às correntes; o tempo havia consumido as carnes. Depois que tudo foi cuidadosamente reunido fizeram o enterro publicamente, prestaram ao morto as derradeiras homenagens e, desde então, nada mais perturbou o sossego daquela casa.

“O que acabo de relatar eu o creio sob a palavra de outrem. Mas eis o que posso assegurar aos outros sob a minha própria fé:


 3. — “Tenho um liberto chamado Marcus, que absolutamente não é ignorante. Estava deitado com o seu irmãozinho quando lhe pareceu ver alguém sentado em seu leito e que aproximava uma tesoura de sua cabeça e chegava a cortar-lhe os cabelos acima da fronte. Quando o dia nasceu percebeu que os cabelos haviam sido cortados no alto da cabeça e estavam espalhados à sua volta. Pouco depois semelhante aventura aconteceu com um de meus familiares e não mais me permiti duvidar da veracidade da outra. Um de meus jovens escravos dormia com seus companheiros no lugar que lhes era destinado. Dois homens vestidos de branco — é assim que ele o contava — vieram pela janela, rasparam-lhe a cabeça enquanto estava deitado e se foram como tinham vindo. À luz do dia seguinte encontraram-no tosquiado, como haviam encontrado o outro, e os cabelos cortados achavam-se esparsos no chão.

 “Essas aventuras não tiveram nenhuma consequência, a não ser que fui acusado perante Domiciano, sob cujo império elas ocorreram. Eu não teria escapado se ele tivesse vivido, pois encontraram em sua pasta uma petição contra mim, dada por Carus. Daí se pode conjecturar que, como o costume dos acusados é negligenciar os cabelos e deixá-los crescer, aqueles que haviam cortado os da minha gente indicavam que eu estava fora de perigo. Suplico, pois, que ponhais aqui toda a vossa erudição. O assunto é digno de profunda meditação e talvez eu não seja indigno de participar de vossas luzes. Se, conforme é vosso costume, fizerdes um balanço das duas opiniões contrárias, fazei com que a balança penda para algum lado, a fim de me tirar da inquietude em que me encontro, já que não vos consulto senão por isso. Adeus.”


4. RESPOSTAS DE PLÍNIO, O MOÇO, AS PERGUNTAS QUE LHE FORAM DIRIGIDAS NA SESSÃO DA SOCIEDADE DO DIA 28 DE JANEIRO DE 1859.

1. Evocação.

Resposta. – Falai; eu responderei.


2. Embora estejais morto há 1743 anos, tendes recordação de vossa existência em Roma ao tempo de Trajano?

Resposta. – Por que, então, nós, Espíritos, não nos haveríamos de recordar? Lembrais-vos de muitos atos de vossa infância. Que é, pois, para o Espírito uma existência passada, senão a infância das existências pelas quais devemos passar antes de chegarmos ao fim de nossas provas? Toda existência terrena ou envolvida pelo véu material é uma caminhada para o éter e, ao mesmo tempo, uma infância espiritual e material: espiritual porque o Espírito ainda se acha no começo das provas; e material porque apenas está adentrando as fases mais grosseiras pelas quais deve passar, a fim de depurar-se e instruir-se.


3. Poderíeis dizer-nos o que tendes feito desde aquela época?

Resposta. – Seria longo dizer o que fiz; procurei fazer o bem; sem dúvida não quereis passar horas inteiras até que eu conte tudo; contentai-vos, pois, com uma resposta. Repito: procurei fazer o bem, instruir-me e levei criaturas terrestres e errantes a se aproximarem do Criador de todas as coisas, daquele que nos dá o pão da vida espiritual e material.


4. Que mundo habitais agora?

Resposta. – Pouco importa; estou um pouco em toda parte; o espaço é o meu domínio, bem como o de muitos outros. São questões que um Espírito sábio e esclarecido pela luz santa e divina não deve responder ou somente fazê-lo em ocasiões muito raras.


5. Numa carta que escrevestes a Sura relatais três casos de aparição. Lembrai-vos deles?

Resposta. – Eu os confirmo, porque são verdadeiros. Tendes fatos semelhantes diariamente, aos quais não prestais a menor atenção; são bastante simples, contudo, à época em que eu vivia nós os achávamos surpreendentes. Não vos deveis admirar; deixai de lado essas coisas, pois tendes outras bem mais extraordinárias.


6. Entretanto, gostaríamos de vos dirigir algumas perguntas a respeito.

Resposta. – Contanto que eu vos responda de maneira geral; isto vos deve bastar. Perguntai, pois, se fizerdes questão absoluta; serei, no entanto, lacônico em minhas respostas.


7. No primeiro caso, uma mulher aparece a Curtius Rufus e lhe diz que é a África. Quem era essa mulher?

Resposta. – Uma grande figura. Parece-me que ela é muito simples para homens esclarecidos, tais os do século XIX.


8. Qual a razão que impelia o Espírito que apareceu a Atenodoro, e por que aquele ruído de correntes?

Resposta. – Marca da escravidão, manifestação; meio de convencer os homens, de chamar-lhes a atenção, fazendo falar da coisa e provar a existência do mundo espiritual.


9. Defendias, perante Trajano, a causa dos cristãos perseguidos. Foi por simples razões humanitárias ou por convicção da veracidade de sua doutrina?

Resposta. – Eu tinha os dois motivos, mas o aspecto humanitário ocupava o segundo lugar.


10. Que pensais do vosso panegírico de Trajano?

Resposta. – Ele teria necessidade de ser refeito.


11. Escrevestes uma história do vosso tempo que se perdeu. Poderíeis reparar essa perda no-la ditando?

Resposta. – O mundo dos Espíritos não se manifesta especialmente por estas coisas. Tendes certos tipos de manifestações, mas elas têm o seu objetivo: são outras tantas balizas, fincadas à direita e à esquerda na grande estrada da verdade; mas deixai-as de lado e não vos ocupeis com isso nem a isso consagreis os vossos estudos. A nós compete o cuidado de ver e julgar aquilo que vos importa saber. Cada coisa tem seu tempo; não vos afasteis, pois, da linha que vos traçamos.


12. Folgamos em prestar justiça às vossas boas qualidades e, sobretudo, ao vosso desinteresse. Dizem que não exigíeis coisa alguma dos clientes que defendíeis. Esse desinteresse era assim tão grande em Roma quanto o é entre nós?

Resposta. – Não lisonjeeis as minhas qualidades passadas. Não lhes atribuo nenhuma importância. O desinteresse não é muito cultivado em vosso século. Em cada duzentos homens encontrareis apenas um ou dois verdadeiramente desinteressados; bem sabeis que é o século do egoísmo e do dinheiro. Os homens do presente são feitos de lama e revestidos de metal. Outrora havia coração, a verdadeira força dos antigos; hoje só existe a posição social.


13. Sem pretender absolver nosso século, parece-nos que ainda é preferível àquele em que vivestes, onde a corrupção atingia o seu apogeu e a delação nada conhecia de sagrado.

Resposta. – Faço uma generalização que é bem verdadeira. Sei que à época em que eu vivia não existia muito desinteresse; entretanto, havia aquilo que não possuís ou, pelo menos, que o possuís em dose muito fraca: o amor do belo, do nobre, do grande. Falo para todo o mundo. O homem do presente, sobretudo os povos do Ocidente, os franceses particularmente, têm o coração pronto para fazer grandes coisas, mas isso não passa de um relâmpago. Logo vem a reflexão e a reflexão pondera e diz: o positivo, o positivo antes de tudo; e o dinheiro e o egoísmo voltam a tomar a frente. Nós nos manifestamos justamente porque vos afastais dos grandes princípios dados por Jesus. Adeus. Ainda não o compreendeis.


Observação. – Compreendemos muito bem que nosso século ainda deixa muito a desejar; sua chaga é o egoísmo e o egoísmo gera a cupidez e a sede das riquezas. Sob esse aspecto está longe do desinteresse de que o povo romano ofereceu tantos exemplos sublimes em uma certa época, mas que não foi a de Plínio. No entanto seria injusto desconhecer a sua superioridade em mais de um ponto, mesmo sobre os mais belos tempos de Roma, que também tiveram os seus exemplos de barbárie. Havia, então, ferocidade até na grandeza e no desinteresse, ao passo que o nosso século será marcado pelo abrandamento dos costumes, pelos sentimentos de justiça e de humanidade que presidem a todas as instituições que vê nascer e, até, nas querelas entre os povos.


Allan Kardec.



Imprimerie de H. CARION, rue Bonaparte, 64.  † 


[1] [Vide do mesmo autor Epistolarum libri X - Google Books, Gaius Plinius Caecilius Secundus — 1529.]


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