1. — O excelente médium Sr. V… é um rapaz que geralmente se distingue pela pureza de suas relações com o mundo espírita. Todavia, desde que ocupa o cômodo em que atualmente reside, um Espírito inferior interfere em suas comunicações, intrometendo-se até mesmo em seus trabalhos pessoais. Achando-se uma noite — 6 de setembro de 1859 — em casa do Sr. Allan Kardec, com quem devia trabalhar, foi importunado por aquele Espírito, que lhe fazia traçar coisas incoerentes ou o impedia de escrever. Dirigindo-se ao Espírito, o Sr. Allan Kardec manteve com ele a seguinte conversa:
1. Por que vens aqui se ninguém te chamou?
Resposta. – Quero atormentá-lo.
2. Quem és tu? Dize o teu nome.
Resposta. – Não o direi.
3. Qual o teu objetivo, intrometendo-se naquilo que não te diz respeito? Isto não te traz nenhum proveito.
Resposta. – Não; mas o impeço de ter boas comunicações e sei que isto o magoa bastante.
4. És um mau Espírito, pois te alegras em fazer o mal. Em nome de Deus, eu te intimo a que te retires e nos deixes trabalhar em paz.
Resposta. – Pensas amedrontar-me com esse vozeirão?
5. Se não é de mim que tens medo, por certo o terás de Deus, em nome do qual te falo e que bem poderá fazer que te arrependas de tua maldade.
Resposta. – Não nos zanguemos, burguês.
6. Repito que és um mau Espírito e mais uma vez te peço que não nos impeças de trabalhar.
Resposta. – Sou o que sou; é a minha natureza.
2. — Tendo sido chamado um Espírito superior, ao qual foi pedido que afastasse o intruso, a fim de não ser interrompido o trabalho, o mau Espírito provavelmente se foi, porque durante todo o resto da noite não houve mais nenhuma interrupção.
1. Tendo sido chamado um Espírito superior, a quem foi pedido que afastasse o intruso, a fim de não ser interrompido o trabalho, o mau Espírito provavelmente foi embora, porque durante o resto da noite não houve mais nenhuma interrupção. Interrogado sobre a natureza desse Espírito, respondeu o que fora chamado:
Esse Espírito, da mais baixa classe, é um antigo carreteiro, falecido perto da casa onde mora o médium V… Escolheu para domicílio o próprio quarto do médium e há muito tempo é ele que o obsidia e o atormenta continuamente. Agora, que sabe que o médium deve deixar o alojamento, por ordem dos Espíritos superiores, atormenta-o mais que nunca. É ainda uma prova de que o médium não escreve o seu próprio pensamento. Vês, assim, que há boas coisas, mesmo nas mais desagradáveis aventuras da vida. Deus revela seu poder por todos os meios possíveis.
2. Quando vivo, qual era o caráter desse homem?
Resposta. – Tudo o que mais se aproxima do animal. Creio que seus cavalos tinham mais inteligência e sentimento do que ele.
3. Por que meio pode o Sr. V… desembaraçar-se dele?
Resposta. – Há dois: o meio espiritual, pedindo a Deus; o meio material, deixando a casa onde está.
4. Então há realmente lugares assombrados por certos Espíritos?
Resposta. – Sim, Espíritos que ainda estão sob a influência da matéria ligam-se a certos locais.
5. Os Espíritos que assombram certos lugares podem torná-los fatalmente funestos ou propícios para as pessoas que os habitam?
Resposta. – Quem os poderia impedir? Mortos, exercem sua influência como Espíritos; vivos, exercem-na como homens.
6. Alguém que não fosse médium, que jamais tivesse ouvido falar de Espíritos ou que neles não acreditasse, poderia sofrer essa influência e ser alvo dos vexames de tais entidades?
Resposta. – Indubitavelmente; isso acontece mais frequentemente do que pensais, e explica muitas coisas.
7. Há algum fundamento na crença de que os Espíritos frequentam de preferência as ruínas ou as casas abandonadas?
Resposta. – Superstição.
8. Então os Espíritos assombrarão tanto uma casa nova da Rua de Rivoli † quanto um velho casebre?
Resposta. – Certamente, porquanto podem ser atraídos para um lugar, em vez de o serem para outro, consoante a disposição de espírito dos seus moradores.
3. — Tendo sido evocado na Sociedade através do Sr. R…, o Espírito do carreteiro manifestou-se por sinais de violência, quebrando o lápis, que forçava contra o papel, e com uma escrita grosseira, trêmula, irregular e pouco legível.
1. Evocação
Resposta. – Eis-me aqui.
2. Reconheceis o poder de Deus sobre vós?
Resposta. – Sim; e daí?
3. Por que escolhestes o quarto do Sr. V… e não um outro?
Resposta. – Isso me agrada.
4. Permanecereis ali muito tempo?
Resposta. – Enquanto me sentir bem.
5. Então não tendes intenção de melhorar?
Resposta. – Veremos isso depois; tenho tempo.
6. Estais contrariado por vos termos chamado?
Resposta. – Sim.
7. Que fazíeis quando vos chamamos?
Resposta. – Estava na taverna.
8. Estáveis bebendo?
Resposta. – Que tolice! Como poderia beber?
9. O que queríeis dizer falando de taverna?
Resposta. – Quis dizer o que disse.
10. Quando vivo, maltratáveis os vossos cavalos?
Resposta. – Sois agente de polícia?
11. Desejais que oremos por vós?
Resposta. – Faríeis isso?
12. Certamente. Oramos por todos os que sofrem, porque temos piedade dos infelizes e porque sabemos que grande é a misericórdia divina.
Resposta. – Oh! Mesmo assim sois bons camaradas. Gostaria de vos poder apertar a mão. Procurarei merecê-lo. Obrigado!
4. — Observação: Confirma esta conversa o que a experiência já provou muitas vezes, relativamente à influência que os homens podem exercer sobre os Espíritos, e por meio da qual podem contribuir para a sua melhoria. Mostra a influência da prece. Assim, essa natureza bruta, arredia e quase selvagem encontra-se como que subjugada pelo pensamento do interesse que se pode ter por ele. Temos numerosos exemplos de criminosos que vieram comunicar-se espontaneamente através de médiuns que haviam orado por eles, a fim de testemunharem o seu arrependimento.
Às observações acima, aditaremos as considerações que se seguem, a propósito da evocação de Espíritos inferiores.
Porque ciosos de conservar suas boas relações de além-túmulo, temos visto médiuns que se recusam a servir de intérprete aos Espíritos inferiores que podemos evocar. E de sua parte uma susceptibilidade mal entendida. Pelo fato de evocarmos um Espírito vulgar, e mesmo mau, não significa que iremos ficar sob a sua dependência. Longe disso; ao contrário, nós é que o dominaremos. Não é ele que vem impor-se, mau grado nosso, como na obsessão; nós é que nos impomos; ele não ordena, obedece; somos o seu juiz e não a sua presa. Além disso, podemos ser-lhes úteis por nossos conselhos e nossas preces, e eles nos serão reconhecidos pelo interesse que lhes demonstramos. Estender a mão em socorro é fazer uma boa ação; recusá-la, é faltar com a caridade; ainda mais: é egoísmo e orgulho. Esses seres inferiores, aliás, são para nós um grande ensinamento. Foi por seu intermédio que aprendemos a conhecer as camadas inferiores do mundo espírita, bem como a sorte que aguarda aqueles que aqui fazem mau uso de sua vida. Notemos, ademais, que é quase sempre tremendo que eles comparecem às reuniões sérias, onde dominam os bons Espíritos; ficam envergonhados e se mantêm afastados, ouvindo para se instruírem. Muitas vezes vêm com esse objetivo, mesmo sem terem sido chamados. Por que, então, recusaríamos ouvi-los, quando muitas vezes seu arrependimento e seus sofrimentos são um motivo de edificação ou, pelo menos, de instrução? Não há nada a temer dessas comunicações, desde que ocorram com vistas ao bem. Que seria dos pobres feridos se os médicos se recusassem a tocar em suas chagas?