1. — Um de nossos assinantes nos escreve de Lausanne: †
“Há mais de quinze anos professo em grande parte aquilo que vossa ciência espírita ensina hoje. A leitura de vossas obras não faz senão reforçar esta crença. Além disso, traz-me grandes consolações e lança uma viva claridade sobre uma parte que para mim era treva. Embora muito convencido de que minha existência deve ser múltipla, eu não sabia explicar em que se tornaria meu Espírito nesses intervalos. Mil vezes obrigado, senhor, por me haverdes iniciado nesses grandes mistérios, indicando-me a única rota a seguir para ganhar um lugar melhor no outro mundo. Abristes meu coração à esperança e duplicastes a minha coragem para suportar as provas deste mundo. Vinde, pois, senhor, em meu auxílio, a fim de esclarecer uma verdade que me interessa em alto grau. Sou protestante e em nossa igreja jamais se ora pelos mortos, posto que o Evangelho não o ensina. Como dizeis, os Espíritos que evocais frequentemente pedem o auxílio de vossas preces. Será porque estejam ainda sob a influência das ideias adquiridas na Terra, ou levará Deus em conta a prece dos vivos para abreviar o sofrimento dos mortos? Essa questão, senhor, é muito importante para mim e para outros correligionários meus, que contraíram alianças católicas. A fim de ter uma resposta satisfatória, creio, seria necessário que o Espírito de um protestante esclarecido, tal como um dos nossos ministros, se dignasse manifestar-se em companhia de um dos vossos eclesiásticos.”
A pergunta é dupla: 1º A prece é agradável àqueles por quem se ora? 2º É-lhes útil?
2. — Ouçamos, de início, sobre a primeira pergunta o Reverendo Padre Félix, † numa introdução notável a um pequeno livro intitulado: Os mortos sofredores e abandonados.
“A devoção para com os mortos não é apenas a expressão de um dogma e a manifestação de uma crença, mas, também, um encanto da vida, um consolo para o coração. Que há, com efeito, de mais suave ao coração do que esse culto piedoso que nos liga à memória e ao sofrimento dos mortos? Crer na eficácia da prece e das boas obras para o alívio dos que perdemos; crer, quando os choramos, que essas lágrimas que por eles derramamos ainda lhes podem auxiliar; crer, finalmente, que mesmo nesse mundo invisível que habitam nosso amor pode ainda visitá-los em seu benefício: que doce, que suave crença! E nessa crença, que consolação para aqueles que viram a morte entrar em sua casa e feri-los no coração! Se esta crença e este culto não existissem, o coração humano, pela voz de seus mais nobres instintos, diria a todos que o compreendem, que seria necessário inventá-los, fosse ainda para imprimir doçura na morte e encanto até nos nossos funerais. Nada, com efeito, transforma e transfigura o amor que ora sobre um túmulo ou chora nos funerais, como essa devoção à lembrança e ao sofrimento dos mortos. Essa mistura da religião e da dor, da prece e do amor têm, ao mesmo tempo, um não sei quê de precioso e de enternecedor. A tristeza que chora torna-se um auxiliar da piedade que ora; por sua vez, a piedade se torna, para a tristeza, o mais delicioso aroma; e a fé, a esperança e a caridade jamais se associam melhor para honrar a Deus consolando os homens e fazendo do alívio aos mortos a consolação dos vivos!
“Esse encanto tão suave que encontramos em nosso intercâmbio fraterno com os mortos, como se torna ainda mais doce quando nos persuadimos de que, sem dúvida, Deus não deixa esses entes queridos absolutamente ignorantes do bem que lhes fazemos. Quem não desejou, ao orar por um pai ou um irmão falecido, que ele ali estivesse para escutar, e, ao fazer por ele os seus votos, ali estivesse para ver? Quem não disse a si mesmo, ao enxugar uma lágrima junto ao caixão de um parente ou de um amigo perdido: Se ao menos ele pudesse ouvir-me! quando meu amor lhe oferece com as lágrimas a prece e o sacrifício, se eu tivesse a certeza de que ele o sabe e que seu amor compreende sempre o meu! Sim, se eu pudesse crer que não somente o alívio que lhe envio chega até ele, mas se também pudesse convencer-me de que Deus se digna enviar um de seus anjos para lhe contar, ao levar-lhe meu benefício, que esse alívio vem de mim: oh! Deus, como sois bom para os que choram, que bálsamo em minhas chagas! que consolo em minha dor!
“A Igreja, é verdade, não nos obriga a crer que os nossos irmãos falecidos saibam, no purgatório, o que por eles fazemos na Terra, mas também não o proíbe; ela o insinua e parece convencer-nos pelo conjunto de seu culto e de suas cerimônias; e homens sérios e respeitáveis da Igreja não receiam em afirmá-lo. Seja como for, aliás, se os mortos não têm o conhecimento presente e distinto das preces e das boas obras que por eles fazemos, é certo que experimentam seus efeitos salutares. E esta crença firme não basta a um amor que deseja consolar-se da dor através do benefício e fecundar as lágrimas pelos sacrifícios?”
O que o padre Félix admite como hipótese, a ciência espírita aceita como verdade incontestável, porque dá a sua prova patente. Sabemos, com efeito, que o mundo invisível é composto daqueles que deixaram seu envoltório corporal, ou, por outras palavras, das almas dos que viveram na Terra. Essas almas, ou esses Espíritos – o que vem a ser a mesma coisa – povoam o espaço; estão em toda parte, ao nosso lado como nas regiões mais afastadas; desembaraçados do fardo pesado e incômodo que os retinha à superfície do solo, não possuindo senão um envoltório etéreo, semimaterial, transportam-se com a rapidez do pensamento. Prova a experiência que eles podem vir ao nosso apelo; mas vêm mais ou menos de boa vontade, com maior ou menor prazer, conforme a intenção, como é fácil de conceber. A prece é um pensamento, um laço que nos liga a eles: é um apelo, uma verdadeira evocação. Ora, como a prece, seja ou não eficaz, é sempre um pensamento benévolo, só pode ser agradável àqueles a quem se dirige.
3. — Ser-lhes-á útil? Esta é uma outra questão.
Os que contestam a eficácia da prece dizem: Os desígnios de Deus são imutáveis e ele não os derroga a pedido do homem. Isto depende do objeto da prece, porquanto é muito certo que Deus não pode infringir suas leis a fim de satisfazer a todos os pedidos inconsiderados que lhe são dirigidos. Encaremo-la apenas do ponto de vista do alívio das almas sofredoras. Inicialmente diremos que, admitindo que a duração efetiva dos sofrimentos não possa ser abreviada, a comiseração e a simpatia são um abrandamento para aquele que sofre. Se um prisioneiro for condenado a vinte anos de prisão, não sofrerá mil vezes mais se estiver só, isolado e abandonado? Mas se uma alma caridosa e compassiva vier visitá-lo, consolá-lo e encorajá-lo, não terá o poder de quebrar suas cadeias antes do tempo previsto, não as tornará menos pesadas e os anos não parecerão mais curtos? Quem na Terra não encontra na compaixão um alívio às suas misérias, um consolo nas expansões da amizade?
Podem as preces abreviar os sofrimentos? O Espiritismo diz: Sim; e o prova pelo raciocínio e pela experiência. Pela experiência, porque são as próprias almas sofredoras que vêm confirmá-lo, descrevendo-nos a sua mudança de situação; pelo raciocínio, considerando o seu modo de ação.
As comunicações ininterruptas que temos com os seres de além-túmulo fazem passar aos nossos olhos todos os graus do sofrimento e da felicidade. Vemos, pois, seres infelizes, horrivelmente infelizes; e, se de acordo com um grande número de teólogos, o Espiritismo não admite o fogo senão como uma figura, como um símbolo das maiores dores, numa palavra, como um fogo moral, é preciso convir que a situação de alguns não é muito melhor do que se estivessem no fogo material. O estado feliz ou infeliz após a morte não é, pois, uma quimera, um verdadeiro fantasma. Mas o Espiritismo nos ensina ainda que a duração do sofrimento depende, até certo ponto, da vontade do Espírito, podendo ele abreviá-lo pelos esforços que fizer por melhorar-se. A prece – refiro-me à prece real, a do coração, a que é ditada por uma verdadeira caridade – incita o Espírito ao arrependimento, desenvolve-lhe bons sentimentos. Ela o esclarece e o faz compreender a felicidade dos que lhe são superiores; impele-o a fazer o bem, a tornar-se útil, já que os Espíritos podem fazer o bem e o mal. De certa modo ela o tira do desânimo em que se entorpece. Fá-lo entrever a luz. Por seus esforços pode, pois, sair do lamaçal em que está preso. É assim que a mão protetora que lhe estendemos pode abreviar-lhe os sofrimentos.
Pergunta nosso assinante se os Espíritos que solicitam preces não estariam ainda sob a influência das ideias terrestres. A isto respondemos que entre os Espíritos que se comunicam conosco há os que, em vida, professaram todos os cultos. Todos eles, católicos, protestantes, judeus, muçulmanos e budistas, à pergunta: “Que podemos fazer para vos ser útil?”, respondem: “Orai por mim.” – Uma prece, segundo o rito que professastes, será para vós mais útil ou mais agradável? – “O rito é a forma; a prece do coração não tem rito.” Nossos leitores certamente se recordam da evocação de uma viúva do Malabar, inserida na Revista de dezembro de 1858. Quando lhe dissemos: “Pedis que oremos por vós; como somos cristãos, nossas preces vos poderiam ser agradáveis?” Ela respondeu: “Não há senão um Deus para todos os homens.”
Os Espíritos sofredores ligam-se aos que oram por eles, como o ser reconhecido àquele que lhe faz bem. Essa mesma viúva do Malabar compareceu várias vezes às nossas reuniões sem ser chamada; dizia vir para instruir-se. Acompanhava-nos até mesmo na rua, conforme constatamos com o auxílio de um médium vidente. O assassino Lemaire, cuja evocação relatamos no número do mês de março de 1858, evocação que, diga-se de passagem, tinha excitado a verve trocista de alguns cépticos, esse mesmo assassino, infeliz, abandonado, encontrou em um de nossos leitores um coração compassivo, que teve piedade dele; muitas vezes veio visitá-lo e procurou manifestar-se por todos os tipos e meios até que essa pessoa, tendo tido ocasião de esclarecer-se sobre essas manifestações, soube que era Lemaire, que lhe queria testemunhar o seu reconhecimento. Quanto teve oportunidade de externar seu pensamento, disse-lhe: “Obrigado, alma caridosa! Eu me achava só com os remorsos de minha vida passada e tivestes piedade de mim; estava abandonado e pensastes em mim; encontrava-me no abismo e me estendestes a mão! Vossas preces foram para mim como um bálsamo consolador; compreendi a enormidade de meus crimes e peço a Deus que me conceda a graça de os reparar em uma nova existência, onde possa fazer tanto bem quanto fiz de mal. Obrigado outra vez, muito obrigado!”
4. — Eis a opinião atual de um ilustre ministro protestante, o Sr. Adolphe Monod, n morto em abril de 1856, sobre os efeitos da prece:
“O Cristo disse aos homens: “Amai-vos uns aos outros”. ( † ) Essa recomendação encerra a de empregar todos os meios possíveis para testemunhar afeição aos nossos semelhantes, sem por isso entrar em detalhes quanto à maneira de atingir esse objetivo. Se é verdade que nada pode desviar o Criador de aplicar a justiça, de que ele próprio é modelo, a todas as ações do Espírito, não é menos verdade que a prece que lhe dirigis, em favor daquele por quem vos interessais, é para este último um testemunho da lembrança que não poderá senão contribuir para aliviar-lhe os sofrimentos e o consolar. Desde que testemunha o menor arrependimento, só então é socorrido; mas não lhe deixam jamais ignorar que uma alma simpática dele se ocupou. Esse pensamento o incita ao arrependimento e o deixa na doce persuasão de que a sua intercessão lhe foi útil. Disso resulta, necessariamente, de sua parte, um sentimento de reconhecimento e de afeto por aquele que lhe deu esta prova de consideração e de piedade. Consequentemente, o amor recomendado pelo Cristo aos homens não fez senão crescer entre eles; ambos obedeceram à lei de amor e de união entre todos os seres, lei de Deus que deve conduzir à unidade, que é a finalidade do Espírito.”
— Nada tendes a acrescentar a estas explicações?
Resposta. – Não; elas encerram tudo.
— Agradeço-vos por haverdes por bem no-las transmitir.
Resposta. – Para mim é uma felicidade poder contribuir para a união das almas, união que os bons Espíritos procuram fazer prevalecer sobre todas as questões de dogma que as dividem.
[1]
[v. Adolphe
Monod.]