Um de nossos correspondentes nos escreve a propósito de nosso último artigo sobre os médiuns mercenários, perguntando se nossas observações também se aplicam aos sonâmbulos assalariados.
Se quisermos remontar à origem do fenômeno, veremos que, embora possa ser considerado como uma variedade de médium, o sonâmbulo é um caso diferente do médium propriamente dito. Com efeito, este último recebe suas comunicações de Espíritos estranhos, que podem vir ou não, conforme as circunstâncias ou as simpatias que encontram. O sonâmbulo, ao contrário, age por si mesmo. É o seu próprio Espírito que se desprende da matéria e vê mais ou menos bem, conforme o desprendimento seja mais ou menos completo. É verdade que o sonâmbulo se acha em contato com outros Espíritos que o assistem mais ou menos de boa vontade, em razão de suas simpatias; mas, definitivamente, é o seu Espírito que vê e pode, até certo ponto, dispor de si mesmo, sem que outros tenham o que repetir e sem que seu concurso seja indispensável. Disso resulta que o sonâmbulo que busca uma compensação material, à custa de um esforço por vezes grande, decorrente do exercício de sua faculdade, não tem de vencer as mesmas susceptibilidades que o médium, que não passa de um instrumento.
Além disso, sabe-se que a lucidez sonambúlica se desenvolve pelo exercício. Ora, aquele que disso faz uma ocupação exclusiva, adquire tanto maior facilidade quanto mais coisas vê, com as quais termina por se identificar, assim como com certos termos especiais que lhe voltam mais facilmente à memória. Numa palavra, ele se familiariza com esse estado que, por assim dizer, torna-se o seu estado normal: nada mais o surpreende. Os fatos, aliás, estão aí para provar com que presteza e com que clareza podem eles ver, donde concluímos que a retribuição paga a certos sonâmbulos não constitui obstáculo ao desenvolvimento de sua lucidez.
A isso fazem uma objeção. Como a lucidez muitas vezes é variável e depende de causas fortuitas, pergunta-se se a atração do lucro não poderia induzir o sonâmbulo a fingir essa lucidez, mesmo quando ela lhe faltasse, por fadiga ou outra causa, inconveniente que não ocorre quando não há interesse em jogo. Isso é verdade; respondemos, porém, dizendo que tudo tem o seu lado mau. Pode-se abusar de tudo e por toda parte onde si insinua a fraude é necessário desacreditá-la. O sonâmbulo que assim agisse faltaria com a lealdade, o que, infelizmente, se encontra também nos que não dormem. Com um pouco de hábito podemos percebê-lo facilmente, e seria difícil enganar por muito tempo um observador experimentado. Nisso, como em todas as coisas, o essencial é nos assegurarmos do grau de confiança que merece a pessoa à qual nos dirigimos. Se o sonâmbulo não assalariado não oferece esse inconveniente, não se deve supor que sua lucidez seja infalível; como qualquer outro, ele pode enganar-se, caso esteja em más condições. A esse respeito a experiência é o melhor guia. Em resumo, não preconizamos ninguém. Chegamos a constatar notáveis serviços por uns e por outros. Nosso objetivo era somente provar que se pode encontrar bons sonâmbulos numa e noutra daquelas condições.
[1] [Como é visto por Allan Kardec a questão dos sensitivos que exploram profissionalmente suas faculdades extrasensoriais e qual o grau de confiança que merecem.]