1. O que vos impeliu a atender ao nosso apelo?
Resposta. – Para vos instruir.
2. Estais contrariado por vir até nós e responder às perguntas que vos desejamos fazer?
Resposta. – Não; as que tiverem por fim vossa instrução, eu o consinto.
3. Que prova podemos ter de vossa identidade e como poderemos saber se não é um outro Espírito que toma vosso nome?
Resposta. – Para que serviria isso?
4. Sabemos, por experiência, que os Espíritos inferiores muitas vezes se utilizam de nomes supostos; é por isso que vos fizemos essa pergunta.
Resposta. – Eles utilizam também as provas; mas o Espírito que toma uma máscara também se revela por suas próprias palavras.
5. Sob que forma e em que lugar estais entre nós?
Resposta. – Sob a que leva o nome de Mehemet-Ali; perto de Ermance.
6. Gostaríeis que vos déssemos um lugar especial?
Resposta. – A cadeira vazia.
Observação. – Perto dali havia uma cadeira vazia, à qual não se tinha prestado atenção.
7. Tendes uma lembrança precisa de vossa última existência corporal?
Resposta. – Não a tenho ainda precisa; a morte me deixou sua perturbação.
8. Sois feliz?
Resposta. – Não; infeliz.
9. Estais errante ou reencarnado?
Resposta. – Errante.
10. Recordais o que fostes antes de vossa última existência?
Resposta. – Eu era pobre na Terra; invejei as grandezas terrestres: subi para sofrer.
11. Se pudésseis renascer na Terra, que condição escolheríeis de preferência?
Resposta. – Obscura; os deveres são muito grandes.
12. Que pensais agora da posição que ocupastes por último na Terra?
Resposta. – Vaidade do nada! Quis conduzir os homens; sabia conduzir-me a mim mesmo?
13. Dizia-se que já há algum tempo a vossa razão estava alterada; isso é verdade?
Resposta. – Não.
14. A opinião pública aprecia o que fizestes pela civilização egípcia, e vos coloca entre os maiores príncipes. Experimentais satisfação com isso?
Resposta. – Que me importa! A opinião dos homens é o vento do deserto que levanta a poeira.
15. Vedes com prazer vossos descendentes trilhando o mesmo caminho? Interessai-vos por seus esforços?
Resposta. – Sim, já que têm por objetivo o bem comum.
16. Entretanto, sois acusado de atos de grande crueldade: envergonhai-vos deles, agora?
Resposta. – Eu os expio.
17. Vedes os que mandastes massacrar?
Resposta. – Sim.
18. Que sentimento experimentam por vós?
Resposta. – O do ódio e o da piedade.
19. Depois que deixastes esta vida revistes o sultão Mahamud? †
Resposta. – Sim: em vão fugimos um do outro.
20. Que sentimento experimentais agora um pelo outro?
Resposta. – O da aversão.
21. Qual a vossa opinião atual sobre as penas e recompensas que nos esperam após a morte?
Resposta. – A expiação é justa.
22. Qual o maior obstáculo que tivestes de vencer para a realização de vossos objetivos progressistas?
Resposta. – Eu reinava sobre escravos.
23. Pensais que se o povo que governastes fosse cristão, teria sido menos rebelde à civilização?
Resposta. – Sim; a religião cristã eleva a alma; a maometana não fala senão à matéria.
24. Quando vivo, vossa fé na religião muçulmana era absoluta?
Resposta. – Não; eu acreditava num Deus maior.
25. Que pensais disso agora?
Resposta. – Ela não faz homens.
26. Na vossa opinião, Maomé tinha uma missão divina?
Resposta. – Sim, mas que ele corrompeu.
27. Em que a corrompeu?
Resposta. – Ele quis reinar.
28. O que pensais de Jesus?
Resposta. – Esse vinha de Deus.
29. Na vossa opinião, qual dos dois, Jesus ou Maomé, fez mais pela felicidade da Humanidade?
Resposta. – Por que o perguntais? Que povo Maomé regenerou? A religião cristã saiu pura da mão de Deus; a maometana é obra do homem.
30. Acreditais que uma dessas duas religiões esteja destinada a desaparecer da face da Terra?
Resposta. – O homem progride sempre; a melhor permanecerá.
31. Que pensais da poligamia consagrada pela religião muçulmana?
Resposta. – É um dos laços que retêm na barbárie os povos que a professam.
32. Acreditais que a submissão da mulher esteja conforme os desígnios de Deus?
Resposta. – Não; a mulher é igual ao homem, pois que o Espírito não tem sexo.
33. Diz-se que o povo árabe não pode ser conduzido senão pelo rigor; não pensais que os maus-tratos, em vez de o submeterem, mais o embrutecem?
Resposta. – Sim, é o destino do homem; ele se avilta quando é escravo.
34. Poderíeis reportar-vos aos tempos da Antiguidade, quando o Egito era florescente, e dizer-nos quais foram as causas de sua decadência moral?
Resposta. – A corrupção dos costumes.
35. Parece que fazíeis pouco caso dos monumentos históricos que cobrem o solo do Egito. Não podemos compreender essa indiferença da parte de um príncipe amigo do progresso.
Resposta. – Que importa o passado! O presente não o substituiria.
36. Poderíeis explicar-vos mais claramente?
Resposta. – Sim. Não era necessário lembrar ao egípcio envilecido um passado muito brilhante: não o teria compreendido. Menosprezei aquilo que me pareceu inútil; não poderia ter-me enganado?
37. Os sacerdotes do antigo Egito tinham conhecimento da Doutrina Espírita?
Resposta. – Era a deles.
38. Recebiam manifestações?
Resposta. – Sim.
39. As manifestações obtidas pelos sacerdotes egípcios provinham da mesma fonte que as recebidas por Moisés?
Resposta. – Sim, ele foi iniciado por elas.
40. Por que as manifestações de Moisés eram mais poderosas que as recebidas pelos sacerdotes egípcios?
Resposta. – Moisés queria revelar; os sacerdotes egípcios, apenas ocultar.
41. Acreditais que a doutrina dos sacerdotes egípcios tivesse alguma relação com a dos indianos?
Resposta. – Sim; todas as religiões primitivas estão ligadas entre si por laços quase imperceptíveis; procedem de uma mesma fonte.
42. Dentre essas duas religiões, a dos egípcios e a dos indianos, qual delas é a mãe da outra?
Resposta. – São irmãs.
43. Como se explica que em vida éreis tão pouco esclarecido sobre essas questões, e agora podeis respondê-las com tanta profundidade?
Resposta. – Outras existências mo ensinaram.
44. No estado errante em que estais agora, tendes, pois, pleno conhecimento de vossas existências anteriores?
Resposta. – Sim, exceto da última.
45. Haveis, pois, vivido no tempo dos Faraós?
Resposta. – Sim; três vezes vivi no solo egípcio: como sacerdote, como mendigo e como príncipe.
46. Sob que reinado fostes sacerdote?
Resposta. – Já faz tanto tempo! O príncipe era vosso Sesóstris.
47. Conforme isso, parece que não progredistes, uma vez que expiais, agora, os erros da vossa última existência.
Resposta. – Sim, progredi lentamente; acaso era eu perfeito por ter sido sacerdote?
48. Porque fostes sacerdote àquela época é que pudestes falar com conhecimento de causa da antiga religião dos egípcios?
Resposta. – Sim; mas não sou bastante perfeito para tudo saber; outros leem no passado como num livro aberto.
49. Poderíeis dar-nos uma explicação sobre o motivo da construção das pirâmides?
Resposta. – É muito tarde.
(Nota: Eram quase onze horas da noite.)
50. Só vos faremos mais uma pergunta; dignai-vos ter a bondade de respondê-la?
Resposta. – Não, é muito tarde; essa pergunta suscitaria outras.
51. Poderíeis respondê-la em outra ocasião?
Resposta. – Não me comprometo com isso.
52. Mesmo assim, agradecemos a benevolência com que respondestes às nossas perguntas.
Resposta. – Bem! Eu voltarei.
[Revista
de novembro de 1858.]
(Segunda palestra.)
1. Em nome de Deus Todo-Poderoso, rogo ao Espírito Mehmet-Ali que consinta em comunicar-se conosco.
Resposta. – Sim; sei o motivo.
2. Prometestes vir até nós, a fim de instruir-nos; teríeis a bondade de nos ouvir e de nos responder?
Resposta. – Não prometo, desde que não me comprometi.
3. Seja; em lugar de prometestes, coloquemos que nos fizestes esperar.
Resposta. – Isto é, para satisfazer a vossa curiosidade; não importa! Prestar-me-ei um pouco a isso.
4. Pois que vivestes ao tempo dos faraós, poderíeis dizer-nos com que finalidade foram as pirâmides construídas?
Resposta. – São sepulcros; sepulcros e templos: ali ocorriam grandes manifestações.
5. Tinham também um fim científico?
Resposta. – Não; o interesse religioso absorvia tudo.
6. Seria preciso que os egípcios fossem, desde aquela época, muito adiantados nas artes mecânicas para realizarem trabalhos que exigiam forças tão consideráveis. Poderíeis dar-nos uma ideia dos meios que empregaram?
Resposta. – Massas humanas gemeram sob o peso de pedras que atravessaram os séculos: o homem era a máquina.
7. Que classe de homens se ocupava desses grandes trabalhos?
Resposta. – A que chamais de povo.
8. Estava o povo em estado de escravidão ou recebia um salário?
Resposta. – À força.
9. Donde veio aos egípcios o gosto das coisas colossais, em vez do das coisas graciosas que distinguia os gregos, embora tivessem a mesma origem?
Resposta. – O egípcio era tocado pela grandeza de Deus; a Ele procurava igualar-se, superando as próprias forças. Sempre o homem!
10. Considerando-se que éreis sacerdote àquela época, poderíeis dizer-nos alguma coisa acerca da religião dos antigos egípcios? Qual era a crença do povo em relação à Divindade?
Resposta. – Corrompidos, acreditavam em seus sacerdotes; eram deuses para eles, a quem se curvavam.
11. Que pensavam da alma após a morte?
Resposta. – Acreditavam no que lhes diziam os sacerdotes.
12. Sob o duplo ponto de vista de Deus e da alma, tinham os sacerdotes ideias mais sadias que o povo?
Resposta. – Sim, tinham a luz nas mãos; ocultando-as dos outros, ainda assim a percebiam.
13. Os grandes do Estado partilhavam da crença do povo ou da dos sacerdotes?
Resposta. – Estavam entre as duas.
14. Qual a origem do culto prestado aos animais?
Resposta. – Queriam desviar de Deus o homem e mantê-lo sob seu domínio, dando-lhe como deuses seres inferiores.
15. Até certo ponto concebe-se o culto dos animais domésticos, mas não se compreende o dos animais imundos e prejudiciais, tais como as serpentes, crocodilos, etc.!
Resposta. – O homem adora aquilo que teme. Era um jugo para o povo. Podiam os sacerdotes acreditar em deuses saídos de suas mãos?
16. Não seria um paradoxo adorarem o crocodilo e os répteis e, ao mesmo tempo, o icnêumon e o íbis n, que os destruíam?
Resposta. – Aberração do Espírito; o homem procura deuses por toda parte para se ocultar do que é.
17. — Por que Osíris era representado com uma cabeça de gavião e Anúbis com a de um cão?
Resposta. – O egípcio gostava de personificar sob a forma de emblemas claros: Anúbis era bom; o gavião que estraçalha representava o cruel Osíris.
18. Como conciliar o respeito dos egípcios pelos mortos, com o desprezo e o horror por aqueles que os enterravam e mumificavam?
Resposta. – O cadáver era um instrumento de manifestações: segundo eles o Espírito retornava ao corpo que havia animado. Como um dos instrumentos de culto, o cadáver era sagrado e o desprezo perseguia aquele que ousava violar a santidade da morte.
19. A conservação dos corpos dava lugar a manifestações mais numerosas?
Resposta. – Mais longas, isto é, o Espírito voltava por mais tempo, desde que o instrumento fosse dócil.
20. A conservação dos corpos visava também à salubridade, em razão das inundações do Nilo?
Resposta. – Sim, para os do povo.
21. A iniciação nos mistérios fazia-se no Egito com práticas tão rigorosas quanto na Grécia?
Resposta. – Mais rigorosas.
22. Com que fim eram impostas aos iniciados condições tão difíceis de preencher?
Resposta. – Para não haver senão almas superiores; estas sabiam compreender e calar.
23. O ensino dado nos mistérios tinha por finalidade única a revelação das coisas extra-humanas, ou ali eram ensinados também os preceitos da moral e do amor ao próximo?
Resposta. – Tudo isso era bem corrompido. O objetivo dos sacerdotes era dominar e não instruir.
[1] [v.
Mehemet-Ali.]
Dinastia de Méhémet Ali. †
[2] Icnêumon: O sacarrabos, icneumôme, rato-de-faraó, manguço ou escalavardo (Herpestes ichneumon) é um mangusto da Europa, Ásia e África, estimado pelos antigos egípcios por ser considerado um grande devorador de ovos de crocodilos. † — Os íbis são aves pernaltas com pescoço longo e bico comprido e encurvado para baixo. No Egito Antigo, o íbis era objeto de veneração religiosa e associado ao deus Thoth. †