1 O cepticismo, no tocante à Doutrina Espírita, quando não resulta de uma oposição sistemática por interesse, origina-se quase sempre do conhecimento incompleto dos fatos, o que não obsta a que alguns cortem a questão como se conhecessem a fundo. 2 Pode-se ter muito atilamento, muita instrução mesmo, e carecer-se de bom-senso; 3 ora, o primeiro indício da falta de bom senso está em crer alguém infalível o seu juízo. 4 Muita gente também há para quem as manifestações espíritas nada mais são do que objeto de curiosidade; 5 confiamos em que, lendo este livro, encontrarão nesses extraordinários fenômenos alguma coisa mais do que simples passatempo.
6 A ciência espírita compreende duas partes: experimental uma, relativa às manifestações em geral; filosófica, outra, relativa às manifestações inteligentes. 7 Aquele que apenas haja observado a primeira se acha na posição de quem não conhecesse a física senão por experiências recreativas, sem haver entrado no âmago da ciência. 8 A verdadeira Doutrina Espírita está no ensino que os Espíritos deram, e os conhecimentos que esse ensino comporta são por demais profundos e extensos para serem adquiridos de qualquer modo, que não por um estudo perseverante, feito no silêncio e no recolhimento; 9 porque, só dentro desta condição se pode observar um número infinito de fatos e particularidades que passam despercebidos ao observador superficial, e firmar opinião. 10 Não produzisse este livro outro resultado além do de mostrar o lado sério da questão e de provocar estudos neste sentido e rejubilaríamos por haver sido eleito para executar uma obra em que, aliás, nenhum mérito pessoal pretendemos ter, pois que os princípios nela exarados não são de criação nossa; 11 o mérito que apresenta cabe todo aos Espíritos que a ditaram. 12 Esperamos que dará outro resultado, o de guiar os homens que desejem esclarecer-se, mostrando-lhes, nestes estudos, um fim grande e sublime: o do progresso individual e social e o de lhes indicar o caminho que conduz a esse fim.
13 Concluamos, fazendo uma última consideração. Alguns astrônomos, sondando o espaço, encontraram, na distribuição dos corpos celestes, lacunas não justificadas e em desacordo com as leis do conjunto. Suspeitaram que essas lacunas deviam estar preenchidas por globos que lhes tinham escapado à observação; 14 de outro lado, observaram certos efeitos, cuja causa lhes era desconhecida e disseram: Deve haver ali um mundo, porquanto esta lacuna não pode existir e estes efeitos hão de ter uma causa. Julgando então da causa pelo efeito, conseguiram calcular-lhe os elementos e mais tarde os fatos lhes vieram confirmar as previsões. 15 Apliquemos este raciocínio a outra ordem de ideias. Observando-se a série dos diversos seres, descobre-se que eles formam uma cadeia sem solução de continuidade, desde a matéria bruta até o homem mais inteligente. Porém, entre o homem e Deus, alfa e ômega de todas as coisas, que imensa lacuna! Será racional pensar-se que no homem terminam os anéis dessa cadeia e que ele transponha sem transição a distância que o separa do infinito? 16 A razão nos diz que entre o homem e Deus outros elos necessariamente haverá, como disse aos astrônomos que, entre os mundos conhecidos, outros haveria, desconhecidos. Que filosofia já preencheu essa lacuna? 17 O Espiritismo no-la mostra preenchida pelos seres de todas as ordens do mundo invisível e estes seres não são mais do que os Espíritos dos homens, nos diferentes graus que levam à perfeição. Tudo então se liga, tudo se encadeia, desde o alfa até o ômega. 18 Vós, que negais a existência dos Espíritos, preenchei o vácuo que eles ocupam. E vós, que rides deles, ousai rir das obras de Deus e da sua onipotência!
Allan Kardec.