1 Passaríamos de longe pela objeção que fazem alguns cépticos, a propósito das faltas ortográficas que certos Espíritos cometem, se ela não oferecesse margem a uma observação essencial. 2 A ortografia deles, cumpre dize-lo, nem sempre é irreprochável; mas, grande escassez de razões seria mister para se fazer disso objeto de crítica séria, dizendo que, visto saberem tudo, os Espíritos devem saber ortografia. 3 Poderíamos opor-lhes os múltiplos pecados desse gênero cometidos por mais de um sábio da Terra, o que, entretanto, em nada lhes diminui o mérito; 4 há, porém, no fato, uma questão mais grave. Para os Espíritos, principalmente para os Espíritos superiores, a ideia é tudo, a forma nada vale. 5 Livres da matéria, a linguagem de que usam entre si é rápida como o pensamento, porquanto são os próprios pensamentos que se comunicam sem intermediário; 6 muito pouco à vontade hão de eles se sentirem, quando obrigados, para se comunicarem conosco, a utilizarem-se das formas longas e embaraçosas da linguagem humana e a lutarem com a insuficiência e a imperfeição dessa linguagem, para exprimirem todas as ideias; é o que eles próprios declaram; 7 por isso mesmo, bastante curioso são os meios de que se servem com frequência para obviarem a esse inconveniente. 8 O mesmo se daria conosco, se houvéssemos de exprimir-nos num idioma de vocábulos e fraseados mais longos e de maior pobreza de expressões do que o de que usamos. 9 É o embaraço que experimenta o homem de gênio, para quem constitui motivo de impaciência a lentidão da sua pena sempre muito atrasada no lhe acompanhar o pensamento. 10 Compreende-se diante disto, que os Espíritos liguem pouca importância à puerilidade da ortografia, mormente quando se trata de ensino profundo e grave. 11 Já não é maravilhoso que se exprimam indiferentemente em todas as línguas e que as entendam todas? Não se conclua daí, todavia, que desconheçam a correção convencional da linguagem; observam-na, quando necessário; 12 assim é, por exemplo, que a poesia por eles ditada desafiaria quase sempre a crítica do mais meticuloso purista, a despeito da ignorância do médium.