1 O título desta obra indica claramente o seu objetivo. n Aí reunimos todos os elementos próprios para esclarecer o homem sobre o seu destino. 2 Como nos nossos outros escritos sobre a Doutrina Espírita, aí nada introduzimos que seja produto de um sistema preconcebido, ou de uma concepção pessoal, que não teria nenhuma autoridade: tudo aí é deduzido da observação e da concordância dos fatos.
3 O Livro dos Espíritos contém as bases fundamentais do Espiritismo; é a pedra angular do edifício; todos os princípios da doutrina aí estão expostos, até os que devem constituir o seu coroamento; 4 mas era necessário lhe dar desenvolvimentos, deduzir-lhe todas as consequências e todas as aplicações, à medida que se desdobravam pelo ensino complementar dos Espíritos e por novas observações; 5 foi o que fizemos em O Livro dos Médiuns e em O Evangelho segundo o Espiritismo, em pontos de vista especiais; é o que fazemos nesta obra sob um outro ponto de vista, e é o que faremos sucessivamente nas que nos restam publicar, e que virão a seu tempo.
6 As ideias novas só frutificam quando a terra está preparada para as receber. Ora, por terra preparada não se deve entender algumas inteligências precoces, que só dariam frutos isolados, mas um certo conjunto na predisposição geral, a fim de que não só dê frutos mais abundantes, mas que a ideia, encontrando maior número de pontos de apoio, encontre menos oposição, e seja mais forte para resistir aos seus antagonistas. 7 O Evangelho segundo o Espiritismo já era um passo avante; O Céu e o Inferno é mais um passo cujo alcance será facilmente compreendido, porque toca ao vivo certas questões; mas não podia vir mais cedo.
8 Se se considerar a época em que veio o Espiritismo, reconhecer-se-á sem custo que veio em tempo oportuno, nem muito cedo, nem muito tarde. Mais cedo, teria abortado, porque, não sendo numerosas as simpatias, teria sucumbido sob os golpes dos adversários; mais tarde, teria perdido a ocasião favorável de se produzir; as ideias poderiam ter tomado outro curso, do qual teria sido difícil desviá-las. Era preciso deixar às velhas ideias o tempo de se gastarem e provar a sua insuficiência, antes de apresentar outras novas.
9 As ideias prematuras abortam porque não se está maduro para as compreender e porque ainda não se faz sentir uma mudança de posição. Hoje é evidente para todos que se manifesta um grande movimento na opinião; formidável reação se opera, no sentido progressivo, contra o espírito estacionário ou retrógrado da rotina; os satisfeitos da véspera são os impacientes do dia seguinte. 10 A Humanidade está no trabalho de parto; há qualquer coisa no ar, uma força irresistível que a impele para frente; ela está como um jovem saído da adolescência, que entrevê novos horizontes sem os definir, e se livra das fraldas da infância. 11 Vê-se algo de melhor, alimentos mais sólidos para a razão; mas esse melhor ainda está no vago; buscam-no; todos trabalham nisto, do crente ao incrédulo, do operário ao cientista. 12 O Universo é um vasto canteiro; uns demolem, outros reconstroem; cada um talha uma pedra para o novo edifício, do qual só o grande arquiteto possui o plano definitivo, e cuja economia [organização] só será compreendida quando suas formas começarem a se desenhar acima da superfície do solo. Foi o momento que a soberana sabedoria escolheu para o advento do Espiritismo.
13 Os Espíritos que presidem ao grande movimento regenerador agem, pois, com mais sabedoria e previdência do que o fariam os homens, porque abarcam a marcha geral dos acontecimentos, ao passo que nós só vemos o círculo limitado do nosso horizonte. 14 Estando chegados os tempos da renovação, conforme os desígnios divinos, era preciso que, em meio às ruínas do velho edifício e para não perder a coragem, o homem entrevisse as bases da nova ordem de coisas; era preciso que o marinheiro percebesse a estrela polar, que o deve guiar ao porto.
15 A sabedoria dos Espíritos, que se mostrou no surgimento do Espiritismo, revelado quase instantaneamente em toda a Terra, na época mais propícia, não é menos evidente na ordem e na gradação lógicas das revelações complementares sucessivas. 16 Não depende de ninguém constranger sua vontade a tal respeito, porque eles não medem seus ensinos ao sabor da impaciência dos homens. Não nos basta dizer: “Gostaríamos de ter tal coisa” para que ela fosse dada; e ainda menos nos convém dizer a Deus: “Julgamos que é chegado o momento para nos dardes tal coisa; nós nos julgamos bastante adiantados para a receber”, porque seria dizer-lhe: “Sabemos melhor que vós o que convém fazer.” 17 Aos impacientes os Espíritos respondem: “Começai primeiro por saber bem, compreender bem e, sobretudo, por bem praticar o que sabeis, a fim de que Deus vos julgue dignos de aprender mais; depois, quando chegar o momento, saberemos agir e escolheremos os nossos instrumentos.”
18 A primeira parte desta obra, intitulada Doutrina, contém o exame comparado das diversas crenças sobre o céu e o inferno, os anjos e os demônios, as penas e as recompensas futuras; 19 o dogma das penas eternas aí é encarado de maneira especial e refutado por argumentos tirados das próprias leis da Natureza, e que demonstram não só o seu lado ilógico, já assinalado centenas de vezes, mas a sua impossibilidade material. Com as penas eternas caem, naturalmente, as consequências que se acreditava delas poder tirar.
20 A segunda parte encerra numerosos exemplos em apoio da teoria, ou, melhor, que serviram para estabelecer a teoria. Colhem sua teoria na diversidade dos tempos e lugares onde foram obtidas, porquanto, se emanassem de uma única fonte, poderiam ser consideradas como produto de uma mesma influência. Além disso, colhem-na na sua concordância com o que diariamente se obtém em toda parte onde se ocupam das manifestações espíritas de um ponto de vista sério e filosófico. 21 Esses exemplos poderiam ter sido multiplicados ao infinito, pois não há centro espírita que não os possa fornecer em notável contingente. Para evitar repetições fastidiosas, tivemos de fazer uma escolha entre os mais instrutivos. 22 Cada um desses exemplos é um estudo em que todas as palavras têm o seu alcance para quem quer que as medite com atenção, porque de cada lado jorra uma luz sobre a situação da alma depois da morte, e a passagem, até então tão obscura e tão temida, da vida corporal à vida espiritual. 23 É o guia do viajor, antes de entrar num país novo. A vida de além-túmulo aí se desdobra sob todos os seus aspectos, como um vasto panorama; cada um aí colherá novos motivos de esperança e de consolação, e novos suportes para firmar a fé no futuro e na justiça de Deus.
24 Nesses exemplos, em sua maioria tomados de fatos contemporâneos, dissimulamos os nomes próprios, sempre que o julgamos útil, por motivos de conveniência fáceis de apreciar. Aqueles a quem tais exemplos podem interessar os reconhecerão facilmente. Para o público, nomes mais ou menos conhecidos e, por vezes, muito obscuros, nada teriam acrescentado à instrução que deles se pode tirar.
25 As mesmas razões que nos fizeram calar os nomes dos médiuns no Evangelho segundo o Espiritismo, nos fizeram abster-nos de nomeá-los nesta obra, feita para o futuro, muito mais que para o presente. Eles são aí ainda menos interessados, já que não saberiam atribuir-se o mérito de uma coisa à qual seu próprio espírito não participou em nada. 26 A mediunidade, além disso, não é subserviente em um determinado indivíduo; é uma faculdade fugitiva, subordinada à vontade dos Espíritos que querem comunicar-se, que se possui hoje e que pode faltar no dia seguinte, que não é nunca aplicável a todos os Espíritos sem distinção, e, por isso mesmo, não constitui um mérito pessoal como sê-lo-ia um talento adquirido pelo trabalho e pelos esforços da inteligência. 27 Os médiuns sinceros, aqueles que compreendem a gravidade da sua missão, consideram-se como instrumentos que a vontade de Deus pode paralisar a seu grado, se não agirem segundo suas vistas; eles são felizes de possuírem uma faculdade que lhes permite tornarem-se úteis, mas disso não se envaidecem. De resto, conformamo-nos sobre este ponto aos conselhos dos nossos guias espirituais.
28 A Providência quis que a nova revelação não fosse privilégio de ninguém, mas que tivesse seus intérpretes por toda a Terra, em todas as famílias, nas grandes como nas pequenas, segundo esta palavra cujos médiuns hoje em dia são o cumprimento: “Nos últimos tempos, disse o Senhor, espalharei do meu Espírito sobre toda carne; vossos filhos e vossas filhas profetizarão; vossos jovens terão visões e vossos velhos terão sonhos. Nestes dias, espalharei do meu Espírito sobre os meus servos e sobre minhas servas, e eles profetizarão.” (Atos, capítulo II, v. 17, 18.)
29
Mas também disse: “Haverá falsos cristos e falsos profetas.” (Veja-se
o Evangelho
segundo o Espiritismo, capítulo XXI.)
30 Ora, estes últimos tempos chegaram; não é em absoluto o fim do mundo material, como se acreditava, mas o fim do mundo moral, ou seja a era da regeneração.
[1] Vide em Notícias bibliográficas, na Revista Espírita de setembro de 1865 a reprodução de um resumo desse prefácio.