Um Espírito apresenta-se espontaneamente ao médium, sob o nome de Benoist, dizendo ter morrido em 1704 e padecer horríveis sofrimentos.
1. Que fostes na Terra? — R. Frade sem fé.
2. Foi a descrença a vossa única falta? — R. Só ela é bastante para acarretar outras.
3. Podereis dar-nos alguns pormenores sobre a vossa vida? Ser-vos-á levada em boa conta a sinceridade da confissão. — R. Pobre e indolente, ordenei-me para ter uma posição, sem pendor aliás para tal encargo. 2 Inteligente, consegui essa posição; influente, abusei do meu poderio; vicioso, corrompi aqueles que tinha por missão salvar; cruel, persegui os que me pareciam querer verberar os meus excessos; os pacíficos foram por mim inquietados. 3 As torturas da fome de muitas vítimas eram extintas amiúde pela violência. 4 Agora, sofro todas as torturas do inferno, ateando-me as vítimas o fogo que me devora. 5 A luxúria e a fome insaciáveis perseguem-me; cresta-me a sede os lábios escaldantes, sem que uma gota lhes caia em refrigério. Orai pelo meu Espírito.
4. As preces feitas pelos finados deverão ser-vos atribuídas como aos outros? — R. Acreditais que elas sejam bem edificantes. 2 Elas têm para mim o valor das que eu simulava fazer. Não executei o meu trabalho, e, assim, recebo o salário.
5. Nunca vos arrependestes? — R. Há muito tempo; mas ele não veio senão depois do sofrimento. 2 E como fui surdo ao clamor de vítimas inocentes, o Senhor também é surdo aos meus clamores. Justiça!
6. Reconheceis a Justiça do Senhor; pois bem, confiai na sua bondade e socorrei-vos do seu auxílio. — R. Os demônios berram mais do que eu; seus gritos sufocam-me; enchem-me a boca de pez fervente!… 2 Eu o fiz, grande… (O Espírito não pôde escrever a palavra Deus.)
7. Não estais suficientemente liberto das ideias terrenas de modo a compreender que essas torturas são todas morais? — R. Sofro-as… sinto-as… vejo os meus carrascos, que têm todos uma cara conhecida, um nome que repercute em meu cérebro.
8. Mas, que poderia impelir-vos ao cometimento de tantas infâmias? — R. Os vícios de que me achava saturado, a brutalidade das paixões.
9. Nunca implorastes a assistência dos bons Espíritos para vos ajudarem a sair dessa contingência? — R. Apenas vejo os demônios do inferno.
10. E quando estáveis na Terra temíeis esses demônios? — R. Não, absolutamente, visto que só cria em o nada. Os prazeres a todo o transe constituíam o meu culto. 2 E, pois que lhes consagrei a vida, as divindades do inferno não mais me abandonaram, nem abandonarão!
11. Então não lobrigais um termo para esses sofrimentos? — R. O infinito não tem termo.
12. Mas Deus é infinito na sua misericórdia, e tudo pode ter um fim quando lhe aprouver. — R. Se Ele o quisesse!
13. Por que vos viestes inscrever aqui? — R. Não sei mesmo como, mas eu queria falar e gritar para que me aliviassem.
14. E esses demônios não vos inibem de escrever? — R. Não, mas conservam-se à minha frente, e esperam-me… Também por isso, eu desejaria não terminar.
15. É a primeira vez que deste modo escreveis? — R. Sim. 2 — E sabíeis que os Espíritos podiam assim aproximar-se dos homens? — R. Não. 3 — Como, pois, o percebestes? — R. Não sei.
16. Que sensações experimentastes ao acercar-vos de mim? — R. Um como entorpecimento dos meus terrores.
17. Como vos apercebestes da vossa presença aqui? — R. Como quando se acorda.
18. Como procedestes para comunicar comigo? — R. Não posso compreender, mas tu também não sentiste?
19. Não se trata de mim, porém de vós… Procurai assegurar-vos do que fazeis enquanto eu escrevo. — R. És o meu pensamento, eis tudo.
20. Não tivestes, pois, o desejo de me fazer escrever? — R. Não, 2 sou eu quem escreve, e tu pensas por mim.
21. Procurai assegurar-vos do vosso estado, porque os bons Espíritos que vos cercam vos ajudarão. — R. Não, que os anjos não vêm ao inferno. Tu não estás só? 2 — Vedes em torno. — R. Sinto que me auxiliam a atuar sobre ti… a tua mão obedece-me… não te toco, aliás, e seguro-te… Como? Não sei…
22. Implorai a assistência dos vossos protetores. Vamos pedir ambos. — R. Queres deixar-me? Fica comigo, porque vão reapossar-se de mim. Eu to peço… Fica! Fica!…
23. Não posso demorar-me por mais tempo. Voltai diariamente para orarmos juntos e os bons Espíritos vos auxiliarão. — R. Sim, desejo o perdão. Orai por mim, que não posso faze-lo.
2. — O guia do médium. Coragem, meu filho, porque ser-lhe-á concedido o que pedes, posto longe esteja ainda o termo da expiação. 2 As atrocidades por ele cometidas não têm número nem conta, e maior é a sua culpa porque possuía inteligência, instrução e luzes para guiar-se. 3 Tendo falido com conhecimento de causa, mais terríveis lhe são os sofrimentos; 4 os quais, não obstante, se suavizarão com o auxílio e o exemplo da prece, de modo a que lhes veja o termo, confortado pela esperança. 5 Deus o vê no caminho do arrependimento, e já lhe concedeu a graça de poder comunicar-se a fim de ser encorajado e confortado. 6 Pensa nele muitas vezes, pois nós to entregamos para fortalecer-se nas boas resoluções que lhe poderão advir dos teus conselhos. 7 Ao seu arrependimento sucederá o desejo da reparação, e pedirá então uma nova existência para praticar o bem como compensação do mal que fez; 8 e quando Deus estiver satisfeito a seu respeito e o vir resoluto e firme, far-lhe-á entrever as divinas luzes que o hão de conduzir à salvação, recebendo-o no seu seio qual pai ao filho pródigo. 9 Tem fé, e nós te ajudaremos a completar o teu trabalho.
Paulin.
10 Colocamos este Espírito entre os criminosos, posto que não atingido pela justiça humana, porque o crime se contém nos atos, e não no castigo infligido pelos homens. O mesmo se dá com o que se segue.