O Caminho Escritura do Espiritismo Cristão.
Doutrina espírita - 1ª parte.

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O Céu e o Inferno — 2ª Parte.

ESPÍRITOS FELIZES.
(Idioma francês)

Capítulo II.

[Exemplo 6.]

O DOUTOR DEMEURE.

Falecido em Albi (Tarn) a 25 de janeiro de 1865.

1. —  Era um médico homeopata e distintíssimo. Seu caráter, tanto quanto o saber, haviam-lhe granjeado a estima e veneração dos seus concidadãos. Eram-lhe inextinguíveis a bondade e a caridade, e, a despeito da idade avançada, não se lhe conheciam fadigas, em se tratando de socorrer doentes pobres. O preço das visitas era o que menos o preocupava, e de preferência sacrificava as suas comodidades ao pobre, dizendo que dos ricos, em sua falta, bem podiam recorrer a outro médico. E quantas e quantas vezes ao doente sem recursos provia do necessário às exigências materiais, no caso de serem mais úteis que o próprio medicamento. Dele pode dizer-se que era o Cura d’Ars da Medicina.

2 Encontrando, na Doutrina Espírita, a chave de problemas cuja solução debalde pedira à Ciência como a todas as filosofias, o Dr. Demeure abraçara com ardor essa doutrina. Pela profundeza do seu espírito investigador compreendeu-lhe subitamente todo o alcance, de maneira a tornar-se um dos seus mais solícitos propagadores. Relações de mútua e viva simpatia se haviam estabelecido entre nós, correspondendo-nos.

3 Soubemos do seu decesso a 30 de janeiro, sendo que o nosso imediato desejo foi evocá-lo. Em seguida reproduzimos a comunicação obtida no mesmo dia:


4 “Aqui estou. Ainda vivo, assumi o compromisso de manifestar-me desde que me fosse possível, apertando a mão do meu caro mestre e amigo Allan Kardec.

5 “A morte emprestara à minha alma esse pesado sono a que se chama letargia, porém, o meu pensamento velava. Sacudi o torpor funesto da perturbação conseguinte à morte, levantei-me e de um salto fiz a viagem.

6 Como sou feliz! Não mais velho nem enfermo. O corpo, esse, era apenas um disfarce. Jovem e belo, dessa beleza eternamente juvenil dos Espíritos, cujos cabelos não encanecem sob a ação do tempo. 7 Ágil como o pássaro que cruza célere os horizontes do vosso céu nebuloso, admiro, contemplo, bendigo, amo e curvo-me, átomo que sou, ante a grandeza e sabedoria do Criador, sintetizadas nas maravilhas que me cercam.

8 Sou feliz! feliz na glória! Oh! quem poderá jamais traduzir a esplêndida beleza da mansão dos eleitos; os céus, os mundos, os sóis e seu concurso na harmonia do Universo?  9 Pois bem: eu ensaiarei faze-lo, ó meu mestre; vou estudar, e virei trazer-vos o resultado dos meus trabalhos de Espírito e que de antemão, como homenagem, eu vos dedico. Até breve.”

Demeure.


II.


1 As duas comunicações seguintes, dadas em data de 1 e 2 de fevereiro, dizem respeito à enfermidade de que fomos acometidos na ocasião. Posto que de caráter pessoal, reproduzimo-las como provas de que o Dr. Demeure se mostrava tão bom como Espírito, quanto o fora como homem.


2 “Meu bom amigo: tende coragem e confiança em nós, porquanto essa crise, apesar de ser fatigante e dolorosa, não será longa, e, com os conselhos prescritos, podereis, conforme desejais, completar a obra que vos propusestes como fito da vossa existência. 3 Sou eu quem aqui está; perto de vós, e com o Espírito de Verdade que me permite falar em seu nome, por ser eu dos vossos amigos o mais recentemente desencarnado. É como se me fizessem as honras da recepção. 4 Caro mestre: quanto me sinto feliz por ter desencarnado a tempo de estar com esses amigos neste momento! mais cedo livre, eu poderia talvez ter-vos poupado essa crise que não previa. Era muito recente o meu desprendimento para ocupar-me de outras coisas que não as espirituais; mas agora velarei por vós, caro mestre. Aqui estou para, feliz como Espírito, ao vosso lado, prestar os meus serviços; 5 conheceis o provérbio: “ajuda-te, o Céu te ajudará”. Pois bem, ajudai os bons Espíritos que vos assistem, conformando-vos com as suas prescrições.

6 “Está muito quente aqui: esta fumaça é irritante. Enquanto estiverdes doente, convém não fazer lume, a fim de não aumentar a vossa opressão. Os gases que aí se desprendem são deletérios.

“Vosso amigo,     

Demeure.


III.


1 “Sou eu, Demeure, o amigo do Sr. Kardec. Venho dizer-lhe que o acompanhava quando lhe sobreveio o acidente. Este seria certamente funesto sem a intervenção eficaz para a qual me ufano de haver concorrido. 2 De acordo com as minhas observações e com os informes colhidos em boa fonte, é evidente para mim que, quanto mais cedo se der a sua desencarnação, tanto mais breve reencarnará para completar a sua obra. 3 É preciso, contudo, antes de partir, dar a última demão às obras complementares da teoria doutrinal de que é o iniciador; 4 se, portanto, por excesso de trabalho, não atendendo à imperfeição do seu organismo, antecipar a partida para cá, será passível da pena de homicídio voluntário. 5 É mister dizer-lhe toda a verdade, para que se previna e siga estritamente as nossas prescrições.”

Demeure.


IV.


1 A seguinte comunicação foi obtida em Montauban, aos 26 de janeiro, dia seguinte ao da sua desencarnação, num círculo de amigos espíritas que havia nessa cidade.


2 “Antoine Demeure. Não morri para vós, meus amigos, porém para aqueles que não conhecem a santa doutrina que reúne os que se amaram e tiveram na Terra os mesmos pensamentos, os mesmos sentimentos de amor e caridade.

3 “Sou feliz e mais feliz do que esperava, gozando de uma lucidez rara entre os Espíritos, relativamente ao tempo da minha desencarnação. 4 Revesti-vos de coragem, bons amigos, que eu estarei muitas vezes junto de vós, instruindo-vos em muitas coisas que ignoramos quando presos à matéria, espesso véu que é de tantas magnificências, de tantos gozos. 5 Orai pelos que estão privados dessa felicidade, pois eles não sabem o mal que fazem a si mesmos.

6 “Hoje não me prolongarei, dizendo-vos somente que me não sinto de todo estranho neste mundo dos invisíveis, parecendo-me até que sempre o habitei. Aqui sou feliz em vendo os meus amigos, comunicando-me com eles sempre que o desejo.

7 “Não choreis, meus amigos, porque me faríeis lamentar o haver-vos conhecido. Deixai correr o tempo, e Deus vos encaminhará para esta mansão, onde nos devemos todos reunir finalmente. Boa-noite, amigos; que Deus vos conforte, ficando eu ao vosso lado.

Demeure.


V.


1 Ainda de uma carta de Montauban extraímos a narrativa seguinte:


“Tínhamos ocultado à Srª G…, médium sonambúlico e vidente muito lúcido — a morte do Dr. Demeure, em atenção à sua extrema sensibilidade. Sem dúvida, secundando o nosso intuito, o bom médico também evitou manifestar-se-lhe. 2 A 10 de fevereiro reunimo-nos a convite dos guias, que diziam querer aliviar a Srª G… de uma luxação, em consequência da qual muito sofria desde a véspera. Nada mais sabíamos, e longe estávamos de pensar na surpresa que nos aguardava. 3 Logo que essa senhora entrou em sonambulismo, começou a soltar gritos lancinantes, mostrando o pé. Eis o que se passava:

4 “A Srª G… via um Espírito curvado a seus pés com a fisionomia oculta, a fazer-lhe fricções e massagens, exercendo de vez em quando uma tração longitudinal sobre a parte luxada, exatamente como faria qualquer médico. A operação era tão dolorosa, que a paciente vociferava empregando movimentos desordenados. 5 No entanto, a crise não foi longa e ao fim de uns dez minutos desapareciam a inflamação e os traços da luxação, retomando o pé a sua aparência normal. A Srª G… estava curada!

6 “O Espírito continuava incógnito para o médium, persistindo em não lhe revelar as feições, quando, por mostrar desejos de retirar-se, a doente, que momentos antes não daria um passo, se atira de um salto ao centro do quarto para apertar a mão do seu médico espiritual. 7 Ainda desta feita, o Espírito voltou o rosto, deixando a mão na do médium. Nesse momento a Srª G… dá um grito e cai desfalecida no soalho, vindo de reconhecer o Dr. Demeure no Espírito que a operava. 8 Durante a síncope ela recebia cuidados de muitos Espíritos afeiçoados. Por fim, reapareceu a lucidez sonambúlica e ela conversou com muitos desses Espíritos, trocando-se felicitações, sobretudo com o Dr. Demeure, que lhe correspondia aos testemunhos de afeição penetrando-a de fluidos reparadores.

9 “Não é uma tal cena surpreendentemente dramática, considerando-se as personagens como que representando papéis da vida humana? Não será uma prova, entre mil outras, de que os Espíritos são seres efetivamente reais agindo como se estivessem na Terra? 10 Somos felizes por ver, no amigo Espírito, o mesmo coração bondoso do médico solícito e abnegado que foi neste mundo. Ele fora durante a vida o médico do médium, e, conhecendo a sua extrema sensibilidade, poupou-o tanto quanto se fora seu próprio filho. 11 Esta prova de identidade, conferida aos que o Espírito prezava, é admirável e de molde a fazer encarar a vida futura por um prisma mais consolador.”


NOTA12 A situação espiritual do Dr. Demeure é justamente a que se podia antever na sua vida tão digna quão utilmente empregada. Mas, dessas comunicações, resulta ainda um outro fato não menos instrutivo — o da atividade que ele emprega quase imediatamente após a morte, no sentido de tornar-se prestimoso. 13 Por sua alta inteligência e qualidades morais, ele pertence à categoria dos Espíritos muito adiantados. A sua felicidade não é, porém, a da inação. 14 Ainda há poucos dias tratava doentes como médico, e mal apenas se desprende da matéria, ei-lo a tratá-los como Espírito. 15 Dirão certas pessoas que nada se adianta, então, com a permanência no outro mundo, uma vez que se não goza ali de repouso. É o caso de lhes perguntarmos se é nada o não termos mais cuidados, necessidades, moléstias; podermos livre e sem fadigas percorrer o Espaço com a rapidez do pensamento, ver os que nos são sempre caros e a toda hora, por mais distantes que de nós se achem! 16 E acrescentaremos: Quando no outro mundo, nada vos forçará a vontade; poderíeis ficar em beatífica ociosidade e pelo tempo que vos aprouvesse, mas ficai certos de que esse repouso egoísta depressa vos enfadaria, e seríeis os primeiros a solicitar qualquer ocupação. 17 Então se vos diria que se a ociosidade vos enfada, deveis vós mesmos procurar algo fazer, visto não escassearem ocasiões de ser útil, quer no mundo dos Espíritos, quer no dos homens. 18 E assim é que a atividade espiritual deixa de ser uma obrigação para tornar-se uma necessidade, um prazer relativo às tendências e aptidões, escolhidos de preferência os misteres mais propícios ao adiantamento de cada um.



[Vide na Revista do mês de março de 1865: O Dr. Demeure.]


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