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ESDE — Estudo Sistematizado da Doutrina Espírita — Programa Complementar

Módulo VII — Fenômenos de Emancipação da Alma

Roteiro 3


Sonambulismo, êxtase e dupla vista


Objetivo Geral: Apresentar esclarecimentos a respeito dos fenômenos de emancipação da alma.

Objetivos específicos: Explicar o que é sonambulismo. — Estabelecer a diferença entre êxtase e sonambulismo. — Caracterizar o fenômeno de dupla vista.



CONTEÚDO BÁSICO


  • O sonambulismo é […] um estado de independência do Espírito, mais completo do que no sonho, estado em que maior amplitude adquirem suas faculdades. A alma tem então percepções de que não dispõe no sonho, que é um estado de sonambulismo imperfeito. No sonambulismo, o Espírito está na posse plena de si mesmo. Os órgãos materiais, achando-se de certa forma em estado de catalepsia, deixam de receber as impressões exteriores. Esse estado se apresenta principalmente durante o sono […]. Quando se produzem os fatos do sonambulismo, é que o Espírito, preocupado com uma coisa ou outra, se aplica a uma ação qualquer, para cuja prática necessita de utilizar se do corpo. Serve-se então deste, como se serve de uma mesa ou de outro objeto material no fenômeno das manifestações físicas […]. Allan Kardec: O Livro dos Espíritos, questão 425.

  • Que diferença há entre o êxtase e o sonambulismo? O êxtase é um sonambulismo mais apurado. A alma do extático ainda é mais independente. Allan Kardec: O Livro dos Espíritos, questão 439.

  • No estado de êxtase, o aniquilamento do corpo é quase completo. Fica-lhe somente […] a vida orgânica. Sente-se que a alma se lhe acha presa unicamente por um fio, que mais um pequenino esforço quebraria sem remissão. Nesse estado, desaparecem todos os pensamentos terrestres, cedendo lugar ao sentimento apurado, que constitui a essência mesma do nosso ser imaterial. Allan Kardec: O Livro dos Espíritos, questão 455, p. 243.

  • O fenômeno a que se dá a designação de dupla vista tem alguma relação com o sonho e o sonambulismo? Tudo isso é uma só coisa. O que se chama dupla vista é ainda resultado da libertação do Espírito, sem que o corpo seja adormecido. A dupla vista ou segunda vista é a vista da alma. Allan Kardec: O Livro dos Espíritos, questão 447.

  • O poder da vista dupla varia, indo desde a sensação confusa até a percepção clara e nítida das coisas presentes ou ausentes. Quando rudimentar, confere a certas pessoas o tato, a perspicácia, uma certa segurança nos atos, a que se pode dar o qualificativo de precisão de golpe de vista moral. Allan Kardec: O Livro dos Espíritos, questão 455, p. 244.




SUGESTÕES DIDÁTICAS


Introdução:

  • Iniciar o estudo apresentando o assunto e os objetivos do roteiro.

  • Em seguida, solicitar aos participantes que se organizem em duplas e entregar, a cada dupla, uma ficha contendo as seguintes expressões: SONAMBULISMO; ÊXTASE; DUPLA VISTA.

  • Logo após, pedir aos integrantes de cada dupla que troquem ideias a respeito das palavras constantes nas fichas recebidas.


Desenvolvimento:

  • Ouvir o entendimento do plenário acerca do conteúdo das fichas, sem comentá-lo. Dividir os participantes em três grupos, para a realização das seguintes tarefas:

    Grupo I:

    a) leitura do item 1 dos Subsídios;

    b) troca de ideias sobre o conteúdo lido;

    c) listagem das características do sonambulismo, apresentadas no texto;

    d) elaboração de cartaz com essas características;

    e) afixação do mesmo em lugar indicado pelo monitor;

    f) escolha de um representante para explicar o conteúdo do cartaz aos demais grupos.

    Grupo II:

    a) leitura do item 2 dos Subsídios;

    b) troca de ideias sobre o conteúdo lido;

    c) listagem das características do êxtase, encontradas no texto;

    d) elaboração de cartaz com essas características;

    e) afixação do mesmo em lugar indicado pelo monitor;

    f) escolha de um representante para explicar o conteúdo do cartaz aos demais grupos.

    Grupo III:

    a) leitura do item 3 dos Subsídios;

    b) troca de ideias sobre o conteúdo lido;

    c) listagem das características da dupla vista, registradas no texto;

    d) elaboração de cartaz com essas características;

    e) afixação do mesmo em lugar indicado pelo monitor;

    f) escolha de um representante para explicar o conteúdo do cartaz aos demais grupos.

  • Ouvir as conclusões dos grupos, solicitando aos seus representantes que incluam, dentre as características apresentadas, aquelas que, eventualmente, tenham sido omitidas.

  • A seguir, em conjunto com a turma, assinalar nos cartazes afixados os itens que indiquem as semelhanças e as diferenças existentes entre os fenômenos em questão, prestando os esclarecimentos que se fizerem necessários.


Conclusão:

  • Encerrar o estudo ressaltando a importância dos fenômenos do sonambulismo, do êxtase e da dupla vista para demonstração da existência da alma.


Avaliação:

  • O estudo será considerado satisfatório, se os participantes realizarem corretamente as tarefas propostas.


Técnica(s):

  • Cochicho; estudo em pequenos grupos; exposição.


Recurso(s):

  • Ficha; folha de papel-pardo/cartolina; fita adesiva; caneta hidrográfica.



 

SUBSÍDIOS


 1. Sonambulismo

De acordo com o Espiritismo, o sonambulismo natural é […] um estado de independência do Espírito, mais completo do que no sonho, estado em que maior amplitude adquirem suas faculdades. A alma tem então percepções de que não dispõe no sonho, que é um estado de sonambulismo imperfeito. No sonambulismo, o Espírito está na posse plena de si mesmo. Os órgãos materiais, achando-se de certa forma em estado de catalepsia, deixam de receber as impressões exteriores. Esse estado se apresenta principalmente durante o sono, ocasião em que o Espírito pode abandonar provisoriamente o corpo, por se encontrar este gozando do repouso indispensável à matéria. Quando se produzem os fatos do sonambulismo, é que o Espírito, preocupado com uma coisa ou outra, se aplica a uma ação qualquer, para cuja prática necessita de utilizar se do corpo. Serve-se então deste, como se serve de uma mesa ou de outro objeto material no fenômeno das manifestações físicas, ou mesmo como se utiliza da mão do médium nas comunicações escritas. (1) Os fenômenos do sonambulismo natural se produzem espontaneamente e independem de qualquer causa exterior conhecida. Mas, em certas pessoas dotadas de especial organização, podem ser provocados artificialmente, pela ação do agente magnético. O estado que se designa pelo nome de sonambulismo magnético apenas difere do sonambulismo natural em que um é provocado, enquanto o outro é espontâneo. O sonambulismo natural constitui fato notório, que ninguém mais se lembra de pôr em dúvida, não obstante o aspecto maravilhoso dos fenômenos a que dá lugar. Por que seria então mais extraordinário ou irracional o sonambulismo magnético? Apenas por produzir se artificialmente, como tantas outras coisas? […]. (5)

Em verdade, para […] o Espiritismo, o sonambulismo é mais do que um fenômeno psicológico, é uma luz projetada sobre a psicologia. É aí que se pode estudar a alma, porque é onde esta se mostra a descoberto. Ora, um dos fenômenos que a caracterizam é o da clarividência independente dos órgãos ordinários da vista. Fundam-se os que contestam este fato em que o sonâmbulo nem sempre vê, e à vontade do experimentador, como com os olhos. Será de admirar que difiram os efeitos, quando diferentes são os meios? Será racional que se pretenda obter os mesmos efeitos, quando há e quando não há o instrumento? A alma tem suas propriedades, como os olhos têm as suas. Cumpre julgá-las em si mesmas e não por analogia. De uma causa única se originam a clarividência do sonâmbulo magnético e a do sonâmbulo natural. É um atributo da alma, uma faculdade inerente a todas as partes do ser incorpóreo que existe em nós e cujos limites não são outros senão os assinados à própria alma. O sonâmbulo vê em todos os lugares aonde sua alma possa transportar se, qualquer que seja a longitude. No caso de visão a distância, o sonâmbulo não vê as coisas de onde está o seu corpo, como por meio de um telescópio. Vê-as presentes, como se se achasse no lugar onde elas existem, porque sua alma, em realidade, lá está. Por isso é que seu corpo fica como que aniquilado e privado de sensação, até que a alma volte a habitá-lo novamente. Essa separação parcial da alma e do corpo constitui um estado anormal, suscetível de duração mais ou menos longa, porém não indefinida. Daí a fadiga que o corpo experimenta após certo tempo, mormente quando aquela se entrega a um trabalho ativo. (6)

Note-se, contudo, que o […] poder da lucidez sonambúlica não é ilimitado. O Espírito, mesmo quando completamente livre, tem restringidos seus conhecimentos e faculdades, conforme ao grau de perfeição que haja alcançado. Ainda mais restringidos os tem quando ligado à matéria, a cuja influência está sujeito. É o que motiva não ser universal, nem infalível, a clarividência sonambúlica. E tanto menos se pode contar com a sua infalibilidade, quanto mais desviada seja do fim visado pela natureza e transformada em objeto de curiosidade e de experimentação. No estado de desprendimento em que fica colocado, o Espírito do sonâmbulo entra em comunicação mais fácil com os outros Espíritos encarnados, ou não encarnados, comunicação que se estabelece pelo contacto dos fluidos, que compõem os perispíritos e servem de transmissão ao pensamento, como o fio elétrico. O sonâmbulo não precisa, portanto, que se lhe exprimam os pensamentos por meio da palavra articulada. Ele os sente e adivinha. É o que o torna eminentemente impressionável e sujeito às influências da atmosfera moral que o envolva. (7)

Como se sabe, em […] cada uma de suas existências corporais, o Espírito adquire um acréscimo de conhecimentos e de experiência. Esquece-os parcialmente, quando encarnado em matéria por demais grosseira, porém deles se recorda como Espírito. Assim é que certos sonâmbulos revelam conhecimentos acima do grau da instrução que possuem e mesmo superiores às suas aparentes capacidades intelectuais. Portanto, da inferioridade intelectual e científica do sonâmbulo, quando desperto, nada se pode inferir com relação aos conhecimentos que porventura revele no estado de lucidez. Conforme as circunstâncias e o fim que se tenha em vista, ele os pode haurir da sua própria experiência, da sua clarividência relativa às coisas presentes, ou dos conselhos que receba de outros Espíritos. Mas, podendo o seu próprio Espírito ser mais ou menos adiantado, possível lhe é dizer coisas mais ou menos certas. Pelos fenômenos do sonambulismo, quer natural, quer magnético, a Providência nos dá a prova irrecusável da existência e da independência da alma e nos faz assistir ao sublime espetáculo da sua emancipação. (8)

A literatura espírita é plena de fatos de sonambulismo. Como exemplificação, eis o relato de um deles, nas próprias palavras de Allan Kardec, conforme consta na Revista Espírita: Residindo em Bercy, na Rua Charenton, 43, o Sr. Marillon havia desaparecido desde o dia 13 de janeiro último. Todas as pesquisas para descobrir o seu paradeiro foram infrutíferas; nenhuma das pessoas na casa das quais estava habituado a ir o tinham visto; nenhum negócio podia motivar sua ausência prolongada. Por outro lado, seu caráter, sua posição e seu estado mental afastavam qualquer ideia de suicídio. Restava a possibilidade de que tivesse sido vítima de um crime ou de um acidente; nesta última hipótese, porém, teria sido facilmente reconhecido e levado para sua casa, ou pelo menos, despachado para o necrotério. Todas as probabilidade apontavam, pois, para um crime, nele se firmando o pensamento, tanto mais quanto o Sr. Marillon havia saído para fazer um pagamento. Mas onde e como o crime havia sido cometido? Ninguém o sabia. Sua filha recorreu, então, a uma sonâmbula, a Sra. Roger que em muitas outras situações semelhante dera provas de notável lucidez, que nós mesmos constatamos. A Sra. Roger seguiu o Sr. Marillon desde a saída da casa dele, às três horas da tarde, até cerca de sete horas da noite, quando ele se dispunha a voltar. Viu-o descer às margens do Sena para satisfazer a uma urgente necessidade, sendo aí acometido de um ataque de apoplexia. Ela descreveu tê-lo visto cair sobre uma pedra, abrir uma fenda na fronte e depois rolar dentro d’água; não se tratou, pois, nem de suicídio, nem de crime; ainda havia dinheiro e uma chave dentro do bolso de seu paletó. A sonâmbula indicou o local do acidente, acrescentando que o corpo não mais se encontrava no local, em virtude de ter sido arrastado facilmente pela correnteza. Encontraram-no, com efeito, no local assinalado. Tinha a ferida indicada na fronte, a chave e o dinheiro estavam no bolso e a posição de suas roupas indicava claramente que a sonâmbula não se havia enganado quanto ao motivo que o levara à beira do rio. Diante de tantos detalhes, perguntamos onde se poderia ver a transmissão de um pensamento qualquer. (11)


 2. Êxtase

O êxtase, por sua vez, é, segundo o ensino espírita, […] um sonambulismo mais apurado. A alma do extático é mais independente. (2)

De fato, no […] sonho e no sonambulismo, o Espírito anda em giro pelos mundos terrestres. No êxtase, penetra em um mundo desconhecido, o dos Espíritos etéreos, com os quais entra em comunicação, sem que, todavia, lhe seja lícito ultrapassar certos limites, porque, se os transpusessem, totalmente se partiriam os laços que o prendem ao corpo. Cerca-o então resplendente e desusado fulgor, inebriam-no harmonias que na Terra se desconhecem, indefinível bem-estar o invade: goza antecipadamente da beatitude celeste e bem se pode dizer que pousa um pé no limiar da eternidade. Na estado de êxtase, o aniquilamento do corpo é quase completo. Fica-lhe somente, pode-se dizer, a vida orgânica. Sente-se que a alma se lhe acha presa unicamente por um fio, que mais um pequenino esforço quebraria sem remissão. Nesse estado, desaparecem todos os pensamentos terrestres, cedendo lugar ao sentimento apurado, que constitui a essência mesma do nosso ser imaterial. Inteiramente entregue a tão sublime contemplação, o extático encara a vida apenas como paragem momentânea. Considera os bens e os males, as alegrias grosseiras e as misérias deste mundo quais incidentes fúteis de uma viagem, cujo termo tem a dita de avistar. Dá-se com os extáticos o que se dá com os sonâmbulos: mais ou menos perfeita podem ter a lucidez e o Espírito mais ou menos apto a conhecer e compreender as coisas, conforme seja mais ou menos elevado. Muitas vezes, porém, há neles mais excitação do que verdadeira lucidez, ou, melhor, muitas vezes a exaltação lhes prejudica a lucidez. Daí o serem, frequentemente, suas revelações um misto de verdades e erros, de coisas grandiosas e coisas absurdas, até ridículas. Dessa exaltação, que é sempre uma causa de fraqueza, quando o indivíduo não sabe reprimi-la, Espíritos inferiores costumam aproveitar se para dominar o extático, tomando, com tal intuito, aos seus olhos, aparências que mais o aferram às ideias que nutre no estado de vigília. Há nisso um escolho, mas nem todos são assim. Cabe-nos julgar friamente e pesar lhes as revelações na balança da razão. (9)

Há, ainda, com relação ao êxtase, uma singularidade. É que, se o extático ficasse entregue a si mesmo, poderia ocorrer a sua desencarnação. (3) Por isso [dizem os Espíritos Superiores] é que preciso se toma chamá-lo a voltar, apelando para tudo o que o prende a este mundo, fazendo-lhe sobretudo compreender que a maneira mais certa de não ficar lá, onde vê que seria feliz, consistiria em partir a cadeia que o tem preso ao planeta terreno. (3) De toda forma, como assinala Denis, a […] felicidade dos extáticos, o júbilo que experimentam, contemplando as magnificências do Além, seriam só por si suficientes para nos demonstrar a extensão dos gozos que nos reservam as esferas espirituais, se as nossas grosseiras concepções nos não impedissem muitíssimas vezes de os compreender e pressentir. (13)

À guisa de ilustração, extraímos da Revista Espírita, de Allan Kardec, o seguinte caso de êxtase, que, segundo a tradição, ocorreu com o famoso compositor italiano de música religiosa, Pergolesi, que viveu no século XVIII. O fato é relatado pelo Sr. Ernest Le Nordez:

Sabeis com que piedade aqui celebramos, ainda em nossos dias, a despeito da debilidade da fé, o tocante aniversário da morte do Cristo; a semana em que a Igreja o relembra a seus filhos é bem realmente, para nós, uma semana santa. Assim, reportando-vos à época de fé em que vivia Pergolesi, podeis pensar com que fervor o povo acorria em massa às igrejas, para meditaras cenas enternecedoras do drama sangrento do Calvário. Na sexta-feira santa Pergolesi acompanhou a multidão. Aproximando-se do templo, parecia-lhe que uma calma, há muito desconhecida para ele, se fazia em sua alma e, quando transpôs o portal, sentiu-se como que envolto por uma nuvem ao mesmo tempo espessa e luminosa. Logo nada mais viu; profundo silêncio se fez em seu redor depois, ante os seus olhos admirados, e em meio à nuvem, na qual até então lhe parecia ter sido levado, viu desenharem-se os traços puros e divinos de uma virgem, inteiramente vestida de branco; ele a viu pousar seus dedos etéreos nas teclas de um órgão, e ouviu como um concerto longínquo de vozes melodiosas, que insensivelmente dele se aproximava. O canto que essas vozes repetiam o enchia de encantamento, mas não lhe era desconhecida; parecia-lhe que esse canto era aquele do qual não tinha podido perceber senão vagos ecos; essas vozes eram bem aquelas que, desde longos meses, lançavam perturbação em sua alma e agora lhe traziam uma felicidade sem limite. Sim, esse canto, essas vozes eram bem o sonho que ele tinha perseguido, o pensamento, a inspiração que inutilmente havia procurado por tanto tempo. Mas, enquanto sua alma, arrebatada no êxtase, bebia a longos sorvos as harmonias simples e celestes desse concerto angélico, sua mão, como que movida por força misteriosa, agitava-se no espaço e parecia traçar, mau grado seu, notas que traduziam os sons que o ouvido escutava. Pouco a pouco as vozes se afastaram, a visão desapareceu, a nuvem se desvaneceu e Pergolesi viu, ao abrir os olhos, escrito por sua mão, no mármore do templo, esse canto de sublime simplicidade, que o devia imortalizar, o Stab Mater, que desde esse dia todo o mundo cristão repete e admira. O artista ergueu-se, saiu do templo, calmo, feliz e não mais inquieto e agitado. Mas nesse dia uma nova aspiração se apoderou dessa alma de artista: ela ouvira o canto dos anjos, o concerto dos céus. As vozes humanas e os concertos terrestres já não lhe podiam bastar. Essa sede ardente, impulso de um grande gênio, acabou por esgotar o sopro de vida que lhe restava, e foi assim que aos trinta e três anos, na exaltação, na febre, ou melhor, no amor sobrenatural de sua arte, Pergolesi encontrou a morte. (12)


 3. Dupla vista

O fenômeno designado como dupla vista tem relação com o sonho e o sonambulismo, uma vez que, segundo ensina a Codificação Espírita, isso tudo […] é uma só coisa. O que se chama dupla vista é ainda resultado da libertação do Espírito, sem que o corpo seja adormecido. A dupla vista ou segunda vista é a vista da alma. (4)

Com efeito, a alma às vezes emancipa-se também no estado de vigília, produzindo, neste caso, o fenômeno chamado de dupla vista, que […] é a faculdade graças à qual quem a possui vê, ouve e sente além dos limites dos sentido humanos. Percebe o que exista até onde estende a alma a sua ação. Vê, por assim dizer, através da vista ordinária e como por uma espécie de miragem. No momento em que o fenômeno da segunda vista se produz, o estado físico do indivíduo se acha sensivelmente modificado. O olhar apresenta alguma coisa de vago. Ele olha sem ver. Toda a sua fisionomia reflete uma como exaltação. Nota-se que os órgãos visuais se conservam alheios ao fenômeno, pelo fato de a visão persistir, mau grado à oclusão dos olhos. Aos dotados desta faculdade ela se afigura tão natural, como a que todos temos de ver. Consideram-na um atributo de seus próprios seres, que em nada lhes parecem excepcionais. De ordinário, o esquecimento se segue a essa lucidez passageira, cuja lembrança, tornando-se cada vez mais vaga, acaba por desaparecer, como a de um sonho. O poder da vista dupla varia, indo desde a sensação confusa até a percepção clara e nítida das coisas presentes ou ausentes. Quando rudimentar, confere a certas pessoas o tato, a perspicácia, uma certa segurança nos atos, a que se pode dar o qualitativo de precisão de golpe de vista moral. Um pouco desenvolvida, desperta os pressentimentos. Mais desenvolvida mostra os acontecimentos que deram ou estão para dar-se. (10)

São muitos os casos de dupla vista encontrados na literatura espírita. A título de exemplo, citamos o seguinte, conforme consta na obra A Morte e o Seu Mistério, de Camille Flammarion: O professor Boehm, que ensinava matemáticas em Marburg, estando uma noite com amigos, teve de repente a convicção de que devia regressar a sua casa. Mas, como tomasse tranquilamente o seu chá, resistiu a esta impressão, a qual todavia tornou a arrastá-lo com tanta força que se viu obrigado a obedecer. Chegado à sua morada, encontrou aí tudo como o havia deixado; mas sentia-se obrigado a mudar o seu leito de lugar. Por mais absurda que lhe parecesse esta imposição mental, entendeu que a devia cumprir, chamou a criada e como auxílio dela colocou a cama do outro lado do quarto. Feito isto, ficou satisfeito e voltou para junto de seus amigos a acabar o serão. Despediu-se deles às dez horas, voltou para casa, deitou-se e adormeceu. Foi despertado, durante a noite, por grande fragor e verificou que grossa viga tinha desabado, arrastando uma parte do teto e caindo no lugar que o seu leito havia ocupado. (14)

Em suma, pode-se dizer que o […] sonambulismo natural e artificial, o êxtase e a dupla vista são efeitos vários, ou de modalidades diversas, de uma mesma causa. Esses fenômenos, como os sonhos, estão na ordem da natureza. Tal a razão por que hão existido em todos os tempos. A História mostra que foram sempre conhecidos e até explorados desde a mais remota antiguidade e neles se nos depara a explicação de uma imensidade de fatos que os preconceitos fizeram fossem tidos por sobrenaturais. (10)



 

ANEXO


Oração

Divino Benfeitor!

Amanhece em nossos caminhos. As sombras da noite moral insistente diluem-se ante a claridade que nos visita.

Em todos os trâmites de dor e inquietação foste a nossa segurança e o nosso apoio.

Sempre experimentamos a dita de fruir a tua presença.

No dia novo, segue conosco, Jesus, a fim de que não o nublemos com a treva teimosa que ainda perdura em nós, por culpa nossa.

Se não pudermos alcançar, por enquanto, os alcantis dourados, nos tentames da ascensão que nos destinas, faculta-nos embelezar as escarpas, a fim de melhorarmos a paisagem para os que vêm, corajosos, depois de nós…

Se não conseguirmos o êxito por nossa imprevidência, enseja-nos, ao menos, a sabedoria que impede o acumpliciamento com o crime.

Ensina-nos a valorizar o tempo, aplicando-o com elevação.

Não nos concedas a hora vazia, a fim de que a ociosidade não nos entorpeça o caráter.

Nós, que temos vivido em fugas incessantes, agora te suplicamos a coragem e o destemor para o avanço do espírito robustecido pela fé e dignificado pelo sacrossanto sentimento do Amor.

Permite que façamos sempre segundo a tua e não a nossa vontade, por seres o Caminho, a Verdade e a Vida, que todos anelamos.

Senhor !

Despede-nos em tua santa paz! (15)



Referências Bibliográficas:

1. KARDEC, Allan. O Livro dos Espíritos. Tradução de Guillon Ribeiro. 86. ed. Rio de Janeiro: FEB, 2005. Questão 425, p. 231.

2. Idem - Questão 439, p.235.

3. Id. - Questão 442, p. 236.

4. Id. - Questão 447, p. 237.

5. Id. - Questão 455, p. 243.

6. Idem, ibidem - p. 240.

7. Idem, ibidem - p. 241.

8. Idem, ibidem - p. 242.

9. Idem, ibidem - p. 243.

10. Idem, ibidem - p. 244.

11. Idem - Revista Espírita. Tradução de Evandro Noleto Bezerra. Poesias traduzidas por Inaldo Lacerda Lima. 1. ed. Rio de Janeiro: FEB, 2004. Ano I, novembro de 1858, n. 11 (Independência Sonambúlica), pg. 473-474.

12. Id. - Ano XII, fevereiro de 1869, n. 2 (Visão de Pergolese), p. 85-86.

13. DENIS, Leon. No Invisível. Tradução de Leopoldo Cirne. 20. ed. Rio de Janeiro: FEB, 2002. Capítulo XII, p. 161.

14. FLAMMARION, Camille. A Morte e o Seu Mistério. 6. ed. Rio de Janeiro: FEB, 2004, vol. I, Capítulo VIII, p. 231.

15. FRANCO, Divaldo Pereira. Tramas do Destino. Pelo Espírito Manoel P. de Miranda. 8. ed. Rio de Janeiro: FEB, 2004. Capítulo 30 (Novos Rumos), p. 299-300.


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