Roteiro 2
O cego de Betsaida
Objetivo: Explicar a cura do cego de Betsaida (Mc 8.22-26), à luz da Doutrina Espírita.
IDEIAS PRINCIPAIS
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O processo de cura do cego de Betsaida arregimentou a ação intercessora de benfeitores anônimos e a utilização de original terapia: antes de se fazer a imposição de mãos, como usualmente procedia, Jesus aplicou saliva nos olhos do doente.
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A cura operada por Jesus nos faz colher […] uma lição de inestimável proveito em tudo isso, e refere-se à passagem do Espírito da materialidade em que está, para a espiritualidade, da ignorância para a sabedoria, das trevas para a luz. Ele não adquire, como o cego não adquiriu, repentinamente a vidência da Verdade; passa por um estado de confusão, assim como o cego — vendo, mas vendo homens como árvores, até que possa distinguir claramente a realidade. Cairbar Schutel: O espírito do Cristianismo. Capítulo 62.
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É óbvio que o mundo inteiro reclama visão com o Cristo, mas não basta ver simplesmente; […] para ver e glorificar o Senhor é indispensável marchar nas pegadas do Cristo, escalando, com Ele, a montanha do trabalho e do testemunho. Emmanuel: Vinha de luz. Capítulo 34.
SUBSÍDIOS
1. Texto evangélico
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E chegou a Betsaida; e trouxeram-lhe um cego e rogaram-lhe que lhe tocasse. E, tomando o cego pela mão, levou-o para fora da aldeia; e, cuspindo-lhe nos olhos e impondo-lhe as mãos, perguntou-lhe se via alguma coisa. E, levantando ele os olhos, disse: Vejo os homens, pois os vejo como árvores que andam. Depois, tornou a pôr-lhe as mãos nos olhos, e ele, olhando firmemente, ficou restabelecido e já via ao longe e distintamente a todos. E mandou-o para sua casa, dizendo: Não entres na aldeia. Marcos, 8.22-26.
2. Interpretação do texto evangélico
Betsaida (“casa da pesca” em hebraico), uma aldeia situada a nordeste do mar da Galileia e a alguns quilômetros de Cafarnaum, terra dos apóstolos Pedro, Felipe e André, foi palco de curiosa cura realizada por Jesus.
A chegada a humilde comunidade de Betsaida representa uma pausa num ambiente acomodado, de acolhimento aos viajantes cansados e desencorajados em prosseguir a jornada, mas que recebe o Mestre que por ali transitava na busca das “ovelhas perdidas” de Israel.
A misericórdia de Jesus se faz presente quando ele encontra uma dessas ovelhas, identificada na figura do cego de Betsaida (“E trouxeram-lhe um cego”). A chegada de Jesus evidencia seu trabalho dinâmico no bem, disposto a auxiliar os necessitados que, à semelhança do cego, abrigam a esperança de serem curados dos seus males.
Importa destacar o gesto de solidariedade de alguns amigos que conduzem o cego, pedindo auxílio ao Senhor. São criaturas humanas, anônimas no texto evangélico, que agem como intercessores junto ao Senhor. São Espíritos benevolentes identificados com a mensagem de amor, que nos ensinam como ajustar a própria vida ao trabalho de cooperação e de caridade.
A propósito, elucida um Espírito protetor, em mensagem ditada na cidade de Bordéus, em 1861.
Qual é, meus amigos, esse bálsamo soberano, que possui tão grande virtude, que se aplica a todas as chagas do coração e as cicatriza? É o amor, é a caridade! Se possuís esse fogo divino, que é o que podereis temer? […] Se tendes amor, tereis colocado o vosso tesouro lá onde os vermes e a ferrugem não o podem atacar e vereis apagar-se da vossa alma tudo o que seja capaz de lhe conspurcar a pureza; sentireis diminuir dia a dia o peso da matéria e, qual pássaro que adeja nos ares e já não se lembra da Terra, subireis continuamente, subireis sempre, até que vossa alma, inebriada, se farte do seu elemento de vida no seio do Senhor. (1)
O nome e o número dos amigos que conduziram o cego ficaram escondidos na palavra “trouxeram”. Entretanto, a sublime manifestação de amor ao próximo, citado no texto, atravessa os tempos e deixa as suas marcas, revelando o caráter, a solidariedade e o senso de caridade desses benfeitores que souberam aproveitar a feliz oportunidade da presença de Jesus entre eles (“e trouxeram-lhe um cego e rogaram-lhe que lhe tocasse”)
Similarmente, podemos dizer que a mesma dinâmica do amor se evidencia no trabalho de incansáveis amigos que encontramos ao longo da nossa caminhada evolutiva, os quais visitando a “Betsaida de nossos corações”, ainda cristalizados no comodismo das deficiências que trazemos das experiências passadas, nos estimulam ao bem.
Não é fácil apartar-se do mal, consubstanciado nos desvios inúmeros de nossa alma através de consecutivas reencarnações, e é muito difícil praticar o bem, dentro das nocivas paixões pessoais que nos empolgam a personalidade, cabendo-nos ainda reconhecer que, se nos conservamos envolvidos na túnica pesada de nossos velhos caprichos, é impossível buscar a paz e segui-la. Cegaram-nos males numerosos, aos quais nos inclinamos nas sendas evolutivas, e acostumados ao exclusivismo.e ao atrito inútil, no desperdício de energias sagradas, ignoramos como procurar a tranquilidade consoladora. (9)
A frase: “E rogaram-lhe que lhe tocasse” fala do valor da intercessão. Fundamentados na fé raciocinada, os anônimos benfeitores rogaram a Jesus que tocasse aquele companheiro destituído de visão. O exemplo é elucidativo para todos nós que atuamos na seara espírita. Perante a criatura em sofrimento, temos o dever cristão de consolá-la. Se estivermos impossibilitados de atendê-la diretamente, podemos nos valer do recurso da intercessão que, por vezes, funciona com mais eficiência se fossemos nós o prestador do benefício. Rogando a quem possa, sob os auspícios da caridade, o sofredor é atendido nas suas necessidades. Entretanto, auxiliar requer, sempre, disposição discernimento e confiança. Tal como os amigos citados nesta passagem do Evangelho, não podemos curar alguém, mas agir como intermediário das forças do bem, aplicando os usuais recursos que a Doutrina Espírita nos disponibiliza: o passe, a prece, a conversa fraterna, o amparo material, o esclarecimento espiritual, o apoio solidário etc.
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E tomando o cego pela mão, levou-o para fora da aldeia; e, cuspindo-lhe nos olhos e impondo-lhe as mãos, perguntou-lhe se via alguma coisa. E, levantando ele os olhos, disse: vejo os homens, pois os vejo como árvores que andam. Depois, tornou a pôr-lhe as mãos nos olhos, e ele, olhando firmemente, ficou restabelecido e já via ao longe e distintamente a todos. E mandou-o para sua casa, dizendo: Não entres na aldeia (Mc 8.23-26).
Podemos observar que Jesus, ao iniciar o paciente processo de cura, manifestado na frase: “tomando o cego pela mão, levou-o para fora da aldeia”, o faz com carinho (“tomando o cego pela mão”) afastando-o do foco de dificuldades (“levou-o para fora da aldeia”).
O gesto de pegar o doente pela mão revela a base em que se fundamenta o trabalho com o Cristo: atenção, simpatia, cuidado, ação eficiente. Por este motivo, as mãos de Jesus são sempre operantes, espalhando o amor de modo incansável.
O trabalho é sempre instrutor do aperfeiçoamento. […]. Em todos os lugares do vale humano, há recursos de ação e aprimoramento para quem deseja seguir adiante. Sirvamos em qualquer parte, de boa vontade, como sendo ao Senhor e não às criaturas, e o Senhor nos conduzirá para os cimos da vida. (4)
O versículo destaca, igualmente, a manifestação de misericórdia pelo cego, sentimento que antecede o auxilio, propriamente dito. Sabemos que a cegueira tem suas raízes nas ações pretéritas, em geral, desencadeada pela inércia, indiferença e desinteresse na prática do bem.
A grande maioria das doenças tem a sua causa profunda na estrutura semimaterial do corpo perispiritual. Havendo o Espírito agido erradamente, nesse ou naquele setor da experiência evolutiva, vinca o corpo espiritual com desequilíbrios ou distonias, que o predispõem à instalação de determinadas enfermidades, conforme o órgão atingido. (5)
O processo de cura se estabelece quando o enfermo começa a se desligar das causas geradoras da doença, sobretudo quando é apoiado pela família e amigos. A estratégia terapêutica utilizada por Jesus estabeleceu que, de imediato, era necessário afastar o cego dos seus problemas, da influência negativa do ambiente psíquico em que se encontrava mergulhado, por este motivo “levou-o para fora da aldeia.”
O processo de cura comporta, basicamente, três etapas: renovação mental do doente, aplicação de recursos terapêuticos para eliminar a doença e o desenvolvimento de ações mantenedoras da saúde. Jesus promove a renovação mental do cego quando, conduzindo-o “para fora da aldeia”, desvincula-o dos elementos perturbadores que lhe alimentava a enfermidade. Os recursos terapêuticos utilizados pelo Mestre estão representados nos fluidos ou energias magnético-espirituais, presentes na sua saliva e nos seus fluidos magnéticos. As ações promotoras da saúde estão indicadas no versículo 26, registrado por Marcos: “E mandou-o para sua casa, dizendo: Não entres na aldeia”. Significa dizer que a saúde estaria garantida se o atendido guardasse a devida vigilância da sua casa mental (“mandou-o para a sua casa”), mantendo-se harmonizado no bem e afastado do foco dos antigos problemas (“não entres na aldeia”).
A cura da cegueira surge como mera possibilidade quando o cego se apoia na benevolência de amigos, os quais, por sua vez, o conduzem até Jesus. Somente com o Mestre a cura se concretiza. Este processo: desejo de ser curado, apoio de benfeitores, encaminhamento a Jesus, permite ao enfermo compreender que as ações individuais, por menores que sejam, repercutem na própria existência, sendo pois necessário desenvolver a capacidade de se fazer escolhas sensatas. Neste sentido, sabemos que “ninguém pode servir a dois senhores, porque ou há de odiar um e amar o outro ou se dedicará a um e desprezará o outro. Não se pode servir a Deus e a Mamon” (Mt 6.24). Mamon representa as paixões inferiores e as coisas materiais supérfluas que, pelo fascínio que exercem sobre as criaturas, podem arrastá-las a grandes desarmonias espirituais e a quedas morais significativas.
Assim, a saída da aldeia, propiciada por Jesus, apresenta também outro significado: coloca o doente no rumo do bem, a serviço de Deus, dando condições ao seu Espírito de acessar outro campo de vibrações, de valores substancialmente diferentes, favoráveis à neutralização do mal.
Trazendo a lição para o campo das nossas cogitações íntimas, percebemos que por muito tempo estivemos prisioneiros de hábitos infelizes e de viciações, antes do entendimento espírita surgirem nossa vida. Isto nos faz refletir o quanto é importante investir na aquisição de valores morais, desenvolvendo virtudes e combatendo o mal. Este processo de mudança pode ser favorecido pelas práticas espíritas, simples, mas eficientes, tais como: reuniões evangélico-doutrinárias ou de estudo; trabalho de assistência e promoção social, de atendimento aos necessitados, encarnados ou desencarnados. São frentes de trabalho que nos fazem manter a mente atenta em interesses edificantes, e que nos desvinculam de antigas conexões geradoras de desconforto espiritual. Agindo assim, estaremos promovendo a desativação de sofrimentos e patologias equivocadamente nutridos pelo nosso Espírito.
O texto de Marcos mostra que Jesus utilizou dois recursos terapêuticos na cura do cego: a saliva e a imposição de mãos. O registro evangélico diz que “e, cuspindo-lhe nos olhos, e impondo-lhe as mãos, perguntou-lhe se via alguma coisa.” O uso da saliva indica que a enfermidade daquele companheiro exigia, por suas características, uma providência de ordem bastante material. É importante ressalvar que somente ao Cristo coube a utilização da saliva como elemento curativo, em razão da sua elevada pureza e sublimado magnetismo. Não se trata de prática que devemos imitar ou incentivar, uma vez que a nossa saliva não possui a desejável pureza química e biológica, em função de hábitos alimentares, deficiências fisiológicas, energéticas etc.
A saliva é um produto que contribui para a manutenção de certas atividades no corpo físico. É um fluido aquoso e transparente secretado pelas glândulas salivares, tendo a água como o seu maior componente (99%) e uma pequena porcentagem de substâncias orgânicas e minerais (substâncias inorgânicas). Alguns elementos biológicos existentes na saliva, como anticorpos e enzimas, protegem o organismo de infecções e intoxicações. É uma substância encontrada na boca e em toda a extensão do aparelho digestivo e orofaríngeo, hidratando-o e tendo como função adicional controlar o nível de água no organismo.
O passe, transmitido pela imposição de mãos, foi outro recurso que o Mestre utilizou na cura do cego. Este, sim, é naturalmente utilizado por nós. A imposição de mãos produz uma transmissão magnética dos nossos fluidos animalizados (fluido vital) que, associados às energias dos benfeitores espirituais, canalizam elementos de cura ao necessitado, envolvendo-o em vibrações de amor e bem-estar.
Após a transmissão magnético-fluídica, Jesus “perguntou-lhe se via alguma coisa.” A pergunta é significativa: o cego é chamado a reagir, a despertar, sair do estado psíquico em que se encontrava e acordar para a vida, exercitando a visão espiritual que se lhe abria. A magnificência da lição nos mostra como deve ser o processo de auxílio: o enfermo não foi constrangido a ver segundo a ótica de Jesus — que, por efeito contrário, manteria o doente no estado de cegueira, já que a luz excessiva também cega — , mas de acordo com a condição evolutiva do próprio Espírito beneficiado.
Percebemos, então, que em todo processo de auxílio é mais importante que o necessitado não se firme apenas nos recursos de quem o ampara, mas que desenvolva os próprios, ativando-os em benefício da sua felicidade. É preciso não esquecer o respeito que devemos ter pelo livre-arbítrio do beneficiado.
A pergunta do Cristo (vê “alguma coisa?”) demonstra que, sob o influxo do amor, há liberdade integral para o necessitado usar do seu livre-arbítrio, vendo o que deseja e discernir sobre o que lhe é lícito ou conveniente.
Homens comuns, habitualmente, pousam os olhos em determinada situação apenas para fixarem os ângulos mais apreciáveis aos interesses inferiores que lhes dizem respeito. […] Olhos otimistas saberão extrair motivos sublimes de ensinamento, nas mais diversas situações do caminho em que prosseguem. […] O homem cristianizado e prudente sabe contemplar os problemas de si mesmo, contudo, nunca enxerga o mal onde o mal ainda não exista. (6)
No versículo 24 temos a resposta do cego a Jesus: “E, levantando ele os olhos, disse: vejo os homens: pois os vejo como árvores que andam.” Esta expressão: “levantando ele os olhos” traduz-se como um inequívoco propósito de elevação, atestado pela sua disposição íntima de curar-se. Se a indagação anterior de Jesus — se o enfermo via alguma coisa — afere o desejo de efetiva transformação moral do necessitado, o gesto, caracterizado por “levantando ele os olhos”, confirma a determinação do atendido em seguir as orientações do Cristo.
Que esse processo de cura nos sirva de exemplo, pois o mínimo que se espera de todos nós, Espíritos enfermos, é nos mantermos unidos a Jesus, seguindo os seus ensinamentos, sendo beneficiados pela bondade do Alto que nos cumula de bênçãos. Neste sentido, é preciso superar as manifestações de desânimo e de pessimismo que corriqueiramente nos atingem, enfrentando os desafios da vida com ânimo forte (“levantando os olhos”).
Continuando em sua determinação de se libertar da cegueira, diz o cego: “Vejo os homens, pois os vejo como árvores que andam”. Esta informação mostra que a visão distorcida da realidade pode estar relacionada a diferentes causas.
A primeira sensação que o homem teve foi exatamente a que experimentam os cegos ao recobrarem a vista. Por um efeito de óptica, os objetos lhes parecem de tamanho exagerado. (2)
Verifica, porém, que a distorção visual poderia estar relacionada, não a problemas no globo ocular, mas à visão espiritual. Ver homens que parecem árvores que andam, indica visão aparente, superficial e embaçada. Estamos conscientes que cada Espírito é um mundo por si. O ambiente ao qual nos vinculamos não é uma floresta de criaturas aparentemente iguais, como sugere a expressão “árvores que andam”. O espírita consciente sabe que o lar, o trabalho, o ambiente em que vive e atua é uma sociedade heterogênea formada de Espíritos portadores de valores e necessidades diferentes.
Cairbar Schutel nos lembra o seguinte:
Colhemos […] uma lição de inestimável proveito em tudo isso, e refere-se à passagem do Espírito, da materialidade em que está, para a espiritualidade, da ignorância para a sabedoria, das trevas para a luz. Ele não adquire, como o cego não adquiriu, repentinamente a vidência da Verdade; passa por um estado de confusão, assim como o cego — vendo, mas vendo homens como árvores, até que possa distinguir claramente a realidade. (3)
Na primeira etapa do atendimento espiritual, realizado por Jesus, percebemos que a visão do cego se revelou deficiente. Mesmo não enxergando com nitidez, a revelação que prestou a Jesus foi sincera, expressando o que efetivamente estava vendo. Não se enganou, movimentando recursos de superfície, se dizendo curado, mas, ao contrário, ao afirmar que não via plenamente, expõe a sua real deficiência por se sentir seguro e amparado em Jesus. Esta informação foi importante para que o Mestre lhe agraciasse com nova assistência (“tornou a pôr-lhe as mãos nos olhos”).
À semelhança do cego que deseja enxergar com nitidez, devemos dilatar a nossa visão espiritual, buscando de forma incessante o melhor que a vida oferece em termos de conquistas morais e intelectuais. Os valores que dispomos hoje podem ser insuficientes para a realização de empreendimentos elevados. Entretanto, a experiência da vida, se firmada no amor, oferece novos e apropriados ensinamentos que nos impulsionam para a frente. Adotar ação no bem é angariar conhecimentos pelas vias naturais do progresso espiritual, fugindo do impositivo milenar do aprender pelo sofrimento.
Pessoas há que iniciam bons empreendimentos, mas, por falta de perseverança, não concluem as tarefas. Outras, de forma irrefletida, assumem o compromisso de realizar muitas coisas, mas pouco ou nada executam. O Espírito revela progresso efetivo quando passa a ser mais resoluto e constante no seu propósito de melhoria, atestando, assim, assimilação do “olhando firmemente”, indicado no ensinamento evangélico, sob análise. Devemos considerar também que, a despeito das nossas mais nobres e firmes disposições, somente sob o amparo constante de Jesus é que conseguimos forças para, como o cego de Betsaida, saber “olhar firmemente, ficar restabelecido, vendo distintamente a todos.”
A expressão verbal “ficou restabelecido” pode ser interpretada como o retorno do equilíbrio e pela capacidade de retomar à posição de criaturas simples e bem-dispostas. As pessoas simples já não perdem nem se mantém presas no emaranhado de complicações, caracterizado pela indiferença, egoísmo, vaidade etc.
Aprendemos que ver, segundo os padrões determinados por Jesus, significa ser humilde e conhecer a verdade, como está demonstrado na frase: “e já via ao longe e distintamente a todos.” Ver ao “longe” e “distintamente” tem o significado de ver além ou acima das aparências, enxergando o próximo como irmão, já que todos somos filhos do mesmo Pai. Não se trata, pois, de visualizarmos as pessoas como caricaturas humanas (“como árvores que andam”), mas como companheiros em processo de caminhada para Deus, portadores de peculiaridades e valores próprios, os quais nos concedem a oportunidade de colocar em prática a orientação de Jesus, registrada pelo apóstolo João: “Que vos ameis uns aos outros como eu vos amei a vós […]. Nisto todos conhecerão que sois meus discípulos, se vos amardes uns aos outros” (Jo 13.34,35).
A frase: “mandou-o para sua casa, dizendo”, nos conduz a dupla interpretação. A primeira é literal e está relacionada ao ambiente doméstico, onde convivemos com os familiares e amigos próximos. Trata-se do local apropriado para a execução das responsabilidades e dos deveres definidos pela reencarnação. A segunda diz respeito à casa íntima, à mente do Espírito, plano onde se opera as aquisições necessárias ao progresso espiritual.
Recomenda também Jesus: “não entres na aldeia.” Nada há de complexo ou incoerente nessa instrução, se fizermos uma análise não literal, extraindo o espírito da letra. Trata-se de uma recomendação justa e prudente, indicando que o doente, para se manter permanentemente livre da cegueira, não deve retornar à posição anterior, antes de ser curado. “Não entres na aldeia” é ordenação precisa do Senhor que mostra ao convalescente a necessidade de vibrar em planos mais elevados. A cura só se concretiza quando o imperativo de Jesus “não entres na aldeia” é, de fato, assimilado. Quando o Espírito entende que é preciso recolher-se à própria intimidade (sua “casa”) deve fazer reflexões apropriadas e elaborar estratégias de redenção. Se a mente renovada eleger como padrão de comportamento o manter-se em sintonia com o Alto, é para aí que deve canalizar seus esforços.
A propósito esclarece Emmanuel:
Quase […] todos os doentes reclamam a atuação do Cristo, exigindo que a dádiva desça aos caprichos perniciosos que lhe são peculiares, sem qualquer esforço pela elevação de si mesmos à bênção do Mestre. Raros procuram o Cristo à luz meridiana; e, de quantos lhe recebem os dons, raríssimos são os que lhe seguem os passos no mundo. Daí procede a ausência da legítima glorificação a Deus e a cura incompleta da cegueira que os obscurecia, antes do primeiro contato com a fé. Em razão disso, a Terra está repleta dos que creem e descreem, estudam e não aprendem, esperam e desesperam, ensinam e não sabem, confiam e duvidam. Aquele que recebe dádivas pode ser somente beneficiário. O que, porém, recebe o favor e agradece-o, vendo a luz e seguindo-a, será redimido. É óbvio que o mundo inteiro reclama visão com o Cristo, mas não basta ver simplesmente […] para ver e glorificar o Senhor é indispensável marchar nas pegadas do Cristo, escalando, com Ele, a montanha do trabalho e do testemunho. (10)
A interpretação espírita da cura do cego de Betsaida nos faz recordar Saulo de Tarso que, ao encontrar o Cristo na estrada de Damasco, precisou perder temporariamente a visão física para que pudesse enxergar as claridades espirituais. Eis o que aconteceu ao valoroso apóstolo dos gentios, segundo o relato de Emmanuel.
Aqueles três dias em Damasco foram de rigorosa disciplina espiritual. Sua personalidade dinâmica havia estabelecido uma trégua às atividades mundanas, para examinar os erros do passado, as dificuldades do presente e as realizações do futuro. Precisava ajustar-se à inelutável reforma do seu eu. […] Ninguém acreditaria no ascendente da conversão inesperada; entretanto, havia que lutar contra todos os cépticos, de vez que Jesus, para falar-lhe ao coração, escolhera a hora mais clara e rutilante do dia, em local amplo e descampado e na só companhia de três homens muito menos cultos do que ele, e, por isso mesmo, incapazes de algo compreenderem na sua pobreza mental. […] Agora compreendia aquele Cristo que viera ao mundo principalmente para os desventurados e tristes de coração. Antes, revoltava-se contra o Messias Nazareno, em cuja ação presumia tal ou qual incompreensível volúpia de sofrimento; todavia, chegava a examinar-se melhor, agora, haurindo na própria experiência as mais proveitosas ilações. Não obstante os títulos do Sinédrio, as responsabilidades públicas, o renome que o faziam admirado em toda parte, que era ele senão um necessitado da proteção divina? As convenções mundanas e os preconceitos religiosos proporcionavam-lhe uma tranquilidade aparente; mas, bastou a intervenção da dor imprevista para que ajuizasse de suas necessidades imensas. Abismalmente concentrado na cegueira que o envolvia, orou com fervor, recorreu a Deus para que o não deixasse sem socorro, pediu a Jesus lhe clareasse a mente atormentada pelas ideias de angústias e desamparo. (7)
Sabemos que passados três dias em que o apóstolo se encontrava cego, Jesus enviou o idoso Ananias que, em seu nome, curou a cegueira de Paulo. O diálogo que acontece entre o beneficiado e o benfeitor revela o que acontece quando a cura ocorre sob o amparo do Cristo:
— Ressuscitastes-me para Jesus — exclamou jubiloso — ; serei dele eternamente. Sua misericórdia suprirá minhas fraquezas, compadecer-se-á de minhas feridas, enviará auxílios à miséria da minha alma pecadora, para que a lama do meu espírito se converta em ouro do seu amor.
— Sim, somos do Cristo — ajuntou o generoso velhinho com a alegria a transbordar dos olhos. (8)
ANEXO
ORIENTAÇÕES AO MONITOR: Pedir aos participantes que façam uma leitura reflexiva do texto e que realizem o exercício que se segue.
EXERCÍCIO
1) Analisar, à luz do Espiritismo, as frases: a) “E lhe trouxeram um cego, rogando-lhe que o tocasse”; b) “E o mandou-o para sua casa, dizendo: não entres na aldeia.”
2) Esclarecer por que a cura da cegueira exigiu duas ações subsequentes, por parte de Jesus: aplicar saliva e fazer imposição de mãos sobre os olhos do doente.
3) Explicar a importância da cura a ser realizada sob o amparo de Jesus.
Referências:
1. KARDEC. Allan. O Evangelho segundo o Espiritismo. Tradução de Guillon Ribeiro. 124. ed. Rio de janeiro: FEB, 2005. Capítulo 8, item 19, p. 156-157.
2. Idem - A gênese. Tradução de Guillon Ribeiro. 48. ed. Rio de janeiro: FEB, 2005. Capítulo 15, item 13, p. 317.
3. SCHUTEL, Cairbar. O espírito do cristianismo. 8. ed. Matão: O Clarim, 2001. Capítulo 62 (O cego de Betsaida), p. 319.
4. XAVIER. Francisco Cândido. Fonte viva. Pelo Espírito Emmanuel. 33. ed. Rio de Janeiro: FEB, 2006. Capítulo 29 (Sirvamos), p. 76.
5. Idem - Leis de amor. Pelo Espírito Emmanuel. 4. ed. São Paulo: LAKE, 1972, pergunta 2, p. 13-14.
6. Idem - Pão nosso. Pelo Espírito Emmanuel. 27. ed. Rio de Janeiro: FEB, 2006. Capítulo 169 (Olhos), p. 353-354.
7. Idem - Paulo e Estêvão. Pelo Espírito Emmanuel. 42. ed. Rio de Janeiro: FEB, 2006. Segunda parte, Capítulo 1 (Rumo ao deserto), p. 257-258.
8. Idem, ibidem - p. 261.
9. Idem - Vinha de luz. Pelo Espírito Emmanuel. 24. ed. Rio de Janeiro: FEB, 2006. Capítulo 27 (Indicação de Pedro), p. 73-74.
10. Idem - Capítulo 34 (Não basta ver), p. 87-88.